Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 28 de março de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 3)

A REVOLUÇÃO DE 1932 OU REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA

A Revolução Constitucionalista de São Paulo eclodiu em 9 de julho de 1932 e estendeu-se até 2 de outubro de 1932.
O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo, que apoiara a Revolução de 1930, uniram-se na chamada "Frente Única por São Paulo Unido", em 16 de fevereiro de 1932, para exigir o fim da ditadura do "Governo Provisório", a nomeação de um político "civil e paulista" como interventor federal em São Paulo, e a promulgação de uma nova constituição, já que Getúlio Vargas revogara, em 1930, as garantias constitucionais da Constituição de 1891 e governava através de decretos.
Os paulistas consideravam que São Paulo estava sendo tratado como terra conquistada e sentiam que a Revolução de 1930 fora feita contra São Paulo, pois na eleição presidencial daquele ano, Júlio Prestes obtivera 90% dos votos em São Paulo, ao passo que Getúlio 10% apenas, devido ao apoio do Partido Democrático. Desde então, São Paulo vinha sendo governado por tenentes de outros estados, como o pernambucano João Alberto Lins de Barros e o general Manuel Rabelo, muito ligado a João Alberto, permanentemente interferindo em São Paulo.
Outras militares nomeados pelo Governo Provisório, que muito irritaram os paulistas foram: o general reformado Isidoro Dias Lopes, para comandante da 2ª Região Militar, e o major Miguel Costa, para comandante da então Força Pública de São Paulo e depois secretário da Segurança Pública, pois ambos haviam tentado derrubar o governo paulista na Revolução de 1924. Isidoro Dias Lopes, porém, acabou rompendo com o governo provisório e apoiando a revolução de 1932.
Mesmo quando nomeados os civis Laudo Ferreira de Camargo e Pedro Manuel de Toledo, para interventores em São Paulo, os tenentes continuavam interferindo, não permitindo aos interventores livremente formar o secretariado. Quando Laudo de Camargo renunciou, em novembro de 1931, o ministro da Fazenda, José Maria Whitaker pediu exoneração do seu cargo em solidariedade a ele. Osvaldo Aranha o substituiu no Ministério da Fazenda. Segundo muitos analistas, este teria sido o maior erro político de Getúlio: entregar São Paulo aos tenentes. Os tenentes do Clube 3 de Outubro permaneciam totalmente contrários a que se fizesse uma nova constituição, tendo entregue a Getúlio Vargas, no dia 4 de março de 1932, na cidade de Petrópolis, um documento em que davam seu total apoio à ditadura, manifestando-se contrários a uma nova constituição.
O estopim da revolta paulista foram as mortes de quatro estudantes paulistas, assassinados no centro de São Paulo, por partidários de Getúlio Vargas, em 23 de maio de 1932: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Camargo de Andrade (cujos nomes vieram a formar a sigla M.M.D.C.). Neste dia a população saíra às ruas protestando contra a presença do ministro Osvaldo Aranha em São Paulo e Pedro de Toledo montara um novo secretariado de governo (o chamado secretariado de 23 de maio) sem a interferência dos tenentes e de Osvaldo Aranha. O movimento deflagrou a revolução de 1932. Em 9 de julho, inicia-se o movimento constitucionalista. Foi montado um grande contingente de voluntários civis e militares que travaram uma luta armada contra o Governo Provisório, chamado pelos paulistas de "A ditadura". Em 12 de agosto de 1932 falece Orlando de Oliveira Alvarenga, também alvejado em 23 de maio.
O movimento constitucionalista teve apoio de políticos de outros estados, como Borges de Medeiros, Raul Pilla, Batista Luzardo, Artur Bernardes e João Neves da Fontoura, que foram presos e exilados. Todos eles haviam apoiado a Revolução de 1930, porém romperam posteriormente com Getúlio.
A Revolução Constitucionalista estendeu-se até 2 de outubro de 1932, quando foi derrotada militarmente. Terminada a Revolução de 1932, Getúlio Vargas se reconcilia com São Paulo e, após muita negociação política, nomeia Armando de Sales Oliveira, um civil e paulista que apoiara a Revolução de 1930, para interventor em São Paulo.
Na versão do Governo Provisório, a Revolução de 1932 não seria necessária, pois as eleições já tinham data marcada para ocorrer. Segundo os paulistas, não teria havido redemocratização no Brasil, se não fosse o Movimento Constitucionalista de 1932.

A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE E A CONSTITUIÇÃO DE 1934

O término da revolução constitucionalista marcou o início de um período de democratização do Brasil. Em 3 de maio de 1933, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, quando as mulheres votaram pela primeira vez no Brasil em eleições nacionais. O voto feminino já havia sido instituído no Rio Grande do Norte, em 1928. Nesta eleição, graças à criação da Justiça Eleitoral, as fraudes deixaram de ser rotina nas eleições brasileiras. Nesta mesma eleição foi introduzido o voto secreto em eleições nacionais, dispositivo já usado a nível estadual pelo Governador de Minas Antônio Carlos de Andrada em 1929, para uma eleição suplementar em Belo Horizonte.
Foram mantidos fora de apreciação judicial todos os atos do Governo Provisório e os dos interventores nos estados. Foram anistiados todos os civis e militares que praticaram crimes políticos até a data da promulgação da Constituição de 1934.
O "Governo Provisório" havia criado, em 1933, uma comissão de juristas, a "Comissão do Itamaraty", para elaborar um anteprojeto de constituição, que previsse um poder executivo federal forte e centralizador, ao gosto de Getúlio. Entretanto, a Constituição de 1934 redundou descentralizadora, concedendo autonomia relativa aos estados federados. Os senados estaduais foram extintos e jamais voltaram a existir.
No dia seguinte à promulgação da nova constituição, 17 de julho de 1934, através de eleição indireta para a presidência da república, o Congresso Nacional elegeu Getúlio Vargas como Presidente da República, derrotando o conterrâneo Borges de Medeiros que, desde 1931, fazia oposição a Getúlio, entre outros candidatos. Getúlio teve 173 votos, contra 59 votos dados a Borges de Medeiros.

O GOVERNO CONSTITUCIONAL DE 1934 A 1937

O novo mandato presidencial de Getúlio iniciou 20 de julho de 1934, quando tomou posse no Congresso Nacional, jurando a nova constituição, e deveria encerrar em 3 de maio de 1938, sem a figura de vice-presidente. Os estados realizaram, posteriormente, suas constituições e muitos interventores se tornaram governadores, eleitos pelas assembleias legislativas, significando uma ampla vitória aos partidários de Getúlio.
Em 4 de abril de 1935 foi sancionada a lei nº 38, que definia os crimes contra a ordem política e social, possibilitando maior rigor no combate à subversão da ordem pública, que ficou conhecida como Lei de Segurança Nacional.
Em 22 de julho de 1935 foi criado o programa oficial de rádio com notícias do governo, a "Hora do Brasil", depois denominada “Voz do Brasil”, existente ainda hoje.
Neste período de governo de Getúlio, cresceu muito a radicalização político-ideológica no Brasil, especialmente entre a Ação Integralista Brasileira (AIB), de inspiração fascista e liderada por Plínio Salgado, pregando um Estado Totalitário, e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), movimento dominado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), patrocinado pelo regime comunista da União Soviética, ditadura totalitária de esquerda. Getúlio Vargas e o alto comando das Forças Armadas sempre se mostraram contra o comunismo e usaram este pretexto para o seu maior sucesso político - o golpe de 1937.O fechamento da ANL, através do decreto nº 229 de 11 de julho de 1935, determinado por Getúlio Vargas, bem como a prisão de alguns partidários, precipitaram as conspirações que levaram à Intentona Comunista em 24 de novembro de 1935 no nordeste do Brasil e a 27 de novembro de 1935 na capital federal Rio de Janeiro, além de em várias outras cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, em Recife e Natal ocorreram levantes em que aconteceram várias mortes.
A partir da Intentona Comunista, várias vezes o “Estado de Sítio” e o “Estado de Guerra” foram decretados no país por Getúlio e endurecidas as leis contra a subversão. A Lei de Segurança Nacional foi reforçada, em 14 de dezembro de 1935, pela Lei nº 136, que definia novos crimes contra a ordem pública. Em 18 de dezembro de 1935, são promulgadas três emendas à Constituição de 1934, dando mais poderes ao Estado Brasileiro no combate à subversão.
Em 17 de janeiro de 1936, é sancionada a lei nº 192, que limitaria o poderio militar dos estados, subordinando as polícias militares ao Exército Brasileiro, limitando os efetivos e proibindo-as de possuírem artilharia, aviação e carros de combate.
Em 23 de março de 1936, são presos o senador Abel de Abreu Chermont e 3 deputados federais por suposta cumplicidade com a Intentona Comunista. O prefeito carioca Pedro Ernesto, muito popular à época, foi preso em 3 de abril de 1936, suspeito de ter apoiado a Intentona Comunista.
Em 11 de setembro de 1936 foi criado, pela lei nº 244, um tribunal especial para julgar os revolucionários da Intentona Comunista, chamado de "Tribunal de Segurança Nacional". Neste período, a instabilidade política no Brasil cresceu bastante, o que acabaria por levar os chefes militares a emprestar apoio a Getúlio para a implantação do “Estado Novo”.
A partir do final de 1936, o cenário político passa a ser dominando pela sucessão presidencial. Em maio de 1937, Getúlio registra várias vezes, no "Diário", que tentara a conciliação entre os dois candidatos a presidente da república, Armando Sales e José Américo de Almeida.

PERÍODO DITATORIAL: O ESTADO NOVO DE 1937 A 1945

Estado Novo é o termo usado para denominar o período da história do Brasil que se estende de 10 de novembro de 1937 a 29 de outubro de 1945, quando Getúlio Vargas era o chefe do governo do Brasil.

A IMPLANTAÇÃO DO ESTADO NOVO E A SUA POLÍTICA

Em 30 de setembro de 1937, enquanto eram aguardadas as eleições presidenciais marcadas para janeiro de 1938, a ser disputadas entre José Américo de Almeida e Armando de Sales Oliveira, apoiadores da revolução de 1930, e por Plínio Salgado, foi denunciada, pelo governo de Getúlio, a existência de um suposto plano comunista para tomar o poder, certamente forjado pelos integralistas. Segundo tal plano, conhecido como Plano Cohen, os comunistas planejavam uma revolução maior e melhor arquitetada do que a de 1935, com amplo apoio do Partido Comunista da União Soviética. Segundo outros, o plano teria sido forjado por um adepto do integralismo, o capitão Olímpio Mourão Filho, embora os integralistas negassem sua participação na implantação do Estado Novo, culpando o general Góis Monteiro, na época chefe do Estado Maior do Exército, pela criação e divulgação do Plano. Somente dezoito anos mais tarde, perante o Conselho de Justificação do Exército Brasileiro, requerido a 26 de dezembro de 1956, o então coronel Olímpio Mourão Filho, provou sua inocência.
Com isso, os militares e boa parte da classe média brasileira apoiam a ideia de um governo mais fortalecido, para espantar a ideia da imposição de um governo comunista no Brasil. No dia seguinte à divulgação do Plano Cohen, 1º de outubro de 1937, o Congresso Nacional declarou o estado de guerra em todo o país, Getúlio Vargas derruba a Constituição de 1934, e declara o Estado Novo.
Em 19 de outubro, o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha, depois de ter perdido o controle sobre a Brigada Militar gaúcha, que fora, por ordem de Getúlio, subordinada ao Exército brasileiro, e sido cercado militarmente pelo general Góis Monteiro, abandona o cargo de governador do Rio Grande do Sul e se exila no Uruguai.
Flores da Cunha representava a última possível resistência militar a uma tentativa de golpe de estado por parte de Getúlio. Armando de Sales Oliveira, que também poderia se opor ao golpe de Estado, já deixara o governo de São Paulo, em 29 de dezembro de 1936, para se candidatar à presidência da República. Seu sucessor, José Joaquim Cardoso de Melo Neto, garantira a Getúlio que São Paulo não faria outra revolução.
No dia do golpe de estado, 10 de novembro, Getúlio Vargas fez um pronunciamento em rede nacional de rádio, determinou o fechamento do Congresso Nacional do Brasil e outorgou uma nova constituição, a Constituição de 1937, com caráter centralizador e autoritário, que lhe conferia o controle total do poder executivo e lhe permitia nomear, para os estados, interventores a quem dava ampla autonomia para a tomada de decisões. Essa constituição, elaborada por Francisco Campos, ficou conhecida como "a Polaca", por se ter inspirado na constituição vigente na Polônia naquela época. Além disso, ela suprimiu a liberdade partidária, a independência entre os três poderes e o próprio federalismo existente no país, criando o Tribunal de Segurança Nacional. Os prefeitos passaram a ser nomeados pelos governadores e esses, por sua vez, pelo presidente. Foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), com o intuito de projetar Getúlio Vargas como o "Pai dos Pobres" e o "Salvador da Pátria".
A Propaganda (DIP) no Estado Novo
Segundo o Almirante Ernâni do Amaral Peixoto, genro de Getúlio, o Estado Novo não foi obra pessoal de Getúlio, mas sim uma decisão dos militares, visando o combate à subversão. Segundo ele, “o golpe do Estado Novo viria com Getúlio, sem Getúlio ou contra Getúlio”.
No manifesto à Nação através de rede de rádio, há algumas frases muito interessantes de Getúlio, pelo tom eminentemente socializante e claramente favorável à intervenção do Estado que possuíam; mas duas são dignas de transcrição:

É a necessidade que faz a lei: tanto mais complexa se torna a vida no momento que passa, tanto maior há de ser a intervenção do estado no domínio da atividade privada.
A riqueza de cada um, a cultura, a alegria, não são apenas bens pessoais: representam reservas de vitalidade social, que devem ser aproveitadas para fortalecer a ação de Estado!

A Constituição de 1937 previa um novo Legislativo, que nunca foi instalado, e previa a realização de um plebiscito, que nunca foi convocado. Jamais foram realizadas eleições no Estado Novo. O Poder Judiciário teve sua autonomia preservada durante o Estado Novo. No seu preâmbulo, a constituição de 1937 justifica a implantação do Estado Novo, descrevendo uma situação de pré-guerra civil que o Brasil estaria vivendo. Os partidos políticos foram extintos em 2 de dezembro de 1937, pelo decreto-lei nº 37.
No dia 4 de dezembro, numa grande cerimônia cívica na Esplanada do Russel, no Rio de Janeiro, foram queimadas as bandeiras dos estados federados, que foram proibidos de terem bandeira e os demais símbolos estaduais. O Estado Novo era contra qualquer demonstração de regionalismo.
O governo implementou a censura à imprensa e a propaganda do regime através do DIP, criado pelo decreto-lei nº 1.915, de 27 de dezembro de 1939. O diário matutino “O Estado de S. Paulo”, de oposição ao PRP, e que, apesar do nome, havia apoiado a Revolução de 1930, foi tomado à família Mesquita, pelo interventor paulista Ademar Pereira de Barros. O proprietário do jornal, Júlio de Mesquita Filho, exilou-se na Argentina e até hoje o jornal “O Estado de S. Paulo” não conta os anos sob intervenção getulista em sua história oficial. O diário foi devolvido aos “Mesquita” em 1945.
O gabinete ministerial de Getúlio se manteve relativamente estável durante o Estado Novo, com os ministros da Fazenda, Guerra, Marinha e da Educação permanecendo em seus cargos durante todo o período do Estado Novo.
A única reação à implantação do Estado Novo foi o Levante Integralista, em 8 de maio de 1938, quando o Palácio do Catete, que oferecia pouca segurança, foi atacado. Este episódio levou Getúlio a criar uma guarda pessoal, que foi chamada, pelo povo, de "Guarda Negra".

A REPRESSÃO POLÍTICA E A TORTURA NO ESTADO NOVO

Em consequência dos motivos indicados pelo governo vigente para a implantação do novo regime, estabeleceu-se rigorosa repressão ao comunismo, amparada pela Lei de Segurança Nacional, durante todo o Estado Novo, não ocorrendo mais nenhum movimento revolucionário do tipo da "Intentona Comunista" ocorrida em 1935. Na vida civil, manteve-se em vigor o Código Civil Brasileiro de 1916 e um novo código penal, mais liberal, foi adotado durante o Estado Novo. A mais forte crítica a essa repressão se refere a torturas ocorridas na Chefatura de Polícia da cidade do Rio de Janeiro, durante a gestão de Filinto Müller (1933-1942), e a generalizadas acusações de tortura ocorrida em todo o Brasil, embora nenhum estudo afirme que Getúlio tinha conhecimento das torturas ou ordenasse as torturas que ocorreram na Chefatura de Polícia da cidade do Rio de Janeiro durante o Estado Novo.
Vários autores relatam, em biografias de alguns dos opositores do Estado Novo, a prisão e a tortura sofridas por eles, sem poder afirmar o envolvimento direto da pessoa de Getúlio Vargas com torturas. Assim sucede com as torturas sofridas por Pagu, Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, que perdeu as unhas na prisão. Entretanto, vários autores acusam diretamente Getúlio de cerceamento dos direitos e garantias individuais durante o Estado Novo. Sobre assunto, ficou famosa a declaração de Getúlio Vargas, em 23 de julho de 1938:
O Estado Novo não reconhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante os direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela!
O site "Opinião e Notícia", na série “A Era Vargas”, acusa Getúlio de uma série de crimes, descrevendo o Estado Novo como um regime de terror: "A perseguição implacável do regime de Vargas a seus opositores (reais e imaginários), cujos métodos envolviam fartamente o emprego da tortura, violência, deportação e assassinato, foi apenas uma das facetas, talvez a mais conhecida, desse período". Outros traços marcantes do Estado Novo foram o da corrupção e da impunidade sem precedentes, cujos efeitos certamente refletem-se até os dias de hoje nos usos e costumes políticos brasileiros. É emblemático o caso de Bejo Vargas, irmão de Getúlio, personagem violento, que se envolveu em inúmeros homicídios, sem jamais responder a um único inquérito policial. Ao menos numa ocasião, causou uma grave crise com a Argentina, quando invadiu, em 1933, uma cidade do País vizinho, Santo Tomé, com um bando de jagunços, onde executou guardas e saqueou casas e estabelecimentos comerciais. Como resultado, o Brasil teve que pagar uma pesadíssima indenização à Argentina, de mais de 5 milhões de dólares. Bejo, entretanto, saiu do episódio sem ser incomodado.
A advogada Marina Pasquini Toffolli diz que "com o advento do Estado Novo, no denominado período Getuliano, iniciado em 1937, o Brasil vivenciou uma ditadura que espargiu o terror e edificou a barbárie em todo o seu território, suprimindo todas as garantias individuais, fechando o parlamento federal, estadual e municipal. Também estabeleceu acentuada censura aos órgãos de imprensa e fortaleceu, sobremaneira, os departamentos policiais destinados à repressão política e social".
O pesquisador americano R.S. Rose foi o primeiro civil a passar meses examinando os arquivos secretos da polícia, na cidade do Rio de Janeiro, pesquisa reunida no livro One of the Forgotten Things: Getúlio Vargas and Brazilian social control - 1930-1954 (Uma das coisas esquecidas: Getúlio Vargas e o controle social dos brasileiros - 1930-1954). Segundo ele, que vê o Estado Novo como tendo sido um regime impopular que precisou de "coagir o povo" para se manter: "durante o domínio de Vargas, a qualidade e quantidade de abusos contra os direitos humanos atingiram níveis sem precedentes. A violência, como meio de coagir o povo, era evidente em todos os setores do aparato de segurança. As forças policiais da nação redefiniram e, em alguns casos, reinventaram a tortura que já ocorria no Brasil desde os tempos coloniais.” Segundo R. S. Rose, esse foi o período do primeiro grande agigantamento do Estado brasileiro, em todos os seus aspectos. E não foi mera coincidência que o crescimento desmesurado do controle econômico e social tenha sido acompanhado pelo terrorismo de estado, corrupção e impunidade. As marcas (para não dizer chagas) deixadas pelo longo período ditatorial de Vargas ainda não cicatrizaram. Além do culto à personalidade do próprio Vargas, várias de suas políticas econômicas equivocadas continuam sendo defendidas por membros da elite brasileira, que ainda não conseguiram perceber a relação que existe entre opressão econômica e violência política. Ou a relação entre controle estatal da economia e corrupção. Ou a relação entre benesses econômicas patrocinadas pelo governo e impunidade. O autor de “Uma das Coisas Esquecidas” não entra na análise dessas relações, mas certamente prestou um inestimável serviço para a compreensão da verdadeira dimensão política, sociológica e criminológica da Era Vargas. Uma das principais qualidades da obra de Rose, encontra-se no fato de seu autor ter tido acesso aos arquivos do antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) – pela primeira vez abertos a um pesquisador civil – para documentar, com riqueza de detalhes, os inúmeros episódios descritos. Destacam-se, nesse aspecto, as notas ao final do livro, que fazem referências a todos os documentos originais pesquisados pelo autor, totalizando mais de 70 páginas, que podem ser de grande interesse para o leitor interessado em maiores detalhes. Outra característica da obra é a franqueza com que trata personagens históricos (sempre com base documental), não furtando-se a avaliações que possam parecer inclementes. Por exemplo, ao analisar as relações do Estado Novo com a questão judaica, ele afirma: “Uma das falsidades do período do pós-guerra é de que Oswaldo Aranha ajudou os judeus em 1947, ao instar com as Nações Unidas a que criassem a nação de Israel. O mais exato seria dizer que Aranha era um oportunista, como Vargas, pronto a mudar de posição e a seguir com a corrente”. Retroagindo a 1937, encontramos uma circular de Oswaldo Aranha para as embaixadas e os consulados brasileiros, descrevendo a maneira de detectar judeus por suas características físicas.
No livro “Falta Alguém em Nuremberg: Torturas da Polícia de Felinto Strubling Müller”, o jornalista David Nasser enumera algumas das formas de tortura mais comuns nas prisões do Estado Novo.
No romance “Os Subterrâneaos da Liberdade”, de 1952, o escritor baiano Jorge Amado conta "detalhes da repressão ao Partido Comunista Brasileiro, das censuras, torturas e prisões” durante o Estado Novo. Jorge Amado foi preso por duas vezes, em 1936 e 1937, sob a acusação de subversão por envolvimento com a Intentona Comunista. Em 1937, seus livros foram queimados em praça pública em Salvador. “Os Subterrâneos da Liberdade” foi escrito em Praga, na Checoslováquia, onde ele viveu depois de ter sido exilado, em 1948.
O Estado Novo promovia grandes manifestações patrióticas, cívicas e nacionalistas, sempre estimuladas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), os apelos patrióticos na imprensa e nos livros didáticos.
O líder comunista Luís Carlos Prestes permaneceu preso durante todo o Estado Novo. Entretanto, devido à sua relação com o Comintern, durante o seu discurso no Estádio de São Januário, na cidade do Rio de Janeiro, em 1945, defendeu a continuação do governo de Getúlio Vargas pelos progressos alcançados durante sua gestão. Monteiro Lobato foi preso em 1941 por ter enviado uma carta a Getúlio criticando a sua política em relação ao petróleo brasileiro, pois queria que o governo explorasse esse recurso natural para o desenvolvimento do País.
Durante o Estado Novo foram presos tanto militantes da ANL quanto membros da AIB, bem como intelectuais vinculados a uma destas duas agremiações políticas como Graciliano Ramos, o Barão de Itararé e muitos outros intelectuais. Muitos desses presos foram mantidos em cárcere ilegal, por vários meses e até anos, sem processo judicial nem acusação formal. Alguns nem sequer eram oposicionistas, mas foram vítimas de denúncias odiosas. O livro “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos, é um duro relato do autor sobre suas experiências vividas no período em que ficou preso em Ilha Grande, sob a acusação de ligação com o partido comunista (PCB).
Quem ainda tiver dúvidas sobre a verdadeira natureza do regime político brasileiro entre as décadas de 30 e 40, deveria ler a obra da Professora Maria Luiza Tucci Carneiro cujo título é “O antissemitismo na era Vargas: fantasmas de uma geração (1930-1945)”.
Segue a Parte 4.

Um comentário:

COB/ACAT-AIT disse...

Caro Nelson!

Acompanhei seu texto desde bakunin à ditadura de Getúlio.
Esperava encontrar algo relacionando à perseguição e destruição do sindicalismo autonomo da Confederação Operária Brasileira e suas Federações Regionais e Locais (FORGS e FOPA), instigados por libertrios.
Gostei dos seus trabalho..
Parabens