Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 28 de dezembro de 2014

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: MESOPOTÂMIA (PARTE 06)

IV.7.2 – POPULAÇÃO E CULTURA DA SUMÉRIA

Uruk, uma das maiores cidades da Suméria, pode ter tido uma população máxima entre 50 e 80 mil habitantes; consideradas as outras cidades da Suméria e a grande população agrícola, uma estimativa grosseira para a população da Suméria pode ter sido 0,8 a 1,5 milhões de habitantes, quando a população mundial da época foi estimada em 27 milhões.
No início do Período Sumeriano (Uruk), os pictogramas primitivos sugerem que a cerâmica era abundante e as formas dos vasos, vasilhas e pratos, múltiplas; havia tigelas especiais para mel, manteiga, óleo e vinho. Alguns dos vasos possuíam pés afilados e permaneciam em suportes com as pernas cruzadas; outros eram de fundo plano e colocados em molduras de madeira quadradas ou retangulares. As jarras de óleo – e provavelmente também outras – eram seladas com argila, exatamente como no Egito antigo. Vasos e pratos de pedra eram feitos imitando argila e cestos eram tecidos de junco ou feitos de couro.
Camas, bancos e cadeira eram usados, com pernas entalhadas imitando pernas de boi. Havia lareiras e altares com fogo, tudo indicando que já usassem chaminé. Na cabeça usavam enfeites com penas.
Facas, trados, cunhas e um instrumento similar à serra também eram conhecidos, enquanto lanças, arcos, flechas e adagas (mas não espadas) eram empregadas na guerra. Tabletes eram usados para a escrita e cobre, ouro e prata eram trabalhados pelo ferreiro. Adagas com lâminas de metal e cabos de madeira eram usadas e o cobre era martelado em lâminas, ao passo que colares eram feitos de ouro. O tempo era calculado por meses lunares.
Há considerável evidência de que os sumerianos amavam a música, que parece ter sido uma importante parte da vida religiosa e civil na Suméria. As liras eram populares na Suméria e entre os mais conhecidos exemplos estavam as liras de Ur.
Inscrições descrevendo as reformas do rei Urukagina de Lagash (cerca de 2300 AC) dizem que ele aboliu o costume antigo da poliandria (opondo-se à poligamia, o casamento de uma mulher com vários homens) nesse país, prescrevendo que a mulher que tivesse múltiplos maridos fosse apedrejada com as pedras nas quais o crime tivesse sido registrado. Embora as mulheres fossem protegidas pela lei sumeriana mais nova e pudessem alcançar um status mais elevado na Suméria que em outras civilizações contemporâneas, a cultura masculina dominava. O código de Ur-Nammu, a mais antiga codificação já descoberta, datando do “Renascimento Sumeriano” Ur-III, revela um vislumbre da estrutura social na lei sumeriana mais tardia. Abaixo do rei, todos os membros da sociedade pertenciam a um de dois substratos: o “lu” ou pessoa livre e o escravo, homem ou mulher. O filho de um “lu” era chamado de “dumu-nita” até que casasse. Uma mulher (munus) passava de filha (dumu-mi) para esposa (dam); tornando-se uma viúva (numasu) poderia casar novamente.
As descobertas arqueológicas mais importantes na Suméria, foram numerosos tabletes escritos em cuneiforme. A escrita sumeriana é o mais antigo exemplo de escrita sobre a Terra. Embora figuras (hieróglifos) tivesse sido usadas no início, símbolos passaram a representar sílabas. Bambus afilados em forma triangular ou cunha eram usados para escrever em argila úmida. Centenas de milhares de textos na língua sumeriana sobreviveram, como cartas pessoais ou de negócios, receitas, listas de vocabulários, leis, hinos, orações, histórias, diários e até mesmo bibliotecas repletas de tabletes de argila. Inscrições monumentais e textos sobre diferentes objetos como estátuas ou tijolos são também muito comuns. Muitos textos sobrevivem em múltiplas cópias porque foram repetidamente transcritos por escribas em treinamento. O sumeriano continuou sendo a língua da religião e da lei na Mesopotâmia muito tempo depois que os falantes semitas se tornaram dominantes.
A língua sumeriana é geralmente vista como uma língua isolada em linguística porque ela não pertence a uma família de linguagem; o akkadiano, pelo contrário, pertence ao ramo semita das línguas afro-asiáticas. Há muitas tentativas que falharam para conectar o sumeriano a outros grupos de linguagem. Entender textos sumérios pode ser difícil hoje, mesmo para peritos, principalmente para os textos mais antigos que, em muitos casos, não dão a estrutura gramatical completa da língua.
Durante o terceiro milênio AC, desenvolveu-se uma simbiose cultural íntima entre os usuários das linguagens suméria e akkadiana, que incluiu um difundido bilinguismo. A influência do sumério sobre o acádio (e vice-versa) foi evidente em todas as áreas, do empréstimo léxico em escala maciça, à convergência sintática, morfológica e fonológica, preparando os estudiosos a referir-se ao sumeriano e akkadiano, do terceiro milênio, como uma área linguística. O akkadiano gradualmente substituiu o sumeriano, como língua falada da Mesopotâmia, em torno do terceiro e segundo milênio AC (a data exata é matéria de debate), embora esta continuasse como língua sagrada, cerimonial, literária e científica, na Mesopotâmia, até o século I DC

IV.7.3 - RELIGIÃO DA SUMÉRIA

Na madrugada da história registrada, Nippur, na Mesopotâmia Central, substituiu Eridu, ao sul, como a principal cidade-templo, cujos sacerdotes também conferiram o status de hegemonia política nas outras cidades-estados. Nipur manteve seu status por todo o primeiro período sumeriano, até que Sargão de Akkad a transferiu para a Babilônia.
Os sumérios acreditavam num politeísmo antropomórfico (muitos deuses em forma humana). Não havia um conjunto comum de deuses, cada cidade tendo seus próprios padroeiros, templos e reis-sacerdotes, sem que fossem exclusivos, isto é, podendo ser reconhecidos por outras cidades. Os sumérios estão entre os primeiros povos a registrar suas crenças por escrito e foram inspiração importante na mitologia, religião e astrologia da Mesopotâmia mais tardia. Entre os deuses adorados pelo sumérios, podemos citar: An, o deus em tempo integral, equivalente a Céu, e sua consorte Ki (que significa Terra); Enki, no templo de Eridu, deus da beneficência, governador das águas profundas sob a terra, curandeiro e amigo da humanidade, responsável pela cessão das artes e ciências aos humanos, as indústrias e a própria civilização, além de ter criado o primeiro livro de leis; Enlil, deus da terra-fantasma, em Nippur, teria dado à humanidade os encantos e feitiços aos quais os espíritos do bem ou mal devem obedecer; Inanna, a deificação de Vênus, a estrela da manhã (no oriente) e do entardecer (no ocidente), no templo de Uruk, compartilhado com An; o deus-sol Utu, em Larsa, no sul e Sippar, no norte; Sin, o deus da lua, em Ur. Essas deidades formavam o panteão central, cercados de centenas de deuses menores. Os deuses sumérios podiam ter associações com diferentes cidades e sua importância religiosa muitas vezes crescia ou diminuía com o poder político dessas cidades. Dizia-se que os deuses haviam criado os humanos, de argila, para servi-los. Os templos organizavam os projetos de força de trabalho para projetos de agricultura irrigada, para os quais os cidadãos tinham um dever, embora pudessem evita-lo em troca de um pagamento em prata.
Os sumérios acreditavam que o Universo consistia de um disco plano encoberto por uma cúpula. O pós vida sumeriano envolvia uma descida em um sombrio mundo inferior para passar a eternidade numa existência infeliz como um Gidim (fantasma).
O Universo era dividido em quatro quartos: (1) ao norte estavam os Subartu, moradores das colinas que, periodicamente, saíam em busca de escravos, madeira e materiais naturais; (2) a oeste ficavam os Martu, habitantes das tendas, povo semita que viviam como pastores nômades apascentando rebanhos de ovelhas e cabras; (3) ao sul ficava a terra dos Dilmun, um estado de comércio associado com a terra dos mortos e o local da criação; (4) a leste ficavam os Elamitas, um povo rival com o qual os sumérios estavam frequentemente em guerra.
Seu mundo conhecido estendia-se do Mar Superior ou linha da costa do Mediterrâneo, ao Mar Inferior, o Golfo Pérsico e a terra de Meluhha (provavelmente o Vale do Indo) e Magan (Oman), famoso por seus minérios de cobre.
Cada ziggurat (templo sumério) tinha um nome individual e consistia de um átrio com um tanque central para purificação. O próprio templo possuía uma nave central com corredores de ambos os lados. Flanqueando os corredores, havia quartos para os sacerdotes. Em uma extremidade ficava o pódio e uma mesa de tijolos de argila para sacrifícios vegetais e animais. Silos e armazéns ficavam, em geral, situados perto dos templos. Após um tempo os sumérios começaram a colocar os templos no topo de construções quadradas de múltiplos andares, como uma série de terraços, originando o estilo Ziggurat.
Acreditava-se que quando as pessoas morriam, eram confinadas no sombrio mundo de Ereshkigal, cujo reino era guardado por portões com vários monstros criados para impedir a entrada ou saída das pessoas. Os mortos eram enterrados fora das muralhas da cidade em cemitérios onde um montículo cobria o corpo, com oferendas aos monstros e uma pequena quantidade de comida. Sacrifícios humanos foram encontrados nas covas no cemitério real de Ur, onde a rainha Puabi estava acompanhada na morte por suas servas. Diz-se também que os sumérios inventaram o primeiro instrumento semelhante ao oboé e os usavam nos funerais reais.

IV.7.4 – AGRICULTURA

Os sumérios adotaram o modo de vida agrícola ente 5000 e 4500 AC. A região mostrou uma grande quantidade de técnicas agrícolas que incluíam a irrigação organizada, intenso cultivo da terra em larga escala, monocultura envolvendo o uso de arado e o uso de uma força de trabalho agrícola especializada sob controle burocrático. 
No início do Período Uruk Sumeriano, os pictogramas primitivos sugerem que ovelhas, cabras, bois e porcos eram domesticados. Usavam bois como animais de carga primários e burros ou cavalos como animais de transporte; roupas “de lã”, bem como tapetes eram feitos de lã ou crina dos animais.
Nas laterais das casas havia jardins fechados com árvores e plantas diversas; trigo e outros cereais eram semeados nos campos e o shaduf (ferramenta para irrigação, constituída por vaso e haste longa) já era empregado para fins de irrigação. Além disso, plantas eram também cultivadas em vasos.
Os sumérios praticavam técnicas de irrigação similares às dos egípcios, cujos desenvolvimentos eram associados à urbanização, já que cerca de 90% da população vivia em área urbana.
Cultivavam cevada, grão de bico, lentilhas, trigo, ameixas, cebolas, alho, alface, alho-porró e mostarda. Pescavam diversos tipos de peixes e caçavam aves e gazelas. A agricultura suméria dependia fortemente da irrigação, que era realizada com o uso do shaduf, canais, valas, diques, vertedores e reservatórios. As frequentes cheias violentas do Tigre e as menos frequentes do Eufrates exigiam permanente manutenção e observação dos canais e do sistema em geral. Para isso, o governo podia exigir pessoas para trabalhar como “voluntários” sem pagamento, embora os ricos pudessem ser isentos. Como descoberto pelo “Almanaque Sumeriano do Fazendeiro[1]”, após a época das cheias, equinócio de primavera e o festival de Ano Novo, com o uso dos canais os fazendeiros deveriam inundar seus campos e então drená-las. A seguir, eles deixavam os bois pisarem o solo e matar as ervas daninhas, arrancando-as então com picaretas. Depois de secas, elas eram aradas, limpas, revolvidas três vezes e então pulverizadas com enxadas antes de semear. Infelizmente, a alta taxa de evaporação resultava em um gradual aumento na salinidade dos campos e, pelo período Ur III, os fazendeiros já haviam mudado sua principal cultura do trigo para a cevada, mais tolerante ao sal. As colheitas eram realizadas na primavera, com equipes de três pessoas: o segador, o amarrador e o guardador dos feixes.

IV.7.5 - ARQUITETURA

As planícies dos rios Tigre e Eufrates se ressentiam de minerais e árvores. As estruturas dos sumérios eram feitas de tijolos de barro sem cimento ou argamassa, que acabavam se deteriorando, sendo por isso, periodicamente destruídos, nivelados e reconstruídos no mesmo local. Essa constante reconstrução gradualmente elevava o nível das cidades que ficavam então acima da planície circundante. As colinas circundantes, conhecidas como tells, são encontradas por todo o antigo Oriente Médio.
Como a pedra era escassa, o tijolo de barro era o material ordinário de construção e com ele cidades, fortes, templos e casas eram construídos. As cidades contavam com torres sobre plataformas artificiais; as casas também tinham aparência de torres e eram providas de uma porta que girava sobre uma dobradiça e podia ser aberta com uma espécie de chave. O portão da cidade era em escala maior e dupla. As pedras de fundação – muitas vezes tijolos – de uma casa eram consagradas por certos objetos que eram depositados sobre elas.
Os mais impressionantes e famosos edifícios sumérios eram os figuras, grandes plataformas em camadas que suportavam templos. Os selos cilíndricos sumérios também representam casas construídas com juncos, como as construídas pelos árabes dos pântanos do sul do Iraque até 400 DC. Os sumérios também desenvolveram o arco, que lhes permitiu desenvolver um forte tipo de cúpula, construindo e ligando vários arcos. Os templos e palácios sumérios usaram materiais e técnicas mais avançadas, como contrafortes, nichos, meias-colunas e cones de barro.

IV.7.6 - MATEMÁTICA

Os sumérios desenvolveram um complexo sistema de medição cerca de 4000 AC, que avançou, resultando na criação da aritmética, geometria e álgebra. De 2600 AC em diante, os sumérios escreveram tábuas de multiplicação em tabletes de argila e trabalharam com exercícios geométricos e problemas de divisão. O período entre 2700 e 2300 AC viu o surgimento do ábaco[2] e uma tábua de colunas sucessivas que delimitavam as ordens sucessivas de magnitude do seu sistema numeral sexagesimal. Os sumérios foram os primeiros a usar um sistema numérico com valor posicional. Há também evidência histórica de que os sumérios possam ter usado um tipo de régua de cálculo em cálculos astronômicos. Eles foram também os primeiros a determinar a área de um triângulo e o volume de um cubo.

IV.7.7 – ECONOMIA, COMÉRCIO E GUERRA

Descobertas de obsidiana[3] de locais muito afastados na Anatólia, lápis-lazúli[4] do Badakshan, no nordeste do Afeganistão, pérolas do Dilmun (atual Bahrain) e muitos selos inscritos com escrita do Vale do Indo, sugerem uma malha muito ampla de comércio antigo, centrado em torno do Golfo Pérsico.
O “Épico de Gilgamesh” faz referência ao comércio, com terras distantes, de bens como madeira, escassa na Mesopotâmia. Em particular, cedro do Líbano era muito apreciado. A descoberta de resina na tumba da rainha Puabi, em Ur, indica que ela era negociada de tão longe quanto Moçambique.
Os sumérios usavam escravos, embora não fossem uma parte importante da economia. Escravas mulheres trabalhavam como tecelãs, passadeiras, moleiras e carregadoras.
Oleiros sumérios decoravam potes com tinta de óleo de cedro. Os oleiros usavam uma furadeira de arco para produzir o fogo necessário ao cozimento da cerâmica. Pedreiros e joalheiros conheciam e faziam uso do alabastro (calcita), marfim, ferro, ouro, prata, cornalina (variedade vermelha da calcedônia) e lápis-lazúli.
As guerras quase constantes entre as cidades-estados da Suméria, por quase dois mil anos, elevou o desenvolvimento da tecnologia e técnicas militares do império a altos níveis. A primeira guerra registrada com algum detalhe, entre Lagash e Umma, cerca de 2525 AC, foi através da já mencionada “Estela dos Abutres”. Ela mostra o rei de Lagash conduzindo um exército sumério consistindo principalmente de infantaria, que carrega lanças, veste elmos de cobre e escudos de couro ou vime. Os lanceiros aparecem segundo uma formação em falange, que requer treinamento e disciplina, indicando que os sumérios podem ter feito uso de soldados profissionais. Os militares sumérios usavam também carros com arreios para burros, que funcionavam menos efetivamente em combate do que os usados depois e alguns estudiosos sugerem que tenham servido, principalmente, como transporte, embora a tropa carregasse machados de batalha e lanças. O carro sumeriano compreendia um dispositivo de duas ou quatro rodas manejado por uma tripulação de dois e com arreios para quatro burros. O carro era composto por um cesto tramado e as rodas tinham um sólido esquema de três peças.
As cidades sumérias eram circundadas por muralhas defensivas. Os sumérios se empenhavam em combates de cerco entre suas cidades, mas as muralhas de tijolos de lama eram capazes de deter alguns inimigos.

[1] Este teria sido o primeiro almanaque do fazendeiro de que se tem registro, datando de 1700 a 1500 AC e descoberto em 1949, por uma expedição americana ao Iraque, financiada pelo Instituto Oriental da Universidade de Chicago e pelo Museu Universitário da Universidade da Pensilvânia.
[2] O ábaco é uma ferramenta de cálculo usada antes da adoção do moderno sistema numeral escrito, ainda amplamente em uso por mercadores, comerciantes, e balconistas na Ásia, África e outros lugares. Hoje os ábacos são feitos numa estrutura de bamboo com contas que deslizam em fios, mas originalmente eram feitos de feijões ou pedras que se moviam em sulcos em areia ou em tabletes de madeira, pedra ou metal.
[3] Vidro vulcânico que ocorre naturalmente como resultado de rocha ígnea extrusiva (lava de vulcões), em geral escura, pobre de água e de aspecto vítreo.
[4] Também chamado de lazurita, é um mineral de cor azul ultramar, composto de silicato de alumínio e sódio e sulfato de sódio(três do primeiro para um do segundo), usada como pedra ornamental.

PROSSEGUE NA PARTE 7

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