III - O MAR DA GALILEIA
‘Passando ao longo do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes no mar, pois eram pescadores. Jesus disse-lhes: "Vinde após mim, eu vos farei pescadores de homens". Eles no mesmo instante, deixaram as redes e seguiram-no (Marcos 1, 16-18)’.
Figura 10 - Área sul do legendário Mar da Galileia ou Lago de Genesaré |
A região da Galileia deu origem ao nome do legendário “Mar da Galileia” (ver Figura 10, acima), adotado por muitas línguas, incluindo o árabe antigo. Entretanto, os judeus mantiveram outros nomes hebreus para o lago, nomeadamente: (1) Kinneret, da palavra “harpa” em hebreu, descrevendo a sua forma; (2) Lago de Genesaré, das palavras hebreias para “vale” e “vigiar”, que pode também ter sido uma referência à cidade de Nazaré; (3) Mar de Tiberíades, numa referência à cidade de Tiberias, situada na sua extremidade sudoeste, assim nomeada em homenagem ao imperador romano Tiberius, do século I D.C.
O Mar da Galileia é um lago, a maior fonte de água doce de Israel, com cerca de 45 metros de profundidade e situado a cerca de 210 m abaixo do nível do mar. Tecnicamente é um lago, embora a palavra hebreia “yam” possa significar tanto um lago de água doce como o próprio mar. As cidades em torno incluem Cafarnaum, Bethsaida, Tiberias e Hippos.
O Mar da Galileia, localizado na região da Galileia, é parte da falha sírio-africana, uma importante linha de falha geológica que corre da Turquia, ao norte, para a África, ao sul. Ele é alimentado pelo rio Jordão, ao norte, que então prossegue ao sul através do lago. Possui aproximadamente 24 km de comprimento e cerca de 13 km de largura, em sua parte mais larga, servindo como uma fronteira natural entre a Galileia Judia, para o oeste, e as áreas não judias (Decápolis, por exemplo) a leste.
A região em torno do lago é caracterizada por água abundante e solo rico, tornando-o um bom local para a agricultura; nesse local, a pesca sempre foi uma indústria importante. As habitações humanas são de milênios atrás e ele pode ter sido um povoamento antigo para hominídeos emigrando da África. A despeito das diferenças de características entre os judeus do oeste e os não-judeus do leste, evidências arqueológicas indicam uma grande continuidade de estilo de vida para todos que habitavam as margens, sem olhar a religião. Devido às altas colinas circundantes, tempestades violentas podem rapidamente se abater, como registradas em partes dos evangelhos. Tal padrão de altas colinas e estreitas praias rompe-se ao canto noroeste onde a fértil planície de Genesaré encontra o lago.
A fértil área de Tabgha, estende-se ao longo da praia noroeste do mar da galileia, uma parte da planície de Genesaré. O nome Tabgha vem da palavra grega Heptapegon, que significa "sete fontes". No passado sete fontes se encontravam neste local e daqui fluíam para o mar da Galileia; hoje apenas cinco ainda existem. De acordo com a tradição alguns dos eventos mais significativos do ministério de Jesus desenrolaram-se nesta área. Esse é o lugar tradicional do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.
"Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e deu-os a seus discípulos, para que os servissem ao povo. E todos comeram e ficaram fartos. Do que sobrou recolheram ainda doze cestos de pedaços" (Lucas 9, 16-17).
Fig. 11-Moderna Igreja da Multiplicação |
A mesa de pedra onde esse milagre aconteceu tem sido o altar de sucessivas igrejas, a mais antiga das quais foi construída no século IV. A atual Igreja da Multiplicação foi construída pelos Beneditinos alemães em 1982 no estilo bizantino (Figura 11, ao lado). O mosaico em frente do altar simboliza os pães e peixes (Figura 12, abaixo) e à sua frente o que seria a “pedra do peixe” (Figura 13, abaixo).
Foi no Mar da Galileia que, logo após realizar o milagre da multiplicação dos pães e peixes, Jesus andou sobre as águas para espanto dos seus discípulos que o atravessavam em sua barca. (Figura 14, mais abaixo)
Fig. 12-O Mosaico dos Pães e Peixes |
"Logo depois, Jesus obrigou seus discípulos a entrar na barca e a passar antes d’Ele para a outra margem, enquanto Ele despedia a multidão. Feito isso, subiu à montanha para orar na solidão. E, chegando a noite, estava lá sozinho. Entretanto, já à boa distância da margem, a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário. Pela quarta vigília da noite, Jesus veio a eles caminhando sobre o mar." Mt 14, 22-25, Marcos 6:47-48 e João 6:19. (Figura 15, mais abaixo)
Em uma montanha próxima, Ele proferiu o Sermão da Montanha. A Figura 16, mais abaixo, mostra a moderna igreja da Bem Aventurança, no local onde provavelmente Jesus teria feito esse sermão.
Figura 13- A "Pedra do Peixe" |
"Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se d’Ele. Então abriu a boca e lhes ensinava dizendo:
Bem aventurados os que tem um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus!
Bem aventurados os que choram porque serão consolados!
Bem aventurados os mansos porque possuirão a terra!
Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados!
Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!
Bem aventurados os corações puros porque verão a Deus!
Figura 14 - Local onde Jesus teria caminhado sobre as águas do Lago |
Bem aventurados os pacíficos porque serão chamados filhos de Deus!
Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus!
Bem aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo mal contra vós por causa de mim." Mateus 5, 1-12.
E, após a sua ressurreição, apareceu a seus discípulos e designou Pedro para o comando da Igreja primitiva.
Figura 15 - Jesus caminhando sobre as águas socorre Pedro |
"Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: ‘Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?’ Respondeu êle: ‘Sim, Senhor, tu sabes que te amo.’ Disse-lhe Jesus: ‘Apascenta os meus cordeiros.’” João 21, 15-16.
Ao longo da praia pode-se ver a igreja da Primazia de São Pedro (Figura 17, mais abaixo). Essa capela marca o lugar provável onde Jesus, depois da ressurreição, teria aparecido novamente aos discípulos no mar de Tiberíades.
No mapa da Figura 18, podemos ver parte do Mar da Galileia e ao longo de sua margem três locais notáveis da vida de Jesus: a Igreja da Multiplicação dos Pães e Peixes, a Igreja da Bem Aventurança e a pequena vila de Cafarnaum, com a Igreja da Primazia de Pedro.
IV - CAFARNAUM: A CIDADE DE JESUS NA GALILEIA
Cafarnaum é o lugar onde Jesus iniciou a sua pregação. Aqui, segundo Lucas 6, 12-1, ele escolheu seus apóstolos:
Fig. 16-A Igreja da Bem Aventurança |
"Naqueles dias, Jesus retirou-se a uma montanha para rezar, e passou aí toda a noite orando a Deus. Ao amanhecer, chamou os seus discípulos e escolheu doze dentre eles, que chamou de Apóstolos: Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro, André, seu irmão, Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Simão, chamado Zelador, Judas, irmão de Tiago, e Judas Iscariotes, aquele que foi o traidor."
No evangelho de Lucas, essa passagem vem logo antes do Sermão da Montanha (Lc 6, 20-49) e depois da pesca milagrosa no lago de Genesaré (Lc 5,1-11), o que caracteriza a escolha dos apóstolos na região.
Fig. 17 - Igreja da Primazia de Pedro |
Em 1838, o explorador Americano Edward Robinson descobriu as ruínas da antiga Cafarnaum (Figura 19, abaixo). Em 1866, o capitão britânico Charles William Wilson identificou o que sobrou da “sinagoga branca” (Figura 20, abaixo) e, em 1894, o frei franciscano Giuseppe Baldi, Custódio da Terra Santa (indicado pela Ordem Franciscana com a aprovação do Papa e da Santa Sé), recuperou uma boa parte das ruínas, dos beduínos, construindo uma cerca e plantando palmeiras e eucaliptos, assim protegendo-as do vandalismo e criando um oásis para os peregrinos. Escavações posteriores, que prosseguem até agora, descobriram outras ruínas igualmente importantes.
Fig. 18-Locais da vida de Jesus às margens do Mar da Galileia |
Cafarnaum (Vila de Nahum, em hebreu) era uma vila de pescadores localizada na praia norte do Mar da Galileia, com uma população aproximada de 1.500 habitantes. A cidade é citada nos Evangelhos de Lucas e João, como próxima do lugar de nascimento dos apóstolos Pedro, André, Tiago, João e Mateus. Num Sábado Jesus ensinava numa sinagoga de Cafarnaum e curou um homem possuído pelo espírito de demônio. Essa narrativa tornou-se notável por ser a única comum entre os Evangelhos sinóticos de Marcos e Lucas, sem estar contido no de Mateus. No mesmo lugar ele curou uma febre na sogra de Pedro e, de acordo com Lucas, foi em Cafarnaum que um centurião romano pediu a Jesus que curasse um servo seu. Cafarnaum é também mencionado no Evangelho de Marcos, como o local da famosa cura do paralítico baixado através do telhado para alcançar Jesus. De acordo com os Evangelhos Sinóticos (Marcos, Lucas e Mateus, por possuírem muito em comum, assim divergindo bastante do de João), Jesus escolheu essa cidade como centro do seu ministério público na Galileia, após deixar o pequeno vilarejo montanhoso de Nazaré.
Figura 19 - Ruínas da antiga Cafarnaum |
Evidências arqueológicas demonstram que a cidade foi estabelecida no século II AC, ao tempo dos Hasmoneanos (dinastia dominante na Judeia entre 140 e 116 AC), tendo sido abandonada no século XI DC. A área do cemitério é encontrada 200 m ao norte da sinagoga, dentro da área habitada da cidade. Ela se estendia 3 km para Tabgha, uma área que parece ter sido usada para agricultura, a julgar pelos vários moinhos de óleo e grão descobertos nas escavações. A pescaria também era fonte de insumo, como mostram as ruínas de outro porto descoberto a oeste do que foi construído pelos Franciscanos.
Fig. 20-Ruínas da "Sinagoga Branca" |
Cafarnaum não se envolveu em nenhuma das revoltas dos Judeus contra os Romanos, nem tampouco foi ocupada por eles, embora haja razões para crer que Josephus, um dos generais judeus e depois historiador da época, tenha sido conduzido para esta cidade após uma queda do seu cavalo na localidade próxima de Bethsaida, da qual resultou ferido.
A disposição da cidade era bem regular. Em ambos os lados de uma rua principal ampla, na direção norte-sul, pequenos distritos cresciam limitados por ruas de pequena secção transversal e ruas laterais sem saída. As muralhas eram construídas com blocos grosseiros de basalto reforçados com pedra e barro, mas as pedras, com exceção das soleiras, não eram adornadas e a argamassa não era utilizada. A parte mais ampla de uma casa típica era o pátio, onde havia um forno feito de terra refratária, moinhos de grãos e um conjunto de escadas de pedra que conduziam ao telhado. Os pisos das casas eram pavimentados com pedras. Em torno do pátio aberto, modestos aposentos eram arranjados, recebendo luz de uma série de aberturas ou pequenas janelas. Em função da grosseira construção das paredes, não havia piso superior numa casa típica e o telhado seria construído com leves traves de madeira e sapé misturado com barro. Tal construção, explicaria a forma como o paralítico foi levado através do telhado, à presença de Cristo, para ser curado.
Um bloco de casas, chamado pelos arqueólogos franciscanos de “ilha sagrada”, tem uma história complexa. Localizada entre a sinagoga e a praia, possui um labirinto de casas de vários períodos diferentes. Três camadas principais foram identificadas:
Fig. 21-A "Ilha Sagrada" de Cafarnaum |
1. Um grupo casas datando do século I AC, usado até o início do século IV DC.
2. A grande alteração de uma das casas no século IV.
3. A igreja octogonal do meio do século V.
Os arqueólogos concluíram que uma casa na vila era venerada como a casa de Pedro, do meio do século I, com duas igrejas construídas (uma sobre a outra) sobre ela. As figuras 21 e 22 (ao lado e abaixo) mostram tais ruínas com a moderna igreja construída sobre elas.
Uma delas, do século V, consiste de um octógono central com oito pilares, um octógono exterior, com as soleiras ainda no local, e uma galeria ou pórtico que conduz ao interior da igreja e ao complexo de construções associadas, ao leste. Essa passagem foi mais tarde bloqueada e um abside, com a pia batismal, foi construído no meio da parede leste. Desta parede subiam duas escadas, de ambos os lados do batistério, e o excesso de água do ritual sairia por esse caminho. Os bizantinos, na construção da nova igreja, colocaram o octógono central diretamente sobre o topo das paredes da casa de São Pedro (Figura 23, abaixo), com o objetivo de preservar sua exata localização, embora nada da casa original fosse mais visível, uma vez que as paredes haviam sido postas abaixo e o chão coberto com mosaicos. No pórtico, o padrão dos mosaicos era apenas geométrico, com quatro linhas de círculos contíguos e pequenas cruzes. Na zona do octógono externo, os mosaicos representavam plantas e animais em um estilo similar ao encontrado na basílica da Alimentação dos Cinco Mil, em Taghba. No octógono central o mosaico era composto por uma faixa de flores calcinadas, um campo de escolas de pesca com pequenas flores e um grande círculo com um pavão no centro.
Fig. 22-Outra vista da "Ilha Sagrada" |
Fig. 23 - Igrejas sobre a Casa de Pedro |
O prédio consiste de quatro partes: a sala das orações, o pátio do oeste, um balaústre sul e um pequeno quarto a noroeste da casa. A sala de orações mede 24,40m por 18,65m, com a face sul virada para Jerusalém. As paredes internas foram cobertas com reboco pintado e fino estuque, encontrados durante as escavações. Os arqueólogos creem que havia um piso superior reservado para as mulheres, com acesso através de uma escadaria externa, não comprovado pelas escavações locais posteriores.
Trabalhos de escavação posteriores foram tentados sob o piso dessa sinagoga, mas as opiniões divergiram quanto às descobertas. A antiga sinagoga tem duas inscrições, uma em grego e outra em aramaico, que lembram os benfeitores que ajudaram em sua construção. Há também entalhes de estrelas de cinco e seis pontas, bem como de palmeiras. Em 1926 o franciscano Orfali iniciou a restauração da sinagoga e, após sua morte, o trabalho prosseguiu sob o comando de Virgilio Corbo, a partir de 1976. Um mosaico descoberto em 1991 mostra uma imagem da Mulher e do Dragão, motivo mencionado no livro bíblico cristão da “Revelação” (de São João). Ele mostra uma mulher pronta a dar à luz uma criança enquanto um dragão aguarda para devorá-la. Até hoje o mosaico não foi mencionado em nenhum artigo. Duas possibilidades parecem prováveis: (a) o mosaico seria um acréscimo cristão em algum momento quando a sinagoga tornou-se uma igreja cristã; (b) o mosaico seria um motivo judeu indicando os perigos rondando algum Messias que pudesse ocorrer naqueles dias perigosos de predominância cristã numa Palestina governada por romanos.
Como ilustração final ao artigo, gostaria de apresentar a Figura 24, que mostra a Terra Santa à época do Novo Testamento, onde podem ser vistos vários pontos abordados nesta apresentação, além de vários locais fundamentais na vida de Jesus Cristo. Nela podem ser vistos:
Fig. 24-Terra Santa-Novo Testamento |
17. Belém: cidade natal de Jesus;
10. Nazaré: cidade onde foram feitas as anunciações a Maria e José. Ao retornar do Egito, aí Jesus passou sua infância e juventude;
12. Betabara: aqui João Batista declarou ser “a voz do que clama no deserto” (João 1:19–28). João batizou Jesus no Rio Jordão;
13. Deserto da Judeia: João Batista pregou nesse deserto, onde Jesus jejuou durante 40 dias e foi tentado;
4. Região da Galileia: onde Jesus passou a maior parte de seu ministério. Também na Galileia, o Cristo ressuscitado apareceu aos Apóstolos;
5. Mar da Galileia, posteriormente chamado de Mar de Tiberíades: Jesus entrou no barco de Pedro para ensinar, convocando Pedro, André, Tiago e João a se tornarem pescadores de homens. Aqui Ele acalmou a tempestade, ensinou parábolas de um barco, andou sobre o mar e apareceu aos discípulos após Sua ressurreição;
7. Cafarnaum: cidade onde ficava a casa de Pedro. Mateus a chamava a “cidade de Jesus” e aqui Ele realizou vários milagres;
6. Betsaida: Pedro, André e Filipe nasceram em Betsaida. Aqui Jesus curou um cego e próximo daqui Ele alimentou os 5.000.
8. Magadã: local onde morava Maria Madalena;
9. Caná: Jesus transformou a água em vinho e curou o filho de um nobre de Cafarnaum.
1. Tiro e Sidom: Jesus comparou Corazim e Betsaida a Tiro e Sidom;
3. Cesareia de Filipe: Pedro testificou que Jesus é o Cristo e foi-lhe prometido que receberia as chaves do reino. Jesus predisse sua própria morte e ressurreição;
16. Betânia: Era o lar de Lázaro, Marta e Maria. Jesus ressuscitou Lázaro e Maria ungiu os pés de Jesus;
11. Jericó: aqui Jesus restituiu a visão a um cego e jantou com Zaqueu “um chefe dos publicanos”;
15. Betfagé: Dois discípulos trouxeram a jumenta com a qual Jesus começou sua entrada triunfal em Jerusalém;
2. Monte da Transfiguração: Jesus foi transfigurado diante de Pedro, Tiago e João e deu-lhes as chaves do reino.
14. Emaús: O Cristo ressurreto caminhou pela estrada para Emaús com dois de seus discípulos.
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