Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: MESOPOTÂMIA (PARTE 11)

IV.10.6 – GOVERNO ASSÍRIO (911-620)

Esse assunto foi amplamente tratado no item “IV.9.4 - A NOVA ASSÍRIA (911–627 AC)” e por isso não vamos discuti-lo agora, novamente. Vamos apenas ratificar que durante este período, a Babilônia continuou existindo e lutando contra vários domínios, mas na maior parte do tempo contra o domínio assírio, com a fundação do Novo Império Assírio, em 911 AC. E lembrar que, em 622 AC, Sin-shar-ishkun assumiu como governante da Assíria e Babilônia e que foi durante o seu governo que o vasto império da Assíria começou a ruir.

IV.10.7 – O NOVO IMPÉRIO BABILÔNICO (ERA CALDEIA)

Como havíamos visto acima, quando tratando da Assíria, em 620 AC, Nabopolassar, das tribos caldeias do extremos sudeste da Mesopotâmia, tomou o controle de boa parte da Babilônia, com o apoio da maioria dos seus habitantes, com exceção da cidade de Nippur e algumas regiões ao norte que mostravam alguma lealdade ao rei assírio. A situação permaneceu indecisa por quatro anos, durante os quais um exército assírio na Babilônia tentava tirá-lo do poder e o rei assírio Sin-shar-ishkun sofria com constante revolta de seu próprio povo em Nínive. O impasse terminou em 616 AC com a aliança de Nabopolassar com os medos, persas, arameus, citas e cimérios, todos atingidos de alguma forma pelo poderio dos assírios. Após quatro anos de luta feroz, Nínive foi saqueada em 612 AC e seu rei assírio morto. A luta prosseguiu casa a casa e o último rei assírio Ashur-uballit II recebeu a proposta de prestar vassalagem aos babilônios, de acordo como que vimos na queda do Império Assírio durante a batalha final em Carchemish, em 605 AC, ocasião em que o trono do Império foi transferido para a Babilônia pela primeira vez desde Hammurabi, mais de mil anos antes.
Nabucodonosor II sucessor
de seu pai Nabopolassar
Nabopolassar foi seguido por seu filho Nabucodonosor II (605-562 AC), cujo reinado de 43 anos tornou a Babilônia, uma vez mais, a soberana da maioria do mundo civilizado, tomando conta de uma área considerável do prévio Império Assírio; as partes leste e norte foram tomadas pelos medos e o extremo norte pelos citas.
Logo os citas e os cimérios, antes aliados da Babilônia, sob Nabopolassar, tornaram-se uma ameaça e Nabucodonosor II foi forçado a marchar à Ásia Menor e dispersar suas forças, assim encerrando com a ameaça norte ao império.
Os egípcios tentaram permanecer no Oriente Médio, num esforço para restaurar a Assíria como um aliado seguro contra a Babilônia, medos e persas ou para criar o seu próprio império na região. Nabucodonosor II então lutou contra os egípcios expulsando-os para além do Sinai, sem conseguir toma-lo, como fizeram antes seus predecessores assírios, principalmente devido a uma série de rebeliões entre os judeus, fenícios e arameus do Levante e de Canaã. O rei babilônio esmagou essas rebeliões, depôs Jeoiaquim, rei de Judá, deportando uma parte significativa de sua população para a Babilônia (importante episódio do Antigo Testamento da Bíblia). Os estados fenícios de Tiro e Sidon também foram subjugados, bem como o estado arameu de Aram-Damascus e os árabes dos desertos ao sul das fronteiras com a Mesopotâmia.
Em 567 AC ele fez guerra contra o faraó Amasis e brevemente invadiu o Egito. Após garantir o seu império, o que incluiu seu casamento com uma princesa meda, ele devotou-se à manutenção do império e à execução de numerosos projetos arquitetônicos na Babilônia, entre eles, os fabulosos “Jardins Suspensos da Babilônia”.
Jardins Suspensos da Babilônia em concepção artística
(Século XIX?), sem comprovação arqueológica
Sucedeu-o no trono, Amel-Marduk, que reinou por apenas dois anos, tendo sido deposto e assassinado em 560 AC por seu sucessor Neriglissar, por ter-se conduzido impropriamente. Neriglissar, genro de Nabucodonosor II, também teve um reino curto (560-556 AC). Fez campanhas de sucesso contra Aram e Fenícia, mantendo governo babilônio nessas regiões. Morreu cedo e foi sucedido por seu filho Labashi-Marduk, ainda menino, em 556 AC. Este foi deposto e assassinado numa conspiração palaciana, no mesmo ano, armada pela mãe do seu sucessor Nabonidus.
Há muita documentação sobre Nabonidus, o último rei da Babilônia, filho da sacerdotisa assíria Adda-Guppi. Pelo menos por parte de mãe, ele não era nem caldeu, nem babilônio, mas, ironicamente, assírio.
Vários fatores conduziram à queda final da Babilônia. A população da Babilônia tornou-se inquieta e descontente com Nabonidus, por tentar centralizar a religião do Império no templo de Marduk, Babilônia, e enquanto ele tivesse assim alienado os sacerdotes locais, a classe militar também o desprezou por seus gostos antigos. Deixou a defesa do reino para seu filho Belshazzar (às vezes chamado Balthazar) - soldado capaz, mas um fraco diplomata, que alienou a elite política -, ocupando-se com os trabalhos mais adequados de escavar fundações de templos antigos e determinando as datas das suas construções. Passou também muito tempo fora da Babilônia reconstruindo prédios na cidade assíria de Harran, bem como com seus súditos árabes dos desertos do sul da Mesopotâmia. É também possível que a herança assíria de Nabonidus e seu filho pesassem contra eles. Finalmente, o poder militar da Mesopotâmia fora sempre concentrado na Assíria; sem esse poder para manter as forças estrangeiras em xeque, a Babilônia, sempre mais vulnerável à conquista e invasão do que a sua vizinha do norte, acabou ficando exposta.
Ciro II, libertador dos hebreus
Foi durante o sexto ano do reinado de Nabonidus (549 AC) que Ciro, o Grande (Ciro II), o persa Aquemênida, rei de Ansham, no Elam, revoltou-se contra seu suserano, Astyages, “Rei dos Mandas” ou medos, em Ecbatana. O exército de Astyages o traiu e Ciro estabeleceu-se nesta cidade, colocando um fim ao Império dos Medos e tornando a facção persa dominante entre os povos iranianos. Três anos mais tarde, Ciro tornou-se rei de toda a Pérsia e engajou-se numa campanha para abafar uma revolta entre os assírios. Em 539 AC, Ciro invadiu a Babilônia; os babilônios foram derrotados em Opis e, em seguida, em Sippar. Nabonidus fugiu para a Babilônia, de sua colônia na Arábia, onde se encontrava, e foi perseguido por Gobryas, general de Ciro. Dois dias após a captura de Sippar, os soldados de Ciro entraram em Babilônia, sem luta; Nabonidus foi arrastado do lugar onde se escondia e os serviços prosseguiram sem interrupção. Gobryas foi feito governador da província da Babilônia e poucos dias após Belshazzar foi morto em batalha.
Um dos primeiros atos de Ciro foi permitir que os judeus exilados retornassem aos seus lares levando consigo seus vasos sagrados do templo; essa permissão foi configurada numa proclamação pela qual o conquistador buscava justificar sua pretensão ao trono da Babilônia, como o legítimo sucessor dos antigos reis babilônicos e o vingador de Bel-Marduk.
A tribo caldeia havia perdido controle da Babilônia décadas antes do final da era que muitas vezes leva o seu nome e provavelmente se misturou à população geral; durante o Império Persa Aquemênida desapareceu como um povo distinto e o termo “caldeu” parou de referir-se a uma raça de homens, mas passou a referir-se apenas a uma classe social, sem considerações de etnia.

IV.10.8 – A BABILÔNIA PERSA

Portanto, a Babilônia foi absorvida pelo Império Aquemênida em 539 AC.
Dario I da Pérsia
Um ano antes de sua morte, em 529 AC, Ciro elevou seu filho Cambises II a rei da Babilônia, reservando para si próprio o título de “rei das outras províncias” do Império. Em 521 AC, Dario Hystaspis (Dario I) tomou o trono persa e governou-o como representante da religião Zoroastriana[1], que a velha tradição havia quebrado; com isso, a alegação da Babilônia de conferir legitimidade aos governantes da Ásia Ocidental deixou de ser reconhecida.
Imediatamente após Dario ter tomado a Pérsia, a Babilônia recuperou sua independência brevemente, através de um governante nativo, Nidinta-bel, que adotou o nome de Nabucodonosor III e reinou de 522 a 520 AC, quando Dario tomou a cidade de assalto. Poucos anos após, a Babilônia revoltou-se novamente sob o rei armênio Arakha; nesta ocasião, após sua captura pelos persas, as muralhas da cidade foram parcialmente destruídas, mas E-Sagilla, o grande templo de Bel, prosseguiu sob reparos como centro dos sentimentos religiosos babilônios.
Alexandre, o Grande, da Macedônia[2], conquistou a Babilônia em 333 AC, para os gregos e morreu em 323, deixando o caos na partilha do seu império. Babilônia e Assíria tornaram-se parte do Império Grego Selêucida, e a capital da Babilônia transferiu-se para a recém fundada Selêucida, embora a vida urbana aí tenha continuado até a idade Parta (150 AC a 226 DC) e a região um campo de batalha entre gregos e partas. Houve um breve interlúdio com a conquista romana sob Trajano (116 a 118 DC), após o qual os parta reassumiram o controle.
Embora a história continue, sempre interessante, a partir daí, já na era cristã, a região perde o seu interesse como berço da Civilização, nosso objetivo. Para concluir o Império da Babilônia, apenas apresentaremos algo sobre a sua cultura, ao longo de suas várias épocas.

IV.10.9 – A CULTURA BABILÔNICA

Da Idade do Bronze até o início da Idade do Ferro, a cultura mesopotâmica, em geral, é resumida como “Assírio-Babilônica, pela relação cultural próxima entre os dois centros políticos. O termo “Babilônia”, especialmente nos escritos dos anos 1900 DC, fora anteriormente utilizado para incluir a história antiga do sul da Mesopotâmia e não apenas referida à cidade-estado da Babilônia. Esse uso geográfico do nome “Babilônia” tem sido substituído pelo termo “Suméria”, mais preciso, em publicações recentes.
Na Babilônia, a abundância de argila e a carência de pedra fez com que os templos babilônios fossem estruturas maciças de tijolos grosseiros suportados por contrafortes equipados com drenos para a água da chuva; em Ur encontrou-se um desses drenos feito de chumbo. O uso de tijolos conduziu ao desenvolvimento precoce de colunas e pilastras, bem como de afrescos e telhas esmaltadas. As paredes eram brilhantemente coloridas e muitas vezes com zinco, ouro ou azulejos. Cones de terracota pintados, para tochas, eram também incrustadas no reboco. Na Babilônia, ao invés de baixo-relevo, fazia-se muito uso das figuras tridimensionais – os primeiros exemplos são as Estátuas de Gudea, realísticas, embora um tanto toscas. A escassez da pedra tornava precioso cada seixo, conduzindo a uma alta perfeição na arte do corte de gemas.
Tabletes de antes do Antigo Período Babilônio documentam a aplicação da matemática na variação da duração da luz solar ao longo do ano. Séculos de observação babilônia dos fenômenos celestes estão registrados nas séries de tabletes cuneiformes conhecidos como “Enuma Anu Enlil”. O mais antigo texto astronômico significativo lista a primeira e a última ascensão visíveis de Vênus para um período de 21 anos, sendo a mais antiga evidência de que os fenômenos de um planeta eram reconhecidos como periódicos. O mais antigo astrolábio[3] retangular é da Babilônia, cerca de 1100 AC. O MUL.APIN, título convencional dado a um compêndio que trata de diversos aspectos da astronomia e astrologia babilônica, contém catálogos de estrelas e constelações bem como esquemas para a previsão do surgimento e ocaso dos planetas, extensão da luz solar e outros dados.
Na área da medicina, os babilônios criaram a ciência médica da sintomatologia, com sua dupla característica de diagnose, que explica o passado e o presente, e o prognóstico, sugerindo o futuro. Os mais velhos textos babilônios de medicina datam da Primeira Dinastia Babilônia, segundo milênio AC. O mais extenso deles é o “Manual do Diagnóstico”, escrito pelo principal estudioso do assunto, Esagil-kin-apli, de Borsippa, durante o governo do rei Adad-apla-iddina (1069-1046 AC). Este texto inclui, além de outras coisas, uma lista de sintomas médicos e muitas vezes observações empíricas detalhadas com regras lógicas usadas para combinar sintomas observados em um paciente, com sua diagnose e prognóstico.
Na área da literatura, havia muitas bibliotecas e templos na maioria das cidades da Babilônia. Uma quantidade considerável da literatura babilônica foi traduzida dos originais sumérios. Vocabulários, gramáticas e traduções interlineares foram compiladas para uso dos estudantes, bem como comentários dos textos mais antigos e explicações sobre palavras e frases obscuras. Há muitos trabalhos literários babilônicos cujos títulos chegaram até nós. Um dos mais famosos destes foi o Épico de Gilgamesh, já mencionado anteriormente.
O breve ressurgimento de uma identidade babilônica, durante os séculos VII e VI AC, foi acompanhado por importantes desenvolvimentos culturais. Foi dessa época a invenção do zodíaco e a possibilidade de previsão das eclipses do sol e da lua pelos babilônios. A astronomia babilônica foi a base de tudo o que foi feito sobre astronomia grega, indo, sassânida, bizantina e síria, na antiguidade, bem como na islâmica medieval, asiática central e europeia ocidental. O desenvolvimento de métodos babilônicos de previsão do movimento dos planetas é considerado o maior episódio da história da astronomia. O único astrônomo babilônio a apoiar o modelo heliocêntrico de movimento dos planetas foi Seleucus de Selêucia (190 AC), conhecido pelos escritos de Plutarco, que afirma ter ele provado o sistema, embora não se saiba os argumentos que ele utilizou.
Os textos matemáticos da Babilônia são abundantes e bem editados. Cronologicamente, caem em dois grupos bem identificados: Primeira Dinastia Babilônica (1830-1531 AC) e Selêucida, dos últimos três ou quatro séculos AC. Com relação ao conteúdo não há praticamente diferença entre eles, tendo ficado praticamente estagnado por quase dois milênios. O sistema matemático da Babilônia era sexagesimal (de base 60), de onde derivou o uso atual de 60 segundos num minuto, 60 minutos em uma hora, 360 (60 x 6) graus num círculo etc... Entre os feitos matemáticos dos babilônios encontram-se a raiz quadrada de dois, correta até sete decimais, e o teorema de Pitágoras, bem antes de Pitágoras, como ficou evidenciado da tradução de um tablete datando de 1900 AC. Outros conhecimentos matemáticos, como cálculos de áreas e volumes, bem como do valor de π, foram apresentados quando falamos da Mesopotâmia, como um todo, e não vamos repetir aqui para não cansar o leitor.
As origens da filosofia babilônica podem ser rastreadas até a literatura erudita da Mesopotâmia, que envolvia certas filosofias de vida, particularmente ética, na forma de dialética, diálogos, poesia épica, folclore, hinos, prosa e provérbios. O raciocínio e a racionalidade da Babilônia se desenvolveram além da observação empírica. É possível que a filosofia babilônica tenha influenciado a filosofia grega, particularmente a helenística (período entre a morte de Alexandre, o Grande, em 323 AC, até a emergência do Império Romano, definido pela Batalha de Actium, em 31 AC). Sabe-se, por exemplo, que o filósofo Thales, de Mileto, estudou filosofia na Mesopotâmia.

Com isso, consideramos cumprido o nosso primeiro objetivo parcial desta enorme postagem, qual seja, a apresentação da primeira grande civilização da Terra, a Civilização da Região da Mesopotâmia. Na próxima edição, iniciaremos com o Egito.

[1] O Zoroastrianismo, também chamado Zaratustraismo, Mazdaismo ou Magianismo, é uma antiga religião monoteísta e uma filosofia religiosa, surgida na região oriental do antigo Império Persa, quando o filósofo religioso Zoroastro simplificou o panteão dos primitivos deuses iranianos em duas forças opostas: Spenta Mainyu (mentalidade progressiva) e Angra Mainyu (mentalidade destrutiva), sob o deus único Ahura Mazda (sabedoria que ilumina). Foi uma vez a religião do estado dos impérios Aquemênida, Parta e Sasano. As ideias de Zoroastro conduziram a uma religião formal cerca do século VI AC e influenciou religiões posteriors, incluindo o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.
[2] A Macedônia é uma região geográfica e histórica da Grécia, ao sul dos Balcãs. É a maior e segunda mais populosa região grega, dominada pelas montanhas no interior e pelas cidades portuárias da Tessalônica e Kavala na sua linha costeira, ao sul.
[3] O astrolábio é um instrumento elaborado, historicamente usado por astrônomos, navegadores e astrólogos e seus usos incluem a localização e a previsão das posições do Sol, Lua, planetas e estrelas, a determinação da hora local dada a latitude local e vice-versa, levantamentos, triangulação e a elaboração de horóscopos.

O trabalho prossegue com a CIVILIZAÇÃO EGÍPCIA (PARTE 1)

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