IV.9 - IMPÉRIO ASSÍRIO
Assíria, em verde, cerca 1450 AC, com a capital Assur |
A Assíria foi um importante reino semita da Mesopotâmia e
por muito tempo um império do antigo Oriente Médio, que existiu como estado
independente por um período de aproximadamente 19 séculos, de 2500 AC a 605 AC.
A partir daí, por mais 13 séculos, até meados do século VII
DC, sobreviveu governado por potências estrangeiras, embora alguns pequenos
estados novo-assírios tenham surgido por todo este período. Centrado no curso
superior do rio Tigre, norte da Mesopotâmia, os assírios governaram poderosos
impérios, o último dos quais tornou-se o maior e mais poderoso império que o
mundo já tinha visto. No seu pico, o império assírio se estendeu de Chipre, no
Mediterrâneo, à Pérsia (atual Irã) e das montanhas do Cáucaso (atuais Armênia, Geórgia,
Azerbaijão) à Península Árabe e Egito.
A Assíria pegou o nome da sua capital original, a antiga cidade de Assur (Ashur) que data de 2600 AC, originariamente uma das várias cidades estados Acadianas na Mesopotâmia, que pode ser vista em qualquer da duas figuras. Até o final do século XXIV AC, os reis assírios eram somente líderes regionais e subordinados a Sargão de Acádia, que uniu todos os povos da mesopotâmia que falavam Acadiano semita e sumério na Mesopotâmia, sob o Império Acadiano. Com a queda deste império e do curto renascimento sumério, a Assíria recuperou sua plena independência.
O Império Assírio, em verde no seu auge, incluindo o Egito |
A história da Assíria é, grosseiramente, dividida em três
períodos, conhecidos como Antigo Assírio, Médio Assírio e Novo Assírio, que
correspondem, mais ou menos, à Média Idade do Bronze, Final Idade do Bronze e
Início da Idade do Ferro, respectivamente. No Antigo Assírio, a Assíria
estabeleceu colônias na Ásia Menor (ou Anatólia) e no Levante e, sob o rei
Ilushuma, pugnou por seus direitos sobre o sul da Mesopotâmia. A partir do
século XIX AC, a Assíria entrou em conflito com o recém-criado estado da
Babilônia (nosso próximo estudo), que finalmente ofuscou os estados sumero-Acadianos
mais velhos, como Ur, Isin, Larsa e Kish. No Médio Assírio, a Assíria passou
por grandes oscilações. Teve um período de império com Shamshi-Adad e
Ishme-Dagan nos séculos XVIII e XIX AC. Após, esteve sob o domínio da Babilônia
e de Mitanni-Hurrian[1]
por curtos períodos, nos séculos XVIII e XV AC, respectivamente. Um outro
período de grande poder ocorreu com a ascensão do Império Assírio Médio (de
1365 a 1056 AC) que incluiu reinados de reis importantes; durante este período
a Assíria destruiu o Mitanni e eclipsou os impérios Hitita e Egípcio no Oriente
Médio. A partir de 911 AC, com as campanhas de Adad-nirari, tornou-se novamente
uma grande potência pelos três séculos seguintes, derrotando a 25ª Dinastia do
Egito e conquistando o Egito, Babilônia, Elam e Urartu/Armênia, Pérsia[2]
e vários outros estados, como veremos em detalhe. Após a sua queda entre 612 e
605 AC, a Assíria permaneceu como província e entidade geopolítica sob vários
impérios importantes, após o que foi finalmente dissolvida e os remanescentes
da população assíria tornaram-se uma minoria em sua terra natal.
IV.9.1 - A
ASSÍRIA PRÉ-HISTÓRICA
Em tempos pré-históricos, a região que tornou-se conhecida
como Assíria (ou Subartu) foi o lar de uma cultura Neandertal[3],
como descoberto na Caverna Shanidar. Os primeiros sítios do Neolítico, na
Assíria, pertenciam à cultura Jarmo (sítio arqueológico no norte do Iraque, aos
pés das Montanhas Zagros), cerca de 7100 AC, e Tell Hassuna (“tell” da
província de Níneve, Iraque), o centro da cultura Hassuna, cerca de 6000 AC.
As cidades de Assur e Nínive, com outras, existiram desde,
pelo menos, a metade do terceiro milênio AC, embora nesta época sendo centros
administrativos do governo sumério e não estados independentes. De acordo com
escritores cristão-judaicos, a cidade de Assur foi fundada por Ashur, filho de
Shem, deificado pelas gerações posteriores como o deus padroeiro da cidade. A
tradição assíria cita um antigo rei assírio Ushipa como tendo dedicado o
primeiro templo ao deus Ashur, na cidade, no século XXI AC. É muito provável
que a cidade tenha sido nomeada em honra do seu deus assírio padroeiro com o
mesmo nome. Fontes diversas, baseadas em relatos posteriores, apresentam datas não
muito divergentes para a fundação da Assíria, conduzindo a um valor médio em torno
de 2174 AC.
IV.9.2 – A ANTIGA
ASSÍRIA (2600 – 2335 AC)
Os estudiosos consideram que a cidade de Ashur, com outras
cidades assírias, foram estabelecidas pelo ano 2600 AC, nessa época como centros administrativos sumérios. Da
história mais antiga do reino da Assíria, pouco é positivamente conhecido. Na
“Lista dos Reis Assírios”, o primeiro rei registrado foi Tudiya e suas
atividades foram confirmadas por um tablete (questionável após as últimas
descobertas) em que ele concluiu um tratado para a operação de uma colônia de
comércio em território eblaita (de Ebla, um dos mais antigos reinos da Síria).
Tudiya foi sucedido na lista por Adamu e então por treze governantes adicionais,
sobre cujos nomes nada se conhece de concreto, a não ser o fato de que um tablete
muito posterior, listando a linhagem ancestral de Hammurabi, o rei Amorita da
Babilônia, teria incluído ao mesmos nomes embora em forma bastante corrompida. Os
primeiros reis, como Tudiya, registrados como reis que viviam em tendas, podem
ter sido governantes pastoris seminômades Acadianos independentes. Estes reis,
em algum ponto tornaram-se totalmente urbanos e fundaram a cidade-estado de
Ashur.
Durante o Império Acadiano (2334-2154 AC), os assírios,
como todos os semitas Acadianos e sumérios, ficaram sujeitos à dinastia da
cidade-estado de Acádia. A Assíria, ao norte da sede do império, tinha também
sido conhecida como Subartu, pelos sumérios, e o nome Azuhinum, nos registros Acadianos,
também parece referir-se à Assíria. Os governantes assírios eram subordinados a
Sargão e a cidade de Ashur tornou-se um centro administrativo regional do
Império.
Por essa época, a Assíria já comerciava fortemente na Ásia
Menor, através dos seus karums
(postos de comércio na Anatólia), conforme documentado em tabletes cuneiformes
da época, assim difundindo o uso da escrita cuneiforme mesopotâmica pela Ásia
Menor e o Levante.
Ao final do reino de Sargão, o Grande, os assírios
tentaram uma rebelião mal sucedida e foram fortemente reprimidos. Conforme
vimos, o Império Acadiano encerrou pelo declínio econômico seguido de ataques
do povo bárbaro gutiano, em 2154 AC.
Entre 2154 e 2112 AC os governantes assírios ficaram de
novo totalmente independentes, pois os gutianos apenas administraram o sul da
Mesopotâmia.
A maior parte da Assíria tornou-se parte do Novo Império
Sumério (ou 3ª Dinastia de Ur), fundado em 2112 AC, que se estendeu até a
cidade de Ashur, mas parece não ter alcançado Níneve e a extremidade norte da
Assíria. Os governantes de Ashur parecem ter permanecido sob dominação suméria
até cerca de 2050 AC.
IV.9.3 – O ANTIGO
REINO ASSÍRIO (2050-1392 AC)
As primeiras inscrições por reis assírios “urbanizados”
apareceram no meio do século XXI AC, após terem sacudido a dominação suméria. A
terra da Assíria, como um todo, consistia em um número de cidades-estados e
pequenos reinos semitas Acadianos, alguns dos quais, inicialmente independentes
da Assíria. A fundação do primeiro templo importante na cidade de Ashur é, tradicionalmente, atribuído ao rei Ushpia, que reinou
cerca de 2050 AC, possivelmente um contemporâneo de Ishbi-Erra, de Isin e de
Naplanum, de Larsa. Foi sucedido por reis de que pouco se conhece, a não ser de
menções muito posteriores a Kikkiya, que conduziu fortificações nas muralhas da
cidade e realizou trabalhos nos templos de Ashur.
Os principais rivais, vizinhos ou parceiros de comércio aos
primeiros reis assírios durante os séculos XXII a XX AC, foram os hattianos e
hurrianos, ao norte da Ásia Menor, os gutianos e Turukku, ao leste, nas
montanhas Zagros, os elamitas, a sudeste (moderno centro sul do Irã), os
amoritas ao oeste (atual Síria) e suas cidades-estados assemelhadas do sul da
Mesopotâmia, como Isin, Kish, Ur e Larsa.
Como muitas cidades-estados da história da Mesopotâmia,
Ashur foi, numa grande proporção, mais uma oligarquia do que uma monarquia. A
autoridade era da Cidade e o sistema tinha três principais centros de poder: um
conselho de anciãos, um soberano hereditário e um epônimo. O soberano presidia
sobre o Conselho e concretizava suas decisões. Não era chamado pelo termo Acadiano
comum para rei, reservado a Assur, deidade patrona da cidade, de quem o
soberano era alto sacerdote. O governante era somente designado como o
“procurador de Assur”, onde o termo para procurador é uma palavra emprestada do
sumério ensi(k). O terceiro centro de
poder era o epônimo que cedia seu nome ao ano, da mesma forma que os
posteriores arcontes e cônsules da antiguidade clássica. Era anualmente
sorteado e responsável pela administração econômica da cidade, o que incluía o
poder para prender pessoas e confiscar propriedades.
Cerca de 2025 AC, Puzur-Ashur (talvez um contemporâneo de
Shu-ilishu de Larsa e Samium de Isin) parece ter deposto Kikkiya e fundado uma
nova dinastia que sobreviveria por 216 anos. Seus descendentes deixaram
inscrições que o mencionavam em relação à construção de templos, tais como os
de Ashur, Adad e Ishtar na Assíria. A duração do seu reino é desconhecida.
Outros reis sucederam-se nessa dinastia que foi encerrada
com o rei Erishum II (1818-1809), que governou por somente nove anos e foi
deposto por Shamshi-Adad I, o amorita usurpador que já havia sido derrotado
numa tentativa anterior e que reivindicava a legitimidade ao trono como
descendente do rei assírio Ushpia, de meados do século XXI AC.
Embora visto como amorita pela tradição assíria posterior,
a descendência de Shamshi-Adad I, que reinou de 1809 a 1776 AC, foi sugerida
pela Lista de Reis Assírios como
sendo de Ushpia, rei nativo de língua Acadiana. Colocou seu filho Ishme-Dagan
no trono da cidade assíria próxima, Ekallatum, e manteve as colônias assírias
na Anatólia. Conquistou o reino de Mari (na Síria Moderna) no Eufrates,
colocando no trono outro de seus filhos, Yasmah-Adad. Com isso, a Assíria de
Shamshi-Adad I abarcava todo o norte da Mesopotâmia, incluindo territórios da
Mesopotâmia central, Ásia Menor e norte da Síria, havendo menções de que ele
teria conduzido ataques às costas canaanitas do Mediterrâneo, onde teria
erigido marcos para comemorar suas vitórias. Residia na nova cidade capital de
Shubat-Enlil, fundada no vale de Khabur, norte da Mesopotâmia.
Seu filho Ishme Dagan herdou o trono da Assíria, mas
Yasmah-Adad foi derrubado de Mari por um novo rei de nome Zimrilim, que se
aliou com o rei amorita Hammurabi, da Babilônia, que tornou este recém criado
estado numa potência importante. Foi do reino de Hammurabi que o sul da
Mesopotâmia tornou-se conhecido como Babilônia, potência crescente com que
então passou a defrontar a Assíria. Ishme-Dagan respondeu através de uma
aliança com os inimigos da Babilônia e a luta pelo poder se prolongou por
décadas. Como seu pai, um grande guerreiro, repelia os ataques da Babilônia ao
mesmo tempo em que movia campanhas vitoriosas contra vários inimigos
importantes.
Após conquistas importantes, Hammurabi finalmente sujeitou
à Babilônia, cerca de 1750 AC, Mut-Ashkur, filho de Ishme-Dagan. Com Hammurabi,
os vários postos de comércio na Anatólia encerraram suas atividades porque os
bens da Assíria eram então comerciados com a Babilônia. A monarquia assíria
sobreviveu, contudo os três reis amoritas que sucederam a Ishme-Dagan,
Mut-Ashkur (1750-1740 AC), Rimush (1739-1733) e Asinum (1732 AC), tornaram-se
vassalos e dependentes da Babilônia, sob Hammurabi e, por curto tempo, também
seu sucessor Samsu-iluna.
Este Império Babilônico de curta vida, rapidamente
desfibrou-se com a morte de Hammurabi, perdendo o controle sobre a Assíria
durante o seu sucessor Samsu-iluna (1750-1712 AC). Um período de guerra civil
seguiu-se após a deposição do rei amorita da Assíria, Asinum, cerca de 1732 AC,
por um poderoso vice regente nativo Acadiano de nome Puzur-Sin, que via Asinum
como um estrangeiro e antigo lacaio da Babilônia. Foi uma época conturbado em
que vários reis se sucederam por curto período, até que Adasi (1726-1701 AC)
tomou o poder, encerrando a guerra civil e estabilizando a situação na Assíria,
tirando da esfera de influência dos assírios, babilônios e amoritas. Adasi foi
sucedido por Bel-bani (1700-1691 AC) que infligiu derrotas adicionais aos
babilônios e amoritas, reforçando e estabilizando ainda mais o reino.
Sabe-se pouco dos vários reis que o sucederam, mas a
Assíria parece ter tido uma nação relativamente forte e estável, sem ser
perturbada por seus vizinhos de várias etnias por mais de 200 anos, mesmo
quando a Babilônia foi saqueada pelos Hititas e caiu para os Kassitas[4]
em 1595 AC, mantendo um tratado mutualmente benéfico com o estado vizinho.
Nem o recém fundado Império Mitanni, na Ásia Menor,
perturbou os reis do Império Assírio que mantiveram uma época de progresso e
calma até o ano 1450 AC, quando iniciou o seu declínio.
Ashur-nadin-ahhe I (1450-1431 AC) foi cortejado pelos
egípcios, rivais dos Mitanni da Ásia Menor, que na tentativa de ganhar uma base
de apoio no Oriente Médio, lhe enviaram, na pessoa de seu rei Amenhotep II,
tributo de ouro para selar aliança contra o Império Hurri-Mitanni, governado
por Saushtatar. É possível que essa aliança tenha provocado a invasão da
Assíria e o saque da cidade de Ashur, após o que a Assíria tornou-se um
esporádico estado vassalo, com Ashur-nadin-ahhe I sendo forçado a pagar tributo
a Saushtatar. Foi deposto por seu próprio irmão, Enlil-nasir II (1430-1425 AC),
provavelmente com a ajuda dos Mitanni, que continuou a pagar tributo , assim
como seu sucessor Ashur-nirari II (1424-1418 AC). A monarquia assíria
sobreviveu já que a influência Mitanni parece ter sido esporádica, nem sempre
desejosa de interferir nas relações internas e internacionais assírias.
O mesmo aconteceu com os reis assírios que o sucederam, até
a ascensão ao trono, de Eriba-Adad I (1392-1366 AC) que, finalmente quebrou os
laços com o Império Mitanni. Há muitos textos cuneiformes deste período, com
observações precisas de eclipses lunares e solares, que foram usadas como
“âncoras” nas várias tentativas de definir a cronologia da Babilônia e Assíria
para o segundo milênio AC.
[1] O Mitanni foi um estado de língua hurriana, ao norte da Síria e sudeste da Anatólia, que atingiu o seu clímax cerca de 1400 AC, fundado por uma casta governante Indo-Ariana, com população predominantemente hurriana.
[2] Os persas são um povo iraniano que teria chegado ao Irã entre 2000 e 1500 AC e se estabelecido em Pars, província na região sudoeste, de onde se originaram as palavras portuguesas Pérsia e persa.
[3] O Neandertal é uma espécie humana extinta, do gênero Homo, muito próxima dos modernos humanos (diferindo no DNA por apenas 0,12%) e assim nomeada de Neandertal (Vale do Neander), local da Alemanha onde foi descoberta pela primeira vez.
[4] Os Kassitas, povo antigo do Oriente Médio, controlaram a Babilônia, após o saque da cidade pelos Hititas e a queda do Antigo Império Babilônico, em 1595 AC, até 1155 AC. Seu reinado de 500 anos criou uma base fundamental para o desenvolvimento da subsequente cultura babilônica.
Prossegue na PARTE 09, com o Médio Império Assírio
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