Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: MESOPOTÂMIA (PARTE 07)

IV.8 - IMPÉRIO ACADIANO

O Império Acadiano foi outro antigo império semita da Mesopotâmia, surgido na cidade de Acádia e seus arredores, que uniu todos os Acadianos indígenas falando o semita e o sumério. O Império Acadiano acabou por controlar a Mesopotâmia, o Levante e partes do Irã. Durante o terceiro milênio AC desenvolveu-se uma simbiose cultural muito íntima entre os sumérios e os Acadianos semitas, que incluiu um difundido bilinguismo.
O Império Acadiano em seu auge, podendo-se ver a capital,
Acádia (Akkad), sem localização precisa, e a importante Kish 
O império Acadiano (figura ao lado) alcançou seu pico político entre os séculos XXIV e XXII AC, após a conquista por seu fundador Sargão de Acádia (2334 a 2279 AC) e durante o qual e seus descendentes, a língua Acadiana foi brevemente imposta aos estados vizinhos, como por exemplo, o Elam. Com o fim do Império Acadiano, seu povo da Mesopotâmia acabou se unindo em duas nações principais falando o Acadiano: Assíria ao norte e, alguns séculos mais tarde, a Babilônia ao sul.
O sítio arqueológico exato da cidade-estado de Acádia ainda nunca foi encontrado. A forma Agade aparece em sumério, por exemplo, na Lista dos Reis da Suméria; a forma posterior assírio-babilônio Acadiau (de ou pertencente a Acádia) provavelmente derivou desta. Séculos mais tarde, o rei babilônio Nabonidus mencionou em seus registros arqueológicos que a adoração de Ishtar em Agade foi mais tarde ultrapassado pela da deusa Anunit, cujo templo era em Sippar, sugerindo proximidade entre essas duas cidades. Embora as numerosas buscas, a cidade nunca foi encontrada. Uma teoria sustenta que Agade situava-se em frente a Sippar na margem esquerda do Eufrates e fosse talvez a parte mais velha de Sippar. Uma outra teoria diz que as ruínas de Acádia deveriam ser encontradas sob a moderna Bagdá. Reputadamente, ela teria sido destruída pelos invasores gutianos com a queda do império Acadiano.

IV.8.1 - HISTÓRIA DO IMPÉRIO ACADIANO

Usuários da língua Acadiana já estavam presentes na Mesopotâmia ao alvorecer do período histórico e logo alcançaram precedência, com a primeira Dinastia de Kish, em numerosas localidades ao norte as Suméria, onde governantes com nomes Acadianos já se tinham estabelecido pelo terceiro milênio AC. O rei Sargão foi muitas vezes sido citado como o primeiro governante do império combinado da Acádia e Suméria, embora dados descobertos mais recentemente sugiram expansões sumérias sob reis anteriores.
Sargão de Acádia, que significa “legítimo rei”, e que ele talvez tenha ganho junto com o poder, derrotou e capturou Lugal-Zage-Si, da Suméria, na Batalha de Uruk, conquistando seu império. Os primeiros registros em língua Acadiana datam do tempo de Sargão, tido como filho de La’ibum ou Itti-Bel, uma humilde jardineira e, possivelmente, uma hierodoulos[1] ou sacerdotisa de Ishtar ou Inanna. Alegações posteriores, em favor de Sargão, dizem que sua mãe era uma alta sacerdotisa, o que pode ter sido uma forma da garantir-lhe uma descendência nobre, já que somente uma família nobre poderia alcançar tal posição. Originalmente um copeiro de Ur-Zababa, rei de Kish, Sargão tornou-se um jardineiro, responsável pela tarefa de limpeza de canais de irrigação, o que lhe deu acesso a um disciplinado corpo de trabalhadores, que podem ter servido como seus primeiros soldados. Depondo Ur-Zababa, Sargão foi coroado rei e iniciou uma carreira de conquista estrangeira. Invadiu a Síria e Canaã quatro vezes e passou três anos tenazmente subjugando os países do “ocidente” para uni-los com a Mesopotâmia num só império. Contudo, Sargão ampliou tal proposta, conquistando muitas das regiões circundantes, para criar um império que alcançou, para o oeste, o Mar Mediterrâneo e talvez Chipre; ao norte, foi até as montanhas (um texto hitita posterior afirma que ele lutou contra o rei Hattiano Nurdagal de Burushanda, em plena Anatólia; na direção leste, até Elam; e para o sul, até Magan (Oman) – uma região sobre a qual reinou, supostamente, por 56 anos. Consolidou seu domínio em seus territórios, substituindo os governantes anteriores por nobres cidadãos de Acádia, sua cidade natal, assim garantindo a sua lealdade.
O comércio se estendeu, das minas de prata da Anatólia, às minas de lápis-lazúli no Afeganistão, os cedros do Líbano e o cobre de Magan. Essa consolidação das cidades-estados da Suméria e Acádia, refletiu o crescente poder econômico e político da Mesopotâmia. A “cesta alimentar” do império era o sistema agrícola do norte da Mesopotâmia (Assíria), alimentado por chuva, e uma cadeia de fortificações foi construída para controlar a produção de trigo imperial.
Imagens de Sargão foram erigidas nas praias do Mediterrâneo como testemunho de suas vitórias e cidades e palácios foram construídos na Mesopotâmia com os espólios das terras conquistadas. A região de Elam e o norte da Mesopotâmia foram também subjugadas e rebeliões na Suméria foram debeladas. Tabletes de contratos foram encontrados, datando dos anos das campanhas contra Canaã e contra Sarlak, rei de Gutium. Alguns dos textos historiográficos mais antigos sugerem que ele reconstruiu a cidade da Babilônia em seu novo local, próximo de Acádia.
Ao longo de sua longa vida, Sargão mostrou especial respeito para com as deidades sumérias, particularmente Inanna (Ishtar), sua protetora, e Zababa, o deus guerreiro de Kish. Chamava-se “o sacerdote ungido de Anu[2] e o grande ensi de Enlil”; sua filha, Enheduanna foi feita sacerdotisa de Nanna no templo de Ur.
Os problemas se multiplicaram ao final do seu reinado e mesmo depois de velho esmagou a oposição. As dificuldades recrudesceram no reinado de seus filhos. Revoltas eclodiram durante o reinado de nove anos (2278-2270 AC) de Rimush, que lutou muito para reter o império até que foi assassinado por alguns de seus cortesãos. Manishtushu, seu irmão mais velho, sucedeu-o e reinou por 15 anos (2269-2255 AC). Este último rei parece ter lutado uma batalha naval contra uma coligação de 32 reis e, tendo vencido, adquiriu o controle das terras que hoje constituem os Emirados Árabes Unidos e Oman. A despeito do seu sucesso, como seu irmão, foi assassinado numa conspiração palaciana.
A partir daí, os reis se sucederam, com o enfraquecimento do império e muitas revoltas, como costuma acontecer, após atingir um período, maior ou menor, de prosperidade e calma. O Império Acadiano ruiu em 2154 AC após 180 anos da sua fundação, a partir da invasão dos Gutianos, anunciando um período negro de declínio regional que durou até a ascensão da Terceira Dinastia de Ur, em 2112 AC. Ainda durante o período Gutiano, o rei Ur-Nammu, da Suméria, removeu os gutianos da Mesopotâmia.
No período entre 2112 e 2004 AC, conhecido como Período Ur III, os documentos começaram novamente a ser escritos em sumério, embora essa língua estivesse se tornando uma língua puramente literária ou litúrgica.

IV.8.2 – GOVERNO NA ACÁDIA

O governo Acadiano formou um padrão clássico com o qual todos os futuros estados mesopotâmicos se compararam. Tradicionalmente, o ensi era o mais alto funcionário das cidades-estados na Suméria; nas tradições posteriores, alguém tornava-se um ensi casando-se com a deusa Inanna, assim legitimando o governo por consentimento divino. Inicialmente, o monárquico lugal era subordinado ao sacerdotal ensi, e era indicado em épocas de problemas; ao final dos tempos dinásticos, era o lugal que havia emergido como o papel superior, tendo o seu próprio palácio, independente do estabelecimento do templo. À época de Mesalim (rei da cidade-estado de Kish em 2500 AC), qualquer dinastia que controlasse a cidade de Kish era reconhecida como rei de Kish e considerada como superior na Suméria, possivelmente porque localizada onde os dois rios se aproximavam, assim tendo o controle dos sistemas de irrigação das outras cidades de jusante.
À medida que Sargão estendia suas conquistas do Golfo Pérsico ao Mar Mediterrâneo, sentia-se que ele governava a “totalidade das terras sob o céu” ou “do nascente ao poente”, como punham os textos contemporâneos. Sob Sargão, os ensis geralmente retinham suas posições, mas eram mais vistos como governadores provinciais. O título “rei de Kish” era reconhecido como “Senhor do Universo”.
Com Naram-Sin, neto de Sargão, o caso foi mais longe, com o rei não apenas sendo chamado “Senhor dos Quatro Quartos (da Terra)”, mas também elevado à categoria de deus, com seu próprio templo. Antigamente um governante poderia tornar-se divino após a morte, mas os reis Acadianos, de Naram-Sin para a frente, eram considerados deuses na terra durante suas vidas. Seus retratos os mostravam em tamanhos maiores que meros mortais e a alguma distância de seus servidores.
Uma estratégia adotada por Sargão e Naram-Sin para manter o controle do país, foi instalar suas filhas Enheduanna e Emmenanna, respectivamente, como altas sacerdotisas de Sin, a versão acadiana da deidade lunar suméria, Nanna, em Ur, instalar filhos como governadores provinciais em localidades estratégicas, e casar suas filhas com governadores de partes periféricas ao império.

IV.8.3 – ECONOMIA

A população de Acádia, como quase todos os estados pré-modernos, era inteiramente dependente dos sistemas agrícolas da região, que parecem ter tido dois centros principais: as terras agricultáveis do sul do Iraque que, tradicionalmente produziam 30 grãos por cada grão plantado e a agricultura regada pela chuva, do norte do Iraque, conhecido por “País Superior”. O sul do Iraque, durante o período Acadiano, parece ter-se aproximado de seu nível moderno de precipitação, de menos de 20 mm por ano, com agricultura totalmente dependente de irrigação. Antes do Acadiano, a progressiva salinização dos solos, produzida por irrigação pobremente drenada, vinha reduzindo a produção de trigo na região sul, conduzindo à mudança para o cultivo da cevada, mais tolerante ao sal. As populações urbanas haviam alcançado um pico em 2600 AC e as pressões ecológicas eram grandes, contribuindo ao militarismo manifesto imediatamente antes do período Acadiano (como visto na “Estela dos Abutres”). As guerras entre as cidades-estados haviam conduzido a um declínio da população que permitiu a Acádia um repouso temporário. Foi este alto grau de produtividade agrícola no sul, que permitiu o crescimento das mais altas densidades populacionais no mundo daquele tempo, dando a Acádia sua vantagem militar. O lençol freático nessa região era muito alto e se reabastecia regularmente com as chuvas de inverno nas nascentes do Tigre e Eufrates, de outubro a março e com o degelo de março a julho. Os níveis de cheia que haviam ficado estáveis de 3000 a 2600 AC, começaram a cair e pelo período Acadiano estavam meio metro abaixo do que o registrado anteriormente. Ainda assim, a região plana e as incertezas climáticas faziam as cheias muito imprevisíveis; enchentes sérias pareciam ter ocorrência regular, exigindo manutenção permanente das valas de irrigação e sistemas de drenagem. Os agricultores eram recrutados em regimentos para este trabalho, de agosto a outubro – um período de carência de alimentos – sob o controle das autoridades do templo da cidade, que atuava como uma forma de diminuição do desemprego.
A colheita acontecia ao final da primavera e durante os meses secos do verão. Os nômades amoritas do noroeste levavam seus rebanhos de ovelhas e cabras para pastar no que restava e beber do rio e canais de irrigação. Por este privilégio eles pagavam uma taxa em lã, carne, leite e queijo para os templos, que poderiam distribuir esses produtos à burocracia e ao clero. Em anos bons, tudo funcionava bem, mas em maus anos havia carência de pastagens, os nômades buscavam pastagens para seus rebanhos nos campos de grãos e ocorriam conflitos com os agricultores. Nessas ocasiões parece ter havido ajuda às populações do sul pelo Império, pela importação de trigo das regiões do norte, com a recuperação econômica e o crescimento da população nessas regiões.
Como resultado, a Suméria e a Acádia tiveram um excedente de produtos agrícolas, mas carência de tudo o mais, particularmente minério de metais, madeira e pedra de construção, que tinham que ser importadas. A expansão do estado Acadiano em direção à “montanha de prata” (possivelmente as Montanhas Taurus), aos cedros do Líbano e aos depósitos de cobre de Magan, deve ter sido motivada com o objetivo de assegurar o controle sobre essas importações.

IV.8.4 – CULTURA

Durante o terceiro milênio AC, como já foi comentado anteriormente, desenvolveu-se uma simbiose cultural muito íntima entre sumérios e acadianos, que incluiu um difundido bilinguismo, com uma evidente influência recíproca entre ambos. Gradualmente, o acadiano substituiu o sumério como língua falada, em torno da virada do terceiro para o segundo milênio AC, com o sumério permanecendo como a língua sagrada, cerimonial, literária e científica na Mesopotâmia, até o século I DC.
O "disco de Enheduanna" , calcita, com 25 cm de diâmetro. Atrás
do sacerdote à esquerda, Enheduanna, de longas tranças e chapéu
A literatura suméria prosseguiu em rico desenvolvimento durante o período Acadiano. Notável exemplo foi Enheduanna, esposa de Nanna e filha de Sargão, do templo de Sin em Ur, que viveu cerca de 2285 a 2250 AC, a primeira poetisa da história conhecida pelo nome. Seus trabalhos conhecidos incluem hinos à deusa Inanna, Exaltação a Inanna e In-nin-sa-gur-ra. Um terceiro trabalho, Hinos do Templo, uma coleção de hinos específicos, dedicado aos templos sagrados, seus ocupantes e à deidade à qual eram consagrados. Os trabalhas desta poetisa são significativos; iniciando com a terceira pessoa e alternando para a primeira pessoa na voz da poetisa, marcam um significativo desenvolvimento no uso do cuneiforme. Como poetisa, princesa e sacerdotisa, foi uma personalidade que estabeleceu padrões para os três papéis, por séculos vindouros.
Um tablete do período diz: “Até então ninguém havia feito uma estátua de chumbo, mas Rimush, rei de Kish, tinha uma estátua sua feita de chumbo. Ela ficava em frente a Enlil e recitava suas virtudes aos deuses”. A estátua Bassetki, de cobre, fundida pelo método da “cera perdida”[3], atesta o alto nível de habilidade que os artesãos atingiram durante o período Acadiano.
O império era todo ligado por estradas, ao longos das quais havia um regular serviço de correio. Selos de argila, que tomaram o lugar de selos, levavam os nomes de Sargão e seu filho. Uma sondagem cadastral também parece ter sido instituída e um dos elementos relacionadas a ela, estabelece que um certo Uru-Malik, cujo nome parece indicar origem canaanita, foi governador da terra dos amoritas, povo seminômade da Síria e Canaã. É provável que a primeira coleção de observações astronômicas e augúrios terrestres tenha sido feita por uma biblioteca estabelecida por Sargão. Os primeiros “nomes de anos”, pelo qual cada ano do reinado de um rei era chamado, após um evento significativo realizado por aquele rei, datam do reinado de Sargão. Listas desses “nomes de anos” tornaram-se doravante um sistema de calendário usado na maioria das cidades-estados da Mesopotâmia.



[1] A palavra grega hierodoulos tem sido usada muitas vezes com o significado de “prostituta sagrada”, mas é mais provável que se refira a uma ex-escrava liberta para ser “dedicada” a um deus. A prostituição sagrada/religiosa/de templo, é um ritual sexual realizado no contexto de adoração religiosa, talvez como uma forma de ritual de fertilidade ou casamento divino.

[2]Anu era o deus do céu e a primeira figura da tríade que incluía Enlil (deus do ar) e Enki (deus da água) passando, por isso, a ser considerado como o pai e o primeiro, rei dos deuses.

[3] A fundição de “cera perdida” é o processo pelo qual uma escultura de metal é duplicada a partir da escultura original, através de um processo mais ou menos padronizado Variações no processo incluem: “perda do molde”, quando outros materiais além da cera podem ser utilizados, como sebo e resina; e “processo com perda de cera”, quando o molde é destruído para remover o item fundido.

Prossegue com a PARTE 8

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