IV.8 - IMPÉRIO ACADIANO
O Império Acadiano foi outro antigo império semita da Mesopotâmia,
surgido na cidade de Acádia e seus arredores, que uniu todos os Acadianos
indígenas falando o semita e o sumério. O Império Acadiano acabou por controlar
a Mesopotâmia, o Levante e partes do Irã. Durante o terceiro milênio AC
desenvolveu-se uma simbiose cultural muito íntima entre os sumérios e os Acadianos
semitas, que incluiu um difundido bilinguismo.
O Império Acadiano em seu auge, podendo-se ver a capital, Acádia (Akkad), sem localização precisa, e a importante Kish |
O império Acadiano (figura ao lado) alcançou seu pico político entre os
séculos XXIV e XXII AC, após a conquista por seu fundador Sargão de Acádia
(2334 a 2279 AC) e durante o qual e seus descendentes, a língua Acadiana
foi brevemente imposta aos estados vizinhos, como por exemplo, o Elam. Com o
fim do Império Acadiano, seu povo da Mesopotâmia acabou se unindo em duas
nações principais falando o Acadiano: Assíria ao norte e, alguns séculos mais
tarde, a Babilônia ao sul.
O sítio arqueológico exato da cidade-estado de Acádia ainda
nunca foi encontrado. A forma Agade
aparece em sumério, por exemplo, na Lista dos Reis da Suméria; a forma
posterior assírio-babilônio Acadiau (de ou pertencente a Acádia) provavelmente
derivou desta. Séculos mais tarde, o rei babilônio Nabonidus mencionou em
seus registros arqueológicos que a adoração de Ishtar em Agade foi mais tarde
ultrapassado pela da deusa Anunit, cujo templo era em Sippar, sugerindo
proximidade entre essas duas cidades. Embora as numerosas buscas, a cidade
nunca foi encontrada. Uma teoria sustenta que Agade situava-se em frente a
Sippar na margem esquerda do Eufrates e fosse talvez a parte mais velha de
Sippar. Uma outra teoria diz que as ruínas de Acádia deveriam ser encontradas
sob a moderna Bagdá. Reputadamente, ela teria sido destruída pelos invasores
gutianos com a queda do império Acadiano.
IV.8.1 - HISTÓRIA
DO IMPÉRIO ACADIANO
Usuários da língua Acadiana já estavam presentes na
Mesopotâmia ao alvorecer do período histórico e logo alcançaram precedência, com
a primeira Dinastia de Kish, em numerosas localidades ao norte as
Suméria, onde governantes com nomes Acadianos já se tinham estabelecido pelo
terceiro milênio AC. O rei Sargão foi muitas vezes sido citado como o
primeiro governante do império combinado da Acádia e Suméria, embora dados
descobertos mais recentemente sugiram expansões sumérias sob reis anteriores.
Sargão de Acádia, que significa “legítimo rei”, e que ele
talvez tenha ganho junto com o poder, derrotou e capturou Lugal-Zage-Si, da
Suméria, na Batalha de Uruk, conquistando seu império. Os primeiros registros
em língua Acadiana datam do tempo de Sargão, tido como filho de La’ibum ou
Itti-Bel, uma humilde jardineira e, possivelmente, uma hierodoulos[1]
ou sacerdotisa de Ishtar ou Inanna. Alegações posteriores, em favor de Sargão,
dizem que sua mãe era uma alta sacerdotisa, o que pode ter sido uma forma da garantir-lhe
uma descendência nobre, já que somente uma família nobre poderia alcançar tal
posição. Originalmente um copeiro de Ur-Zababa, rei de Kish, Sargão
tornou-se um jardineiro, responsável pela tarefa de limpeza de canais de
irrigação, o que lhe deu acesso a um disciplinado corpo de trabalhadores, que
podem ter servido como seus primeiros soldados. Depondo Ur-Zababa, Sargão foi
coroado rei e iniciou uma carreira de conquista estrangeira. Invadiu a Síria e
Canaã quatro vezes e passou três anos tenazmente subjugando os países do
“ocidente” para uni-los com a Mesopotâmia num só império. Contudo, Sargão
ampliou tal proposta, conquistando muitas das regiões circundantes, para criar
um império que alcançou, para o oeste, o Mar Mediterrâneo e talvez Chipre; ao
norte, foi até as montanhas (um texto hitita posterior afirma que ele lutou
contra o rei Hattiano Nurdagal de Burushanda, em plena Anatólia; na direção
leste, até Elam; e para o sul, até Magan (Oman) – uma região sobre a qual
reinou, supostamente, por 56 anos. Consolidou seu domínio em seus territórios,
substituindo os governantes anteriores por nobres cidadãos de Acádia, sua
cidade natal, assim garantindo a sua lealdade.
O
comércio se estendeu, das minas de prata da Anatólia, às minas de
lápis-lazúli no Afeganistão, os cedros do Líbano e o cobre de Magan. Essa
consolidação das cidades-estados da Suméria e Acádia, refletiu o crescente
poder econômico e político da Mesopotâmia. A “cesta alimentar” do império era o
sistema agrícola do norte da Mesopotâmia (Assíria), alimentado por chuva, e uma
cadeia de fortificações foi construída para controlar a produção de trigo
imperial.
Imagens de Sargão foram erigidas nas praias do Mediterrâneo
como testemunho de suas vitórias e cidades e palácios foram construídos na
Mesopotâmia com os espólios das terras conquistadas. A região de Elam e o norte
da Mesopotâmia foram também subjugadas e rebeliões na Suméria foram debeladas.
Tabletes de contratos foram encontrados, datando dos anos das campanhas contra
Canaã e contra Sarlak, rei de Gutium. Alguns dos textos historiográficos mais
antigos sugerem que ele reconstruiu a cidade da Babilônia em seu novo local,
próximo de Acádia.
Ao longo de sua longa vida, Sargão mostrou especial
respeito para com as deidades sumérias, particularmente Inanna (Ishtar), sua
protetora, e Zababa, o deus guerreiro de Kish. Chamava-se “o sacerdote ungido
de Anu[2]
e o grande ensi de Enlil”; sua filha,
Enheduanna foi feita sacerdotisa de Nanna no templo de Ur.
Os problemas se multiplicaram ao final do seu reinado e
mesmo depois de velho esmagou a oposição. As dificuldades recrudesceram no
reinado de seus filhos. Revoltas eclodiram durante o reinado de nove anos
(2278-2270 AC) de Rimush, que lutou muito para reter o império até que foi
assassinado por alguns de seus cortesãos. Manishtushu, seu irmão mais velho,
sucedeu-o e reinou por 15 anos (2269-2255 AC). Este último rei parece ter
lutado uma batalha naval contra uma coligação de 32 reis e, tendo vencido,
adquiriu o controle das terras que hoje constituem os Emirados Árabes Unidos e
Oman. A despeito do seu sucesso, como seu irmão, foi assassinado numa
conspiração palaciana.
A partir daí, os reis se sucederam, com o enfraquecimento
do império e muitas revoltas, como costuma acontecer, após atingir um período,
maior ou menor, de prosperidade e calma. O Império Acadiano ruiu em 2154 AC
após 180 anos da sua fundação, a partir da invasão dos Gutianos, anunciando um
período negro de declínio regional que durou até a ascensão da Terceira
Dinastia de Ur, em 2112 AC. Ainda durante o período Gutiano, o rei Ur-Nammu, da
Suméria, removeu os gutianos da Mesopotâmia.
No período entre 2112 e 2004 AC, conhecido como Período Ur
III, os documentos começaram novamente a ser escritos em sumério, embora essa
língua estivesse se tornando uma língua puramente literária ou litúrgica.
IV.8.2 – GOVERNO
NA ACÁDIA
O governo Acadiano formou um padrão clássico com o qual
todos os futuros estados mesopotâmicos se compararam. Tradicionalmente, o ensi era o mais alto funcionário das
cidades-estados na Suméria; nas tradições posteriores, alguém tornava-se um
ensi casando-se com a deusa Inanna, assim legitimando o governo por
consentimento divino. Inicialmente, o monárquico lugal era subordinado ao sacerdotal ensi, e era indicado em épocas de problemas; ao final dos tempos
dinásticos, era o lugal que havia
emergido como o papel superior, tendo o seu próprio palácio, independente do
estabelecimento do templo. À época de Mesalim (rei da cidade-estado de Kish em
2500 AC), qualquer dinastia que controlasse a cidade de Kish era reconhecida
como rei de Kish e considerada como superior na Suméria, possivelmente porque
localizada onde os dois rios se aproximavam, assim tendo o controle dos
sistemas de irrigação das outras cidades de jusante.
À medida que Sargão estendia suas conquistas do Golfo
Pérsico ao Mar Mediterrâneo, sentia-se que ele governava a “totalidade das
terras sob o céu” ou “do nascente ao poente”, como punham os textos
contemporâneos. Sob Sargão, os ensis
geralmente retinham suas posições, mas eram mais vistos como governadores
provinciais. O título “rei de Kish” era reconhecido como “Senhor do Universo”.
Com Naram-Sin, neto de Sargão, o caso foi mais longe, com o
rei não apenas sendo chamado “Senhor dos Quatro Quartos (da Terra)”, mas também
elevado à categoria de deus, com seu próprio templo. Antigamente um governante
poderia tornar-se divino após a morte, mas os reis Acadianos, de Naram-Sin para
a frente, eram considerados deuses na terra durante suas vidas. Seus retratos
os mostravam em tamanhos maiores que meros mortais e a alguma distância de seus
servidores.
Uma estratégia adotada por Sargão e Naram-Sin para manter o
controle do país, foi instalar suas filhas Enheduanna e Emmenanna,
respectivamente, como altas sacerdotisas de Sin,
a versão acadiana da deidade lunar suméria, Nanna, em Ur, instalar filhos
como governadores provinciais em localidades estratégicas, e casar suas filhas
com governadores de partes periféricas ao império.
IV.8.3 – ECONOMIA
A população de Acádia, como quase todos os estados
pré-modernos, era inteiramente dependente dos sistemas agrícolas da região, que
parecem ter tido dois centros principais: as terras agricultáveis do sul do
Iraque que, tradicionalmente produziam 30 grãos por cada grão plantado e a
agricultura regada pela chuva, do norte do Iraque, conhecido por “País
Superior”. O sul do Iraque, durante o período Acadiano, parece ter-se aproximado de seu nível moderno de precipitação, de menos de 20 mm por ano, com agricultura
totalmente dependente de irrigação. Antes do Acadiano, a progressiva
salinização dos solos, produzida por irrigação pobremente drenada, vinha
reduzindo a produção de trigo na região sul, conduzindo à mudança para o
cultivo da cevada, mais tolerante ao sal. As populações urbanas haviam alcançado
um pico em 2600 AC e as pressões ecológicas eram grandes, contribuindo ao
militarismo manifesto imediatamente antes do período Acadiano (como visto na
“Estela dos Abutres”). As guerras entre as cidades-estados haviam
conduzido a um declínio da população que permitiu a Acádia um repouso
temporário. Foi este alto grau de produtividade agrícola no sul, que
permitiu o crescimento das mais altas densidades populacionais no mundo daquele
tempo, dando a Acádia sua vantagem militar. O lençol freático nessa região era
muito alto e se reabastecia regularmente com as chuvas de inverno nas nascentes
do Tigre e Eufrates, de outubro a março e com o degelo de março a julho. Os
níveis de cheia que haviam ficado estáveis de 3000 a 2600 AC, começaram a cair
e pelo período Acadiano estavam meio metro abaixo do que o registrado anteriormente.
Ainda assim, a região plana e as incertezas climáticas faziam as cheias muito imprevisíveis; enchentes sérias pareciam ter ocorrência
regular, exigindo manutenção permanente das valas de irrigação e sistemas de
drenagem. Os agricultores eram recrutados em regimentos para este trabalho, de
agosto a outubro – um período de carência de alimentos – sob o controle das autoridades
do templo da cidade, que atuava como uma forma de diminuição do desemprego.
A
colheita acontecia ao final da primavera e durante os meses secos do verão. Os
nômades amoritas do noroeste levavam seus rebanhos de ovelhas e cabras para
pastar no que restava e beber do rio e canais de irrigação. Por este privilégio
eles pagavam uma taxa em lã, carne, leite e queijo para os templos, que
poderiam distribuir esses produtos à burocracia e ao clero. Em anos bons, tudo
funcionava bem, mas em maus anos havia carência de pastagens, os nômades
buscavam pastagens para seus rebanhos nos campos de grãos e ocorriam
conflitos com os agricultores. Nessas ocasiões parece ter havido ajuda às
populações do sul pelo Império, pela importação de trigo das regiões do norte,
com a recuperação econômica e o crescimento da população nessas regiões.
Como
resultado, a Suméria e a Acádia tiveram um excedente de produtos agrícolas, mas
carência de tudo o mais, particularmente minério de metais, madeira e pedra de
construção, que tinham que ser importadas. A expansão do estado Acadiano em
direção à “montanha de prata” (possivelmente as Montanhas Taurus), aos cedros
do Líbano e aos depósitos de cobre de Magan, deve ter sido motivada com o
objetivo de assegurar o controle sobre essas importações.
IV.8.4 – CULTURA
Durante
o terceiro milênio AC, como já foi comentado anteriormente, desenvolveu-se uma
simbiose cultural muito íntima entre sumérios e acadianos, que incluiu um
difundido bilinguismo, com uma evidente influência recíproca entre ambos.
Gradualmente, o acadiano substituiu o sumério como língua falada, em torno da
virada do terceiro para o segundo milênio AC, com o sumério permanecendo como a
língua sagrada, cerimonial, literária e científica na Mesopotâmia, até o século
I DC.
O "disco de Enheduanna" , calcita, com 25 cm de diâmetro. Atrás do sacerdote à esquerda, Enheduanna, de longas tranças e chapéu |
A
literatura suméria prosseguiu em rico desenvolvimento durante o período Acadiano.
Notável exemplo foi Enheduanna, esposa de Nanna e filha de Sargão, do templo de
Sin em Ur, que viveu cerca de 2285 a 2250 AC, a primeira poetisa da história
conhecida pelo nome. Seus trabalhos conhecidos incluem hinos à deusa Inanna, Exaltação a Inanna e In-nin-sa-gur-ra. Um terceiro trabalho, Hinos do Templo, uma coleção de hinos
específicos, dedicado aos templos sagrados, seus ocupantes e à deidade à qual
eram consagrados. Os trabalhas desta poetisa são significativos; iniciando com
a terceira pessoa e alternando para a primeira pessoa na voz da poetisa, marcam
um significativo desenvolvimento no uso do cuneiforme. Como poetisa, princesa e
sacerdotisa, foi uma personalidade que estabeleceu padrões para os três papéis,
por séculos vindouros.
Um
tablete do período diz: “Até então ninguém havia feito uma estátua de chumbo,
mas Rimush, rei de Kish, tinha uma estátua sua feita de chumbo. Ela ficava em
frente a Enlil e recitava suas virtudes aos deuses”. A estátua Bassetki, de cobre, fundida pelo método da “cera perdida”[3],
atesta o alto nível de habilidade que os artesãos atingiram durante o período Acadiano.
O império era todo ligado por estradas, ao longos das quais havia um
regular serviço de correio. Selos de argila, que tomaram o lugar de selos, levavam os nomes de Sargão e seu filho. Uma sondagem cadastral também parece
ter sido instituída e um dos elementos relacionadas a ela, estabelece que um
certo Uru-Malik, cujo nome parece indicar origem canaanita, foi governador da
terra dos amoritas, povo seminômade da Síria e Canaã. É provável que a primeira
coleção de observações astronômicas e augúrios terrestres tenha sido feita por uma biblioteca estabelecida por Sargão. Os primeiros “nomes de anos”, pelo
qual cada ano do reinado de um rei era chamado, após um evento significativo
realizado por aquele rei, datam do reinado de Sargão. Listas desses “nomes de
anos” tornaram-se doravante um sistema de calendário usado na maioria das
cidades-estados da Mesopotâmia.
[1] A palavra grega hierodoulos tem sido usada muitas vezes com o significado de “prostituta sagrada”, mas é mais provável que se refira a uma ex-escrava liberta para ser “dedicada” a um deus. A prostituição sagrada/religiosa/de templo, é um ritual sexual realizado no contexto de adoração religiosa, talvez como uma forma de ritual de fertilidade ou casamento divino.
[2]Anu era o deus do céu e a primeira figura da tríade que incluía Enlil (deus do ar) e Enki (deus da água) passando, por isso, a ser considerado como o pai e o primeiro, rei dos deuses.
[3] A fundição de “cera perdida” é o processo pelo qual uma escultura de metal é duplicada a partir da escultura original, através de um processo mais ou menos padronizado Variações no processo incluem: “perda do molde”, quando outros materiais além da cera podem ser utilizados, como sebo e resina; e “processo com perda de cera”, quando o molde é destruído para remover o item fundido.
Prossegue com a PARTE 8
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