Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 23 de março de 2012

HISTÓRIA DO BRASIL NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (PARTE 1)

INTRODUÇÃO

Já muito foi escrito sobre essa época da história do Brasil, por brasileiros e estrangeiros. Eu mesmo já escrevi algumas coisas sobre este período. Entretanto, sempre tive muitas dúvidas sobre o fenômeno e o homem Getúlio Vargas e gostaria de fazer as minhas próprias pesquisas e escrever as minhas próprias conclusões sobre o assunto. 
O assunto surgiu no meio de outras conversas e então resolvi encetar a busca e o relato sobre o controvertido tema. Justamente buscando a imparcialidade – se é que isso é possível no relato da História – escolhi o título acima sem incluir nele o nome do personagem principal, mas com certeza este é o objetivo. Mais do que isso, a ideia principal, no caso, é o exame da legalidade ou ilegalidade das ações ao final imputadas a Getúlio Vargas, bem como o estudo da personalidade íntima dessa figura, como administrador e homem de ação, o que sempre será uma tarefa muita mais complicada, a não ser que narradas por pessoas honestas que tivessem convivido com ele e que se dispusessem a relatar a sua verdadeira vida. Em todo o caso, este será o nosso grande esforço, não constituindo uma sua parte importante, a busca e a justificativa de suas ações e atos durante a sua administração estadual ou federal; os que foram bons e justificáveis, ótimo; os maus procedimentos certamente também terão ocorrido, pois o complicado, em geral, é chegar ao poder de mando, tudo podendo acontecer depois que isso ocorre.

BREVE BIOGRAFIA DE GETÚLIO VARGAS

Município de São Borja, em vermelho
Getúlio Dorneles Vargas nasceu em São Borja, cidade fronteiriça com a Argentina, no extremo oeste e zona missioneira do estado do Rio Grande do Sul, em 19 de abril de 1882; faleceu na cidade do Rio de Janeiro, então sede do Governo Federal, no estado do Rio de Janeiro, em 24 de gosto de 1954. Era filho de Manuel do Nascimento Vargas – que lutara na Guerra do Paraguai, passando de cabo a tenente coronel do Exército Nacional - e de Cândida Francisca Dorneles Vargas. No final do Império, Manuel aderiu ao Partido Republicano, enfrentando os maragatos na Revolução de 1893-95, quando os republicanos castilhistas (do governante Júlio de Castilhos, também conhecidos por “chimangos”) foram os grandes vencedores. Entre 1907 e 1911, foi Intendente Municipal, sendo substituído no posto por seu filho mais velho, Viriato. 
Ninguém sabe por que razão, mas em sua juventude Getúlio Vargas adulterou alguns documentos fazendo crer que nascera no ano de 1883 e não em 1882, como devidamente comprovado pelo seu assento de batismo na grafia da época, fato apenas descoberto durante as celebrações do seu centenário de nascimento. Teve quatro irmãos: Espártaco, Viriato, Protásio e Benjamim (o Bejo).
Getúlio Vargas provém de uma tradicional família da zona rural dos pampas e sempre se manteve ligado à principal atividade econômica daquela área, a pecuária.
Estudou em sua terra natal, depois em Ouro Preto, em Minas Gerais. Quando Getúlio estudou em Ouro Preto, seus irmãos se envolveram numa briga que terminou com a morte do estudante paulistano Carlos de Almeida Prado Júnior, em 7 de junho de 1897, acontecimento que precipitou a volta de Getúlio e de seus irmãos para o Rio Grande do Sul.
No retorno, inicialmente tentou a carreira militar, tornando-se, em 1898, soldado na guarnição de seu município natal, com apenas 16 anos de idade. Em 1900, matriculou-se na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, onde não permaneceu por muito tempo, sendo transferido para Porto Alegre, a fim de terminar o serviço militar, onde conheceu os cadetes da Escola Militar Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro, vulto importante das revoluções gaúchas.
Matriculou-se, em 1904, na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual da UFRGS, onde bacharelou-se em direito em 1907. Trabalhou inicialmente como promotor público junto ao fórum de Porto Alegre, mas decidiu retornar à sua cidade natal para exercer a advocacia. A orientação filosófica, como muitos de seu estado e de sua época, era o positivismo e o castilhismo, a doutrina e o estilo político de Júlio Prates de Castilhos, líder da revolução de 1893 e governador do estado do RS.
Casou-se, em São Borja, em 4 de março de 1910, com Darcy Lima Sarmanho, com quem teve cinco filhos: Lutero Vargas, Getulinho, que morreu cedo, Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, (o Maneco) que suicidou-se. O casamento foi um ato de conciliação, pois as famílias dos noivos apoiavam partidos políticos rivais na Revolução Federalista de 1893: a família de Darcy Sarmanho, maragato (do Partido Federalista do Rio Grande do Sul) e a de Getúlio, chimango (do Partido Republicano Rio-grandense).
Foi advogado e político, liderando civilmente, um pouco ao acaso, a revolução de 1930 - era, à época, Presidente da Província (hoje governador de estado) do Rio Grande do Sul -, que acabou com a deposição do 13º e último presidente do que se chamaria depois a República Velha e impediu a posse do Presidente eleito em 1º de março de 1930, Júlio Prestes.
Foi presidente do Brasil em dois períodos totalmente distintos. O primeiro deles, em que governou por 15 anos ininterruptos, de 1930 a 1945, dividiu-se em três fases:

•    De 1930 a 1934, como chefe do “Governo Provisório”;
•    De 1934 a 1937, como presidente da república do “Governo Constitucional”, eleito pela “Assembleia Nacional Constituinte” de 1934;
•    De 1937 a 1945, como ditador do “Estado Novo”, implantado após um golpe de estado, até ser deposto por um contragolpe.

No segundo período, em que foi eleito por voto direto, Getúlio governou o Brasil como presidente da república, por três anos e meio, de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954, quando suicidou-se.
Getúlio era chamado pelos seus simpatizantes de "o pai dos pobres", frase bíblica (livro de Jó - 29:16) e título criado pelo seu Departamento de Imprensa e Propaganda, o famoso DIP, à época do Estado Novo, enfatizando o fato de Getúlio ter criado muitas das leis sociais e trabalhistas brasileiras. A sua doutrina e seu estilo político foram denominados de getulismo ou varguismo e os seus seguidores, até hoje existentes, são denominados getulistas.
Suicidou-se em 1954 com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Getúlio Vargas foi um dos mais controvertidos políticos brasileiros do século XX. Sua influência se estende até hoje e a sua herança política é invocada por pelo menos dois partidos políticos atuais: o Partido Democrático Trabalhista (PDT), do ex-governador Leonel de Moura Brizola, e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado por sua filha, Alzira Vargas, que lutou com Brizola pela sigla PTB.
Getúlio Vargas foi, curiosamente, em minha opinião, inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, em 15 de setembro de 2010, pela lei nº 12.326, durante o governo Lula. Tal livro, também denominado “Livro de Aço”, confere aos homenageados que dele constam, o status de “herói nacional” e se encontra no terceiro pavimento do chamado “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, construído em Brasília, em 7 de setembro de 1986, durante a gestão José Sarney. O monumento foi criado, originalmente, durante a comoção criada com a morte do Presidente eleito Tancredo Neves, primeiro presidente civil, mesmo que de forma indireta, após o regime militar, falecido antes de assumir o cargo.

PRIMEIROS PASSOS DA CARREIRA POLÍTICA DE GETÚLIO

A família Vargas, embora adepta do PRR (republicanos) desde os seus primórdios, rompeu com castilhistas fervorosos de São Borja porque tiveram sua ascensão política ligada à recomposição de forças articulada por Borges de Medeiros, para evitar a cisão de 1906-1907, quando o último pretendeu enfeixar, além do governo estadual, a presidência do PRR.
Nessa época, Getúlio, formando da Faculdade de Direito de Porto Alegre, peregrinava pela zona de colonização ítalo-germânica, em companhia do colega João Neves da Fontoura, reforçando a propaganda governamental favorável a Borges de Medeiros. A campanha, portanto, ofereceu a Getúlio a oportunidade de afirmar a lealdade a Borges de Medeiros assim iniciando a sua carreira política. De fato, foi premiado com uma nomeação para Promotor Público da Capital, função da qual desligou-se alguns meses depois para dedicar-se à campanha para uma vaga na Assembleia dos Representantes do Estado, com indicação recebida do Presidente do PRR, Borges de Medeiros, para integrar a chapa oficial.
Pacificado o Partido, Getúlio foi tranquilamente eleito, em março de 1909 e reeleito em 1913, renunciando ao mandato logo em seguida, em solidariedade ao seu amigo João Neves da Fontoura. Seu pai, Coronel Isidoro Neves da Fontoura, também ascendera ao comando local de Cachoeira do Sul, como o pai de Getúlio, em decorrência da crise no PRR, com o apoio de Borges de Medeiros. Entretanto, disputas em torno de interesses privados e em torno do andamento de processos judiciais haviam enfraquecido o Coronel Isidoro Neves da Fontoura, cujo nome foi preterido em função de um seu desafeto, na composição da chapa republicana oficial para a Assembleia, abrindo dissidência com o chefe do Partido. Insurgindo-se contra a decisão de Borges, o Coronel Isidoro recorreu à fraude, furando a chapa oficial ao distribuir cédulas eleitorais que suprimiam o nome de seu adversário. Como medida disciplinar, Borges de Medeiros obrigou Isidoro Neves, candidato eleito, a renunciar, empossando seu adversário. Daí a renúncia de Getúlio.
Como retaliação à insubordinação de Getúlio Vargas, Borges de Medeiros passou a estimular a disputa pelo poder local em São Borja, entre os Vargas e um grupo liderado por Benjamim Torres e Rafael Escobar. Borges de Medeiros valia-se agora contra os Vargas da mesma estratégia que usara anteriormente para fortalecê-los. A administração do Intendente Viriato Vargas, chegou a estar, em 1913, ameaçada por um inquérito, formado a partir de denúncias da dissidência local, conduzido sob o comando do Procurador-Geral de Justiça, cujo cargo era de livre indicação do Presidente do Estado. A tensão política atingiu o ápice com o assassinato do médico Benjamim Torres, em março de 1915. As suspeitas recaíram sobre Viriato Vargas, a quem um dos capangas, capturado pela polícia, acusou de ser o mandante intelectual do crime. Denunciado pelo Ministério Público, Viriato refugiou-se na Argentina.
Pressionados pelo processo judicial em curso, os Vargas mantiveram-se fiéis ao Governo, durante a nova crise partidária deflagrada entre 1915 e 1916 e, em retribuição, Getúlio foi incluído na lista de candidatos à Assembleia dos Representantes, assumindo novo mandato em 1917. Prestigiado por Borges de Medeiros, Vargas se valeu de sua extraordinária capacidade intelectual e oratória para se converter em liderança informal do Governo numa Assembleia que agora contava com uma renhida minoria, representada em três cadeiras, ainda que o PRR contasse com esmagadora maioria nesse parlamento destituído de atribuições legislativas; havia uma guerra simbólica a ser ganha e o governo precisava reafirmar constantemente a sua legitimidade conceitual. A oposição não perdia oportunidades de denunciar a violação das formas republicanas e o curso de uma ditadura no Rio Grande do Sul, argumentos que sempre podiam sensibilizar o Congresso Nacional ou a Presidência da República, motivando-os a exigir uma reforma de artigos considerados inconstitucionais da Constituição Estadual de 14 de julho de 1891.
Vargas foi especialmente eficaz na justificativa ao recurso do governo estadual de Borges de Medeiros ao crédito, especialmente a partir de 1920, quando até então qualquer forma de endividamento público era criticada pelo discurso castilhista original; da mesma forma, o intervencionismo do estado na economia, até pouco repelido pelo liberalismo positivista que formava a doutrina castilhista, foi defendido por Vargas em Plenário.
Em face desse desempenho, a reeleição de Vargas à Assembleia foi assegurada com facilidade em 1921. Fiel à orientação partidária, Vargas acompanhou Borges de Medeiros na aventura da chamada “Reação Republicana”, entre fins de 1921 e inícios de 1922, quando as máquinas partidárias do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco tentaram derrotar a candidatura de Arthur Bernardes, articulada por Minas Gerais e São Paulo, à Presidência da República. A vitória de Bernardes nas eleições de março de 1922 isolou o borgismo. À situação política desfavorável em nível nacional somou-se uma dramática crise financeira e econômica em nível regional que fora, em grande parte, consequência direta da política intervencionista do Governo Estadual, dando início à terceira grave crise de hegemonia do borgismo.
A crise econômica regional, que atingiu duramente a elite criadora de gado, e o desgaste de Borges de Medeiros no plano nacional, criaram o caldo necessário para o surgimento da candidatura de oposição, encabeçada por Joaquim Francisco de Assis Brasil, republicano histórico, nas eleições ao Governo Estadual de 1922, que culminou com a Revolução Regional de 1923, já assunto de nossas postagens anteriores.
No enfoque que estamos dando, é importante observar que, à época do pleito estadual de 25 de novembro de 1922, ainda não havia Justiça Eleitoral no Brasil e Getúlio Vargas, que devia solidariedade a Borges de Medeiros em função do processo judicial contra o irmão Viriato e se destacara na condição de líder informal do Governo no Parlamento, fora designado Presidente da Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes, órgão responsável pela apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos no pleito. Tal Comissão, ainda constituída pelos Deputados governistas Ariosto Pinto e José Vasconcellos, ambos da confiança direta de Borges de Medeiros, indicou a sua vitória, em meio a rumores de um levante armado contra Borges de Medeiros e denúncias de fraudes de ambos os lados.
Segundo o testemunho de José Antônio Flores da Cunha, constatada a impossibilidade da reeleição do Presidente do Estado, já que não teria atingido a exigência constitucional de ¾ dos votos, a Comissão foi instada por Borges de Medeiros a proceder à alquimia eleitoral, forjando resultados. A tese parece razoável, se verificarmos nos Anais da Assembleia o conjunto de urnas cujos votos foram anulados ou validados pelo trabalho da Comissão.
Durante a campanha de 1922, que culminou com a revolução de 1923, Getúlio Vargas recebeu, por decreto governamental, a patente de tenente-coronel da Brigada e assumiu o comando do Corpo Auxiliar de São Borja, tropa composta de civis recrutados provisoriamente para enfrentar o inimigo rebelado. Não chegou, entretanto, a entrar em batalha, pois foi chamado a concorrer a uma cadeira de deputado federal pelo PRR, na vaga aberta pelo falecimento do deputado federal gaúcho Rafael Cabeda. Eleito, completou o mandato de Rafael Cabeda, tornou-se líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro e foi reeleito deputado federal na legislatura de 1924 a 1926, novamente como líder da bancada gaúcha. Em 1924, apoiou o envio de tropas gaúchas ao estado de São Paulo, em apoio ao governo de Artur Bernardes contra a Revolta Paulista de 1924.
Em 15 de novembro de 1926, convidado pelo recém eleito Presidente Washington Luís, assumiu o Ministério da Fazendo, lá permanecendo até 17 de dezembro de 1927. Tal fato desagradara Borges de Medeiros - como registra correspondência trocada entre o chefe gaúcho e Getúlio Vargas, preservada no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul -, que aceitou a nomeação como fato consumado.
Sendo o único gaúcho a integrar o Ministério Federal, Getúlio converteu-se no candidato natural à sucessão estadual e deixou o Ministério da Fazenda em 17 de dezembro de 1927 para candidatar-se. Sua candidatura, juntamente com a de João Neves da Fontoura na condição de vice, terminou sendo lançada por Borges de Medeiros em agosto de 1927 e foi aprovada por aclamação na convenção partidária de outubro. O nome de Getúlio Vargas, com efeito, contava com excelente aceitação nas hostes partidárias que haviam se fortalecido durante a Revolução de 1923. Por outro lado, a oposição libertadora recebeu favoravelmente a troca do comando político, pois entendia que com o afastamento de Borges de Medeiros estaria aberto o terreno para o entendimento.
Getúlio Vargas e João Neves da Fontoura foram eleitos com o apoio dos partidos Republicano e Libertador e assumiram o Governo do Estado em 25 de janeiro de 1928 para o mandato que iria até 25 de janeiro de 1933, encerrando os longos trinta anos de governo Borges de Medeiros.
Embora procurassem manter sempre respeitosa observância às diretrizes firmadas pela chefia de Borges de Medeiros, sublinharam desde o início sua autonomia política. De fato, Borges não conseguiu impor o secretariado que teria indicado e Getúlio Vargas nomeou o jovem Oswaldo Aranha para a Secretaria do Interior e Justiça, a Pasta política do Governo Estadual, bem como o seu cunhado, Florêncio de Abreu, para a Chefia de Polícia.
Embora mantendo oposição ao governo federal, exigindo o fim da corrupção eleitoral, adoção do voto secreto e do voto feminino, Getúlio manteve bom relacionamento com o presidente Washington Luís, obtendo verbas federais para o Rio Grande do Sul e a autorização para melhoramentos no porto de Pelotas. Criou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul e apoiou a criação da VARIG (Viação Aérea Rio-Grandense). Respeitou também a vitória da oposição gaúcha, através do Partido Libertador, em vários municípios do estado.

Segue a Parte 2.

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