Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sábado, 15 de dezembro de 2012

A GUERRA DA CRIMEIA - INÍCIO DA PRIMEIRA GRANDE GUERRA? (SEGUNDA PARTE)

TENTATIVAS DE PAZ
Contrariando as expectativas russas de que a Áustria a apoiaria, sentindo-se ameaçada pelas forças russas a Áustria apoiou o ultimato da França e Inglaterra e, sem declarar imediata guerra à Rússia, recusou-se a garantir a sua neutralidade. 
Com isso a Rússia retirou suas tropas dos Principados do Danúbio, que foram ocupados pela Áustria até o final da guerra. Considerando a retirada russa como fim da guerra, Grã Bretanha e França, determinadas a resolver a “Questão Oriental” com um fim da ameaça russa ao Império Otomano, propuseram várias condições para uma solução pacífica, que incluíam:
•    Desistência do protetorado da Rússia sobre os Principados do Danúbio;
•    Abandonar qualquer reivindicação que pudesse interferir com as relações otomanas em favor dos Cristãos Ortodoxos;
•    Revisão da “Convenção dos Estreitos de 1841”;
•    Acesso garantido a todas as nações ao Rio Danúbio. 
Quando o Tzar recusou concordar com esses Quatro Pontos, a Guerra da Crimeia recomeçou.

PRINCIPAIS BATALHAS
Várias campanhas foram travadas entre as forças aliadas e a Rússia, das quais já mencionamos, de passagem, a Campanha do Danúbio e o teatro do Mar Negro. 
A Campanha do Danúbio praticamente terminou quando os russos falharam em suas esperanças de que, com a sua participação, os Sérvios e Búlgaros se motivariam para uma rebelião contra a dominação otomana. Não se concretizando essa revolta e com a crescente pressão da Áustria, em junho de 1854 iniciaram a retirada final dos Principados do Danúbio.
Operações no Mar Negro (Black Sea)
Também já mencionamos o início das batalhas no teatro de operações do mar Negro, iniciadas no verão de 1853 com o envio de frotas britânicas e francesas, em apoio aos otomanos, para dissuadir os russos da invasão. Estacionados fora dos Dardanelos, com a ocupação dos Principados do Danúbio pelos russos, elas moveram-se para o Bósforo e em novembro do mesmo ano penetraram no Mar Negro. Em novembro de 1853 a frota russa atacou uma força otomana e a destruiu no Porto de Sinope. Até a formal declaração de guerra em março de 1854, quando uma fragata inglesa foi bombardeada fora do Porto de Odessa, pouco mudou neste cenário. Então, como resposta, a frota britânica bombardeou o porto causando grandes danos à cidade já em território russo. Em junho os aliados transportaram suas forças para Varna, na Bulgária, em apoio às forças otomanas no Danúbio. Em setembro novo transporte de forças aliadas, desta feita para a península da Crimeia. Os russos falharam em sua estratégia de não tomar a iniciativa, com o cerco de Sebastopol, onde se encontrava sediada a maior parte de sua frota. Com isso os russos nada mais puderam fazer do que afundar seus próprios navios após serem desarmados, para que seus canhões pudessem ser utilizados da costa. Durante o cerco, os russos perderam uma quantidade assombrosa de grandes vasos de guerra com armamento considerável, um grande número de navios menores e, durante o resto da campanha, a frota aliada permaneceu com o controle do Mar Negro, garantindo o suprimento às suas várias frentes. Em abril de 1855 já invadiam as duas importantes cidades de Kerch e Taganrog, em pleno mar de Azov; em setembro os aliados já atacavam instalações russas no estuário do Dnieper, invadindo Kinburn.

CAMPANHA DA CRIMEIA
Marcha para Sebastopol
Para os aliados, a maior preocupação da guerra era a cidade de Sebastopol, capital da Crimeia e lar da frota do Tzar no Mar Negro, pela ameaça que representava ao Mediterrâneo. As tropas aliadas, visando o cerco de Sebastopol, desembarcaram em Eupatoria, ao norte, e marcharam sobre o Rio Alma onde travaram a primeira grande batalha contra os russos, continuando sua marcha para o objetivo principal. Um assalto repelido dos russos sobre a base aliada de Balaclava, ao sul de Sebastopol, imortalizou duas unidades do exército britânico. A primeira delas, o “93rd Sutherland Highlanders”, posteriormente conhecido como “The Thin Red Line” (A Tênue Linha Vermelha), notabilizou-se por enfrentar a pé e resistir, como ordenado, a pesado ataque de cavalaria russa muitas vezes mais poderoso. A segunda unidade foi a “Light Cavalry Brigade”, sob o comando do Conde de Cardigan que, enviada por ordem ambígua, a enfrentar de forma suicida uma pesada unidade de artilharia russa, em campo aberto, perdeu no assalto quase 500 dos seus quase 700 homens originais e foi posteriormente cantada no imortal poema de Alfred, Lord Tennyson, “Charge of the Light Brigade”. Os combates prosseguiram em várias frentes, com gradativas perdas para o lado russo e com Sebastopol permanentemente sitiada, até que, ambos os lados totalmente exaustos, nenhuma operação militar adicional ocorreu na Crimeia até a chegada do inverno. Finalmente, como consequência de um ataque maior em setembro de 1855, os russos evacuaram a cidade, após manter os aliados em ataque por quase um ano.
Cerco de Sebastopol, Franz Roubaud

CAMPANHA DO MAR DE AZOV
A campanha do Mar de Azov, já em pleno território Russo, iniciou na Primavera de 1855, com o objetivo de solapar as comunicações e abastecimentos russos à Sebastopol sitiada. Nessa campanha o alvo principal foi o importante porto marítimo de Taganrog, no extremo norte do Mar de Azov. Após a terceira tentativa fracassada de cerco da cidade, a frota aliada abandonou o Golfo de Taganrog em setembro de 1855, ante a impossibilidade de estabelecer operações terrestres; operações militares menores ao longo da costa do Mar de Azov prosseguiram até o final do outono de 1855.

O TEATRO DO CÁUCASO
O Cáucaso é uma região geopolítica muito conturbada, entre os limites da Europa e Ásia e situada entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, lar das Montanhas do Cáucaso, que contêm o Monte Elbrus, a montanha mais alta da Europa.
Área conturbada ocupada por várias diferentes etnias, o Cáucaso já havia sido palco de confrontação para os russos e otomanos visando à extensão de suas influências na região, já disputada por países como Azerbaijão, Georgia, Armênia e Iran. Além disso, outros povos do Império Russo, na região, lutavam há muito tempo por sua independência.
A conturbada região do Cáucaso
Várias batalhas foram travadas na região, desde 1853, principalmente entre forças russas e otomanas. As lutas travadas terminaram indecisas até março de 1856, quando a paz de Paris pôs um fim a operações adicionais.

TEATRO DO BÁLTICO
A grande importância desse cenário de guerra, ofuscado pela popularização de outros palcos da Guerra da Crimeia, era a sua proximidade com São Petersburgo, a capital da Rússia. Os maiores esforços dos aliados foram colocados no bombardeio e tentativa de cerco do porto de Kronstadt e da grande frota russa ali estacionada. A campanha do Báltico tornou-se um beco-sem-saída para os dois lados e as forças aliadas limitaram-se ao bloqueio do comércio russo no Golfo da Finlândia e seções menos fortificadas da costa Finlandesa. A Rússia dependia muito, para a sua economia doméstica e abastecimento de suas forças militares, daquela passagem, com cujo bombardeio teve sua economia muito prejudicada. Uma maciça frota aliada com mais de 350 navios de guerra estava preparada para entrar em ação, mas a guerra terminou antes do lançamento do ataque.
Báltico, Kronstadt junto à São Petersburgo, em vermelho
Importante que se mencione que parte do sucesso da resistência russa foi creditada à nova invenção de minas submarinas explosivas, por Immanuel Nobel, sueco, pai de Alfred Nobel, inventor da dinamite, então residente com sua família em São Petersburgo, onde possuía uma fábrica de explosivos negociados aos russos. Também importante lembrar que nessa época não existia o comunismo na Rússia, o que só ocorreria em fevereiro de 1917, com a Revolução Bolchevista.

TEATRO DO MAR BRANCO
O Mar Branco é um pequeno braço de mar ao sul do Mar Barents, localizado a noroeste da costa russa, limitado pela República da Karelia, a oeste, a península de Kola, ao norte, e a Península de Kanin, a nordeste, sendo considerada como parte das águas internas da Rússia, já alcançado pelo norte da Finlândia, em pleno Oceano Ártico. Nesse cenário, em outubro de 1854, os aliados destruíram totalmente, por bombardeio, a cidade de Kola, ao norte da península, bombardearam também Solovetsky e desistiram em sua tentativa de bombardear Arkhangelsk, em pleno Mar Branco e costa russa propriamente dita.
Mar Branco: portos atacados

TEATRO DO PACÍFICO
Este cenário resumiu-se, praticamente, ao cerco de Petropavlovsk, já entre o Japão e o Alaska, que provou ser, em termos de mortos e feridos, um tremendo prejuízo aos aliados. O cerco iniciou em setembro de 1854 e, em abril de 1855, após a chegada de reforços aliados na região, os russos abandonaram a cidade sob a neve. Outras pequenas cidades no extremo oriente foram também alvo das forças aliadas. 

ENVOLVIMENTO DA SARDENHA
O envolvimento da Sardenha na Guerra da Crimeia foi meramente político. Victor Emmanuel II, o famoso “Unificador da Itália”, então rei da Sardenha, enviou uma força de 18.000 soldados, certo de que essa ajuda teria um importante papel e reconhecimento, por parte da França, na questão da unificação da Itália sob o trono da Sardenha, como de fato ocorreu em 1861. A participação da Sardenha foi, principalmente, notada na Batalha de Chernaya (proximidades de Sebastopol) e no cerco de Sebastopol, propriamente dito.
Teatro do Pacífico: Petropavlovsk

CRÍTICAS E MUDANÇAS
A Guerra da Crimeia tornou-se notória pela demonstrada imaturidade militar e logística de ambos os lados – a parte naval viu uma campanha de sucesso aliado, que eliminou a maior parte dos navios da marinha russa no Mar Negro. Entretanto, ela é considerada uma das primeiras guerras “modernas”, por ter introduzido alterações técnicas que afetaram o curso futuro da arte da guerra, incluindo o primeiro uso tático das estradas de ferro e do telégrafo elétrico. Também, realçou o trabalho das mulheres que serviram como enfermeiras militares, como Florence Nightingale, Mary Seacole e Frances Margaret Taylor, entre outras, que introduziram os modernos métodos de enfermagem.
A Guerra da Crimeia foi também uma das primeiras a ser extensamente documentada por relatórios escritos e fotografias, notadamente por William Russell (para o jornal “The Times”) - que alguns creditam ter preparado a renúncia do governo britânico -, e Roger Fenton, respectivamente. Foi a primeira vez que o público foi mantido informado das realidades do dia-a-dia do campo de batalha.
O sistema de “venda de autoridade”, amplamente usado no exército britânico, foi cuidadosamente posto em observação durante a guerra, especialmente com relação à Batalha de Balaclava, que assistiu à infeliz “Charge of the Light Brigade”, e que teria finalmente conduzido à abolição de tal sistema.
A Guerra da Crimeia foi também um fator contribuinte à abolição da servidão na Rússia, em 1861, pois Alexander II teria visto a derrota militar do exército servo russo por tropas livres da Grã Bretanha e França, como prova da necessidade de emancipação, contribuindo também para o reconhecimento do Governo Russo, de sua inferioridade tecnológica, tanto em práticas como em armas militares.
Durante a guerra, a medicina militar russa assistiu a dramáticos progressos, com o uso de anestésicos, moldes de gesso, métodos aprimorados de amputação e a triagem de feridos em cinco estágios.

FIM DA GUERRA E CONSEQUÊNCIAS
Quando a Inglaterra entrou no conflito, ela pretendia uma guerra limitada, confiando em seu poderio naval, no bloqueio econômico, em seus aliados e na produção industrial para atingir os seus objetivos. Entretanto, com a sua duração, a insatisfação com a guerra crescia entre o público britânico e de outros países, para a qual muito contribuiu o engano da “Charge of the Light Brigade”, na Batalha de Balaclava, quando várias questões foram levantadas no parlamento Britânico sobre a Guerra. Essas questões acabaram por provocar a renúncia do Primeiro Ministro Aberdeen e a formação de um novo Governo Progressista liderado pelo então Secretário das Relações Exteriores, Lord Palmerston, com o radical John Arthur Roebuck tornando-se o Presidente do recém-formado comitê para investigação sobre o envolvimento da Grã Bretanha na Guerra da Crimeia.
Primeiro Ministro Aberdeen
 As negociações de paz começaram em 1856 sob Alexander II, filho e sucessor de Nicholas I, através do “Congresso de Paris”. Com ela, o Tzar e o Sultão concordaram em não estabelecer qualquer arsenal naval ou militar na costa do Mar Negro, com tremenda desvantagem para a Rússia que teve muito diminuído a ameaça naval que impunha aos otomanos. Os protetorados russos da Moldavia e Wallachia, ganhos em guerra anterior, retornaram ao Império Otomano. Finalmente, todas as grandes potências se comprometeram a respeitar a independência e integridade territorial do Império Otomano. Com tudo isso, excluído do Tratado de Viena de 1815, foi novamente trazido ao sistema político Europeu. A Rússia, por sua vez, perdendo a Guerra perdeu o mito do seu poderio, legado de 1812, agora despedaçado.
Lord Palmerston
O Tratado de Paris vigorou até 1871, quando a França foi derrotada pela Prússia na Guerra Franco-Prussiana entre 1870 e 1871. Com o fim dessa guerra, enquanto a Prússia e outros estados germânicos se uniram para formar o poderoso Império Germânico, Napoleão III, do Segundo Império Francês era deposto para dar lugar à formação da Terceira República Francesa. Ainda durante o seu reinado, Napoleão III, ávido do apoio da Grã Bretanha, havia se oposto à Rússia com relação à Questão Oriental, embora a sua interferência no Império Otomano não causasse qualquer ameaça significativa aos interesses da França. Assim, após o estabelecimento da República, a França abandonou a sua oposição à Rússia que, encorajada pela decisão francesa, apoiada pelo ministro germânico Otto Von Bismarck e ferida por sua derrota na Guerra da Crimeia, renunciou às cláusulas do Mar Negro do tratado de 1856. Como a Grã Bretanha, isoladamente, não tinha como fazer cumprir as cláusulas, a Rússia voltou a estabelecer sua esquadra no Mar Negro.
Imperador Alexander II
A intervenção da Sardenha garantiu-lhe o papel central na unificação da Itália. A Guerra da Crimeia lançou as bases para duas novas poderosas nações, Itália e Alemanha, que estariam unidas e protegidas em novos, curtos e limitados conflitos.
Tendo abandonado a sua aliança com a Rússia, a Áustria ficou diplomaticamente isolada ao término da Guerra da Crimeia, o que contribuiu para a sua derrota na Guerra Austro-Prussiana, em 1866, e a sua perda de influência na maioria das terras de língua inglesa. A Grã Bretanha foi incapaz de manter o equilíbrio do novo sistema. A França tornou-se francamente hostil ao Império Germânico aliado à Rússia, e a Rússia competindo com o recém-formado Império Austro-Húngaro por um papel mais importante nos Balkans, às expensas do Império Otomano. Com todos esses fatores, estavam lançadas as bases para a criação de alianças diplomáticas que conduziriam à Primeira Guerra Mundial de 1914 entre as grandes potências europeias, noventa e nove anos após o Congresso de Viena.
Descumprindo as garantias de preservar os territórios otomanos especificados no Tratado de Paris, a Rússia, explorando a inquietação nacionalista dos estados Otomanos, da Bulgária à Arábia e procurando recuperar o prestígio perdido, declarou nova guerra ao Império Otomano em abril de 1874. Nessa última guerra Russo-Turca, os estados da România, Sérvia e Montenegro alcançaram a sua independência e a Bulgária a sua autonomia.
Por tudo isso, a Guerra da Crimeia foi uma das principais causas do término do “Concerto da Europa”, o equilíbrio de poder que dominara a Europa, após o Congresso de Viena, em 1815, e que incluíra França, Rússia e o Império Britânico.

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