Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 2 de maio de 2011

UMA PEQUENA HISTÓRIA DA INGLATERRA CONTADA POR UM GAÚCHO DE PORTO ALEGRE, DESCENDENTE DE PORTUGUESES E RESIDENTE EM GRAMADO - A HISTÓRIA PROPRIAMENTE DITA (7) (Décima Quinta Parte)

III – OS ANGLO-SAXONS NA GREAT BRITAIN
É durante a dominação anglo-saxon que surge a figura lendária de Arthur. Por essa razão, esse período será descrito com maior detalhe que os anteriores; e antes de entrarmos na descrição da Britain ao tempo desses invasores, propriamente dita, faremos uma boa análise de como ocorreu a sua chegada à grande Ilha. A data da chegada dos primeiros colonizadores germânicos na Britain é matéria de considerável debate. É, contudo, crítica para datar eventos chaves entre a partida da autoridade romana em 410 DC e a chegada da missão de Santo Augustine em 597 DC. Exemplos desses eventos incluem: a ascensão de Vortigern ao poder e a duração do seu reinado; suas relações com Ambrosius; a revolta saxônica; o surgimento de Arthur e Badon. Esse influxo germânico é conhecido, historicamente, pela frase latina “Adventus Saxonum”, a chegada dos Saxons (Saxões). Pelo menos dois autores importantes são considerados dignos de confiança para testemunhar essa chegada, considerando-se a proximidade da época em que viveram: Bede e Nennius. Entretanto, um terceiro, de nome Gildas, aporta também significativas informações.

O Venerável Bede
A primeira tentativa de datar o “Adventus Saxonum” foi feita pelo insigne escritor e historiador eclesiástico, Bede (se desejar, clique aqui para chegar a uma curta biografia de Bede). A sua “Historia Ecclesiastica Gentis Anglorum” (“História da Igreja e Povo Ingleses”), além de perseguir esse objetivo, fornece um sumário histórico do que foi tornar-se ‘England’, baseado nos registros que lhe eram disponíveis. Completada em 731 DC, ela é uma fonte primária dos primeiros eventos na estruturação da England. Não apenas um estudioso, Bede leva também os créditos por introduzir alguns conceitos notavelmente modernos em sua abordagem à história. Foi ele que popularizou o processo de datar conhecido por “Anno Domini” (A.D.) – Ano do Senhor -, em nossos dias, aceito incondicionalmente. Ele identificou suas fontes, em forma escrita e oral, e foi seletivo em seu uso. Sempre que possível e desejável, incrementava algumas de suas fontes primárias mais escassas com outro material. Um bom exemplo disso é o seu tratamento de “De Excidio Brittaniae” – Da Ruína da Britain -, de Gildas. Olhemos algumas referências relativas ao “Adventus Saxonum” encontradas em sua História.
No Capítulo 24, onde ele apresenta um sumário cronológico do seu livro, no ano 597 DC – chegada de Augustine e sua missão cristã – afirma que eles teriam chegado aproximadamente 150 anos após a chegada dos English. Isso nos dá como data de sua chegada, o ano 447 DC.
Em outro lugar, quando descrevendo eventos sobre o batismo do rei Edwin, em 627 DC, Bede diz que Edwin recebeu a fé e o renascimento no décimo primeiro ano do seu reinado, isto é, no ano 627 do Senhor e 180 anos após a chegada dos English à Britain. Por essa referência, novamente chegamos ao ano de 447 DC para o Adventus.
Um terceiro cálculo é encontrado na seção que conclui um sumário do estado da Britain no momento, 731 DC: “Este é o estado de toda a Britain no momento, em torno de 285 anos após a chegada dos English à Britain, no ano 731 do Senhor”. Nesse caso, chegamos a 446 DC como o ano do “Adventus Saxonum”, consistente com as duas datas precedentes.
Indo ao corpo principal de sua História, onde a chegada dos Saxons é realmente descrita, encontramos:
“No ano 449 DC, Marcian, o 46º depois de Augustus, tornou-se imperador com Valentinian e governaram por sete anos. Àquele tempo, a raça dos Angles ou Saxons, convidados por Vortigern, chegaram à Britain.”
Aqui, a cronologia de Bede está defasada de um ano visto que o governo conjunto de Marcian e Valentinian foi de 450 a 455 DC, durante o qual chegaram os Angles ou Saxons. Esta sequência é repetida novamente no sumário cronológico ao final da História de Bede e também em outro trabalho chamado “A Grande Crônica”, encontrado como um apêndice em algumas traduções da História.
As razões para a aparente discrepância – 446 ou 447 versus 450-455 – residem nas duas fontes primárias que Bede usou para datar o Adventus. A primeira delas confia na obra “De Excidio”, de Gildas, na seção onde um apelo feito a Aetius é registrado:
“Então os miseráveis remanescentes enviaram uma outra carta, desta vez ao comandante romano Aetius, nos seguintes termos: ‘A Aetius, três vezes cônsul, os gemidos dos British’. Posteriormente, chegou a queixa: ‘Os bárbaros nos empurram de volta ao mar, o mar nos empurra de volta aos bárbaros;  entre essas duas espécies de morte, ou seremos afogados ou seremos massacrados.’ Mas eles não obtiveram qualquer ajuda.”
Informado historiador dos tempos romanos, Bede sabia que o terceiro consulado de Aetius começara em 446 e por isso concluiu que o Adventus teria ocorrido após esse apelo, isto é, em 446-447 DC.
O segundo conjunto de datas, 450-455 DC, veio de uma velha tradição Kentish de que a sua dinastia havia sido fundada durante o governo conjunto de Mauricius e Valentinian. No prefácio de sua História, Bede alude a essa fonte, aparentemente idêntica à usada na Crônica Anglo-Saxon muitos anos mais tarde, com o nome Mauricius em lugar de Marcian, que era o Imperador do Oriente àquela época. A tradição Kentish certamente confundiu o imperador Marcian com o posterior imperador Maurice Tiberius Augustus, durante a missão de Augustine em Kent, em 597 DC.
 
A ‘Historia Brittonum’ – A História da Britain
A outra fonte escrita, que nos ajuda a datar o Adventus Saxonum, é a ‘Historia Brittonum’, atribuída ao monge Nennius (se desejar, clique aqui para chegar a uma curta biografia de Nennius
) e que reflete uma tradição British desses eventos, da mesma forma que a História de Bede a preserva. Em sua forma original, ela parece ter sido compilada em torno de 830 DC, mas foi sucessivamente editada nos últimos séculos. Várias versões latinas, no todo ou na parte, foram identificadas por toda a Great Britain e no resto da Europa.
A ‘Historia Brittonum’ contém várias referências à chegada inicial dos Saxons, mas uma, em particular, é mais exata, ao datar este evento. A partir de datas bem documentadas do início do reino de Vortigern e os consulados de Theodosius II e Valentinian III, ocorrido em 425 DC, além de dois outros consulados, Nennius chega à conclusão que Vortigern teria iniciado seu reinado em 425 DC e que o Adventus Saxonum seria datado de 428 DC.
Há várias outras seções da ‘Historia Brittonum’ relativas à nossa indagação; de uma delas, distinta e independente da seção anterior de Nennius, chega-se facilmente aos anos 423-428 e o reino de Vortigern. Em outro lugar lê-se algo que, corrigido de erros grosseiros de revisão no que se refere à numeração romana, conduziria à data de 425-429, que se ajusta muito bem aos cálculos prévios para Vortigern e o ‘Adventus Saxonum’.

Um Conto de Duas Culturas
Como reconciliar as duas diferentes tradições de Bede e Nennius? Embora separadas no tempo por algo em torno de 20 anos, elas compartilham pontos comuns:
•    ambos os relatos estabelecem que a sua vinda ocorreu a convite de Vortigern;
•    ambos relatos contam que o assentamento saxon inicial foi na ilha de Thanet (sudeste da England e a leste de Kent, hoje não mais uma ilha) e somente mais tarde na terra principal kentish (Kent);
•    a última revolta saxon ocorreu sob a instigação de Hengest e Horsa e iniciou em Kent.
Localização do Condado de Kent na England


 
A Ilha de Thanet (então uma ilha), a leste, no condado de Kent
Claramente, as tradições referem-se aos mesmos eventos. Será que eles diferem por causa da perspectiva cultural das partes envolvidas? Após a fase inicial dos saques e pirataria saxon, os British contra-atacaram. Um relato geral da guerra que se estendeu por vários anos é fornecido por Nennius:
“Finalmente Vortimer, o filho de Vortigern, valentemente lutou contra Hengist, Horsa e seus povos; empurrou-os à ilha de Thanet e três vezes confinou-os nela e sitiou-os pelo lado oeste. Os saxons então despacharam delegados à Germany para solicitar grandes reforços e um número adicional de navios; obtidos esses reforços, eles voltaram a lutar contra os reis e príncipes da Britain...”
Duas crônicas gallic relatam grandes seções da Britain cedendo sob controle saxon em 441. A data provável da revolta saxon é portanto 439/440. Após cerca de 10 anos de luta, como indicado pela ‘Crônica Anglo-Saxon’ e por Nennius, Vortimer obteve a vitória após rebelar-se contra a política anglo-saxon adotada por seu pai e fundar um reino paralelo. Aparentemente, a vitória global de Vortimer foi seguida por um período de paz em torno de 5 anos. Este foi seguido por invasões saxon ainda mais violentas, aparentemente defendidas por Ambrosius Aurelianus, após derrotar Vortigern, visto que, segundo a História de Nennius, Vortimer teria morrido logo após derrotar os saxons.
Esse período inicial de invasões renovadas e permanente assentamento, provavelmente ocorreram entre 450 e 455 DC, como estabelecido na velha tradição Kentish. Pode-se assim constatar que duas culturas podem selecionar um diferente ponto de partida, mas ainda estar falando do mesmo evento. Os British olhando para trás à inicial e fatal asneira de Vortigern em 428 DC, viram esse fato como a primeira vinda dos saxons, ao passo que seus contrapartidas Kentish viram o período de permanente assentamento (450-455 DC) como a fundação do seu reino.

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