Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: MESOPOTÂMIA (PARTE 05)





IV.7 – SUMÉRIA

Suméria, significando “terra dos reis civilizados” ou “terra nativa”, foi, provavelmente, a mais antiga civilização e uma região histórica do sul da Mesopotâmia, durante a Idade do Cobre e início da Idade do Bronze, propriamente dita. O termo “sumeriano” é o nome dado aos antigos habitantes não semitas da Mesopotâmia, pelos semitas akkadianos. Os sumérios se referiam a si próprios como “pessoas de cabeça negra”. A palavra akkadiana “shumer” pode representar o nome geográfico em dialeto, mas o desenvolvimento fonológico que conduziu ao termo akkadiano “sumeru”, é incerto. Os termos hebreu “shinar”, egípcio “sngr” e hitita “sanhar”, todos se referindo ao sul da Mesopotâmia, poderiam ser variantes de “shumer”.
A área que formou a Suméria iniciava no Golfo Pérsico e alcançava o gargalo ao norte da Mesopotâmia, onde os rios Tigre e Eufrates meandram o mais próximo possível um do outro. Ao leste, assomam as montanhas Zagros, onde cidades-estados espalhadas prosperavam com o comércio e o aprendizado da Suméria; ao oeste estava a vasta extensão do deserto árabe. (Figura 1)
Figura 1: Localização da Suméria
Os rios mudaram seus cursos consideravelmente nos últimos 4.000 anos, afastando-se bastante de algumas das cidades e causando o esgotamento da complexa rede de canais, mas à época, os dois rios tinham desembocaduras separadas no Golfo reduzido (Figura 2). Algumas das cidades mais antigas, tais como Sippar, Borsippa e Kish, no norte, e Ur, Uruk e Eridu, no sul, formavam os pontos finais daquilo que se tornou a tão complexa malha de cidades e canais. Girsu e Nippur eram centros religiosos altamente importantes, mas outras cidades como Larsa, Eshnunna, Babilônia e Isin, realmente não surgiram como tal, até o final da civilização, cerca de 2000 AC. 
Embora as mais antigas formas de escrita não retroajam além de 3500 AC, historiadores modernos têm sugerido que a Suméria se estabeleceu permanentemente, entre 5500 e 4000 AC, através de um povo não semítico, que pode ou não ter falado a língua suméria, dadas as evidências de nomes de cidades, rios, ocupações básicas etc...
Figura 2: Foz dos rios Tigre e Eufrates no Golfo Pérsico
Esses povos pré-históricos são hoje chamados proto-eufrateanos ou ubaidianos (de Ubaid, site arqueológico de antigo povoamento), que se pensa terem evoluído da cultura Samarra, mais ao norte da Mesopotâmia. Os ubaidianos foram a primeira força civilizadora na Suméria, drenando pântanos para agricultura, desenvolvendo o comércio e estabelecendo indústrias de tecelagem, couro, metais, alvenaria e cerâmica. Alguns estudiosos contestam a ideia de uma língua proto-eufrateana ou básica; eles sugerem que a língua sumeriana foi originalmente a dos povos caçadores e pescadores que viviam nos pântanos e na região litoral da Arábia Oriental, parte da cultura árabe central. Registros históricos confiáveis começam muito mais tarde; não há registros antes do rei de Kish, Enmebaragesi (século XXVI AC). Estudiosos acreditam que os sumerianos se estabeleceram ao longo da Arábia oriental, hoje região do Golfo Pérsico, antes de ser inundado ao final da Idade do Gelo; a literatura sumeriana fala sobre a sua terra natal ser Dilmun, na costa oriental da Arábia.
A agricultura irrigada, junto com o reabastecimento da fertilidade do solo e o excesso de alimento armazenado em celeiros templos criados por essa economia, permitiu à população dessa região ascender a níveis nunca antes vistos, muito diferentes dos encontrados em culturas anteriores de plantio e descanso da terra. Por outro lado, essa densidade de população muito maior criou e exigiu uma força de trabalho e uma divisão de trabalho extensiva, com muitas artes e ofícios especializados. Ao mesmo tempo, o uso excessivo dos solos irrigados conduziu à sua progressiva salinização e redução na sua população, com o tempo, conduzindo à sua eclipse pelos akkadianos da Mesopotâmia Central.
A Suméria foi também o local do desenvolvimento da escrita, que evoluiu de um estágio de pré-escrita, pelo meio do quarto milênio AC, à própria escrita no terceiro milênio AC.

IV.7.1 – HISTÓRIA DA SUMÉRIA

A civilização e as cidades-estados da Suméria tomaram forma durante os períodos pré-históricos Ubaid e Uruk, quarto milênio AC, continuando durante os períodos Jemdat Nasr e Antigo Dinástico. A historia escrita da Suméria retroage ao século XXVII AC e ainda antes, mas o registro histórico permanece obscuro até o período Antigo Dinástico III, cerca do século XXIII AC, quando um novo sistema de escrita silábica decifrada foi desenvolvido, permitindo aos arqueólogos ler registros e inscrições contemporâneos. A Suméria clássica termina com a ascensão do Império Akkadiano, cerca de 2270 AC no século XXIII AC, embora a língua sumeriana continuasse a ser uma língua sagrada. Após o período Gutiano (povos bárbaros das montanhas Zagros), o governo nativo sumeriano reemergiu por um século, na Terceira Dinastia de Ur (Renascença Sumeriana), do século XXI ao XX AC, mas a linguagem akkadiana também permaneceu em uso. Essa breve renascença encerrou com as invasões semitas dos Amoritas[1], cuja dinastia de Isin persistiu até cerca de 1.700 AC, quando a Mesopotâmia foi unida sob o governo da Babilônia. Os sumérios acabaram sendo absorvidos pela população akkadiana (assíria-babilônia). Todas essas datas estão mencionadas na cronologia da Mesopotâmia, apresentada bem acima.
Para facilitar a compreensão dos nossos leitores, apresentamos abaixo uma sucinta cronologia do império sumério, antes de descrever, separadamente, cada um dos períodos:

· Período Ubaid: 5300–4100 AC (Cerâmica do Neolítico ao Calcolítico)
· Período Uruk: 4100–2900 AC (Final do Calcolítico ao Início da Idade do Bronze I)
          · Uruk XIV-V: 4100–3300 BCE
          · Período Uruk IV: 3300–3000 BCE
          · Período Jemdet Nasr (Uruk III): 3000–2900 AC
· Início do Período Dinástico (Início da Idade do Bronze II-IV)
          · Período do início do Dinástico I: 2900–2800 AC
          · Período do início do Dinástico II: 2800–2600 AC (Gilgamesh)
          · Período do início do Dinástico IIIa: 2600–2500 AC
          · Período do início do Dinástico IIIb: 2500–2334 AC
· Período do Império Akkadiano: 2334–2218 AC (Sargão)
· Período Gutiano: 2218–2112 AC (Início da Idade do Bronze IV)
· Período Ur III: 2112–2004 AC

1) Período Ubaid

O período Ubaid é marcado por um distintivo estilo de cerâmica pintada de alta qualidade, que se espalhou por toda a Mesopotâmia e o Golfo Pérsico. Durante esse tempo, o primeiro povoamento no sul da Mesopotâmia foi estabelecido em Eridu, costa do Golfo Pérsico, a primeira cidade do mundo, cerca de 5300 AC, por agricultores que trouxeram consigo a cultura Hadji Muhammed, pioneira da agricultura irrigada. Parece que essa cultura foi derivada da cultura Samarran, do norte da Mesopotâmia. Não se sabe se estes foram os sumérios reais identificados com a cultura Uruk posterior. Eridu permaneceu um importante centro religioso, quando foi gradualmente ultrapassado, em tamanho, pela vizinha cidade de Uruk. A história da passagem do “me”[2] à Inanna, deusa de Uruk, por Enki, deus da sabedoria e deus maior de Eridu, pode refletir essa alteração na hegemonia. Essa cultura antiga foi um amálgama de três distintas influências culturais: agricultores incultos vivendo em casas de junco com barro ou tijolos de argila e praticando a agricultura irrigada; pescadores e caçadores vivendo em casas de junco trançado em ilhas flutuantes de pântanos; e pastores nômades de ovelhas e cabras, vivendo em tendas negras.

2) Período Uruk

A transição arqueológica entre os períodos Ubaid e Uruk é marcada por uma gradual alteração da cerâmica pintada produzida domesticamente em uma roda lenta, para uma grande variedade de massa cerâmica sem pintura produzida por especialistas em rodas rápidas.
Ao tempo do período Uruk (4100-2900 AC) o volume de bens comerciais transportados ao longo dos canais e rios do sul da Mesopotâmia, facilitou o surgimento de cidades enormes, estratificadas e centradas em templos (com populações acima de 10.000 pessoas), onde administrações centralizadas empregavam trabalhadores especializados. É quase certo que foi durante o período Uruk que as cidades da Suméria começaram a fazer uso do trabalho escravo capturado das montanhas e há ampla evidência desses escravos em textos anteriores. Artefatos e mesmo colônias da civilização Uruk foram encontrados em uma ampla que vai das Montanhas Taurus, na Turquia, ao Mar Mediterrâneo no oeste e até o Irã Central.
A civilização do período Uruk, exportada pelos comerciantes e colonizadores sumérios, teve efeito sobre todos os povos da redondeza, que gradualmente derivaram as suas próprias economias e culturas competitivas. As cidades da Suméria não podiam manter colônias a longa distância por força militar.
As cidades sumérias do período Uruk eram, provavelmente, teocráticas e muito possivelmente chefiadas por um rei-sacerdote (ensi) assistido por um conselho de anciãos, incluindo homens e mulheres. É muito possível que o panteão do final do sumério fosse modelado sobre essa estrutura política. Havia pequena evidência de violência institucionalizada ou soldados profissionais durante este período e as cidades não eram, em geral, muradas. Durante este período, Uruk tornou-se a mais urbanizada cidade do mundo, ultrapassando, pela primeira vez, os 50.000 habitantes.
A antiga lista dos reis sumérios inclui as primeiras dinastias de várias cidades proeminentes deste período. O primeiro conjunto de nomes na lista é de reis ditos terem reinado antes que uma enchente importante ocorresse. Esses nomes primitivos podem ser ficção e incluem algumas figuras legendárias e mitológicas, tais como Alulim e Dumizid.
O fim do período Uruk coincidiu com a Oscilação Piora (um abrupto período seco e frio na história do clima, de 3200 a 2900 AC) que marcou o fim de um longo período climático mais úmido e quente, 9.000 a 5.000 anos atrás, chamado Holoceno climático ótimo.

3) Antigo Período Dinástico

O período Dinástico inicia cerca de 2900 AC e inclui figuras lendárias como Enmerkar e Gilgamesh, que supõe-se tenham reinado imediatamente antes do início do registro histórico cerca de 2.700 AC, quando a escrita silábica decifrada iniciava o seu desenvolvimento a partir dos antigos pictogramas. O centro de cultura sumeriano permaneceu ao sul da Mesopotâmia ainda que governantes logo tenham começado a se expandir para áreas vizinhas e grupos semitas vizinhos tenham adotado muito da sua cultura por vontade própria.
O mais antigo rei dinástico da lista de reis sumerianos, cujo nome é conhecido de qualquer outra fonte lendária é Etana, 13º rei da primeira Dinastia de Kish (século XXVI AC), cujo nome também é mencionado no “Épico de Gilgamesh” – o que conduz à sugestão de que o próprio Gilgamesh tenha sido um histórico rei de Uruk, que teria vivido entre 2800 e 2500 AC, sendo o seu principal personagem. Como o “Épico de Gilgamesh” mostra, este período foi associado a uma violência crescente. Cidades foram muradas e a violência cresceu de forma que cidades desprotegidas no sul da Mesopotâmia despareceram. A construção das muralhas de Uruk, por exemplo, é creditada a Gilgamesh.
A dinastia de Lagash (2500 a 2270 AC), embora omitida da lista dos reis, é bem atestada por vários documentos importantes e muitos achados arqueológicos. Ainda que com pouca duração, um dos primeiros impérios conhecidos da história, foi o de Eannatum de Lagash, que anexou praticamente toda a Suméria, incluindo Kish, Uruk, Ur e Larsa, além de reduzir a tributo, a cidade-estado de Umma, sua arquirrival. Além disso, esse reino estendeu-se a partes de Elam e ao longo do Golfo Pérsico. Parece ter usado o terror como assunto de política – sua Estela dos Abutres mostra o violento tratamento dado aos inimigos. Mais tarde, Lugal-Zage-Si, o sacerdote-rei de Umma, sobrepujou a primazia da dinastia Lagash na área, conquistando Uruk que transformou em sua capital e realizando um império que se estendia do Golfo Pérsico ao Mediterrâneo. Ele foi o último rei sumeriano étnico antes da chegada do rei semita Sargão de Akkad.

4) Império Akkadiano (2334 – 2147 AC)

A linguagem semita akkadiana é atestada, inicialmente, pelos nomes próprios dos reis de Kish (cerca de 2800 AC), preservados nas listas dos reis posteriores. Há textos escritos inteiramente em akkadiano antigo, datando de 2500 AC. O uso do akkadiano antigo teve o seu pico durante o governo de Sargão, o Grande (2334–2279 AC), mas, desde então, a maioria dos tabletes administrativos continuou a ser escrita em sumério, a linguagem usada pelos escribas. Gelb e Westenholz diferenciam três estágios do antigo akkadiano: o da era pré-Sargônica, o do Império Akkadiano e o da Renascença Nova Sumeriana que o seguiu. O akkadiano e o sumeriano coexistiram como línguas vernáculas por mil anos, mas em torno de 1800 AC, o sumeriano tornava-se uma língua literária familiar principalmente para estudiosos e escribas. Thorkild Jacobsen ponderou ter havido uma pequena interrupção na continuidade histórica entre os períodos pré e pós Sargão e que muita ênfase foi colocada na percepção de um conflito “semita contra sumério”. Contudo, é certo que o akkadiano foi brevemente imposto em partes vizinhas do Elam, previamente conquistadas por Sargão.

5) Período Gutiano (2147–2114 AC) – 2ª Dinastia Lagash (2157–2110 AC)

Após a queda do Império Akkadiano para os gutianos, outro governador nativo da Suméria, Gudea de Lagash, ascendeu à superioridade local e prosseguiu nas práticas de pretensão divina dos reis sargônidas. Como na dinastia Lagash anterior, Gudea e seus descendentes também promoveram o desenvolvimento artístico, legando um grande número de artefatos arqueológicos.

6) Renascimento Sumeriano (2111–2004 AC)

A 3ª Dinastia de Ur, sob Ur-Nammu e Shlgi, cujo poder estendeu-se até o norte da Mesopotâmia, foi a última grande “Renascença Sumeriana”, embora a região já se estivesse tornando mais semita do que suméria, com a ascensão ao poder dos semitas falando akkadiano e o influxo de ondas dos semitas Martu (Amoritas) que encontraram vários poderes locais competindo, incluindo Isin, Larsa e Babilônia. A última acabou por dominar o sul da Mesopotâmia como o Império Babilônico, da mesma forma como o Império Assírio fez no norte. A língua sumeriana continuou como língua sacerdotal ensinada nas escolas na Babilônia e Assíria.

7) Declínio

Esse período coincide com um importante deslocamento da população do sul para o norte da Mesopotâmia. Ecologicamente, a produtividade agrícola das terras sumérias se comprometia como resultado do aumento da salinidade, há tempos reconhecida como um importante problema. Solos irrigados pobremente drenados, em clima árido com altos índices de evaporação, conduz ao armazenamento de sais dissolvidos no solo, acabando por reduzir severamente a produção agrícola. Durante as fases Akkadiana e Ur III, houve uma mudança do cultivo do trigo para a cevada, mais tolerante ao sal, mas foi insuficiente para evitar o declínio de 3/5 da população, de 2100 a 1700 AC. Tal fato enfraqueceu o balanço de poder dentro da região, diminuindo as áreas em que se falava o sumério e reforçando as áreas onde o akkadiano era preponderante. Doravante, o sumério permaneceria somente uma língua literária e litúrgica.
Após uma invasão e saque elamita, durante o domínio de Ibbi-Sin (cerca de 1940 AC), a Suméria caiu sob o domínio Amorita (considerado como a introdução à Média Idade do Bronze). Os estados independentes amoritas dos séculos XX a XVIII são sumarizados como “Dinastia de Isin” na lista dos reis da Suméria, terminando com a ascensão da Babilônia sob Hammurabi, cerca de 1750 AC. 

[1] Os amoritas foram um antigo povo de língua semita da antiga Síria, que também ocupou uma grande parte do sul da Mesopotâmia, do século XXI ao final do século XVII AC, onde estabeleceu várias cidades-estados proeminentes, notadamente Babilônia, promovida de uma pequena cidade administrativa a um estado independente e cidade principal. O termo amurru, em textos sumérios e akkadianos, refere-se a eles e à sua principal deidade.
[2] Na mitologia suméria, um “me” é um dos decretos dos fundamentos dos deuses, para aquelas intituições sociais, práticas religiosas, tecnologias, procedimentos, costumes e condições humanas que fazem a civilização possível, tal como os sumérios entendiam. Eles são fundamentais ao entendimento sumério das relações entre a humanidade e os deuses.

Continua na Parte 6

Nenhum comentário: