Após a sua coroação na Abadia de Westminster, no dia de Natal de 1066, o novo Rei William, o Conquistador, retirou-se para Barking, Essex, enquanto vários baluartes eram construídos em Londres, como salvaguarda contra a ameaça da imensa e feroz população, ciente de que a sua primeira tarefa era subjugar Londres totalmente. A figura abaixo mostra uma vista aérea da Torre de Londres, às margens do Thames (rioTâmisa) e a Tower Bridge (Ponte da Torre).
Evidências arqueológicas sugerem que um desses baluartes foi construído no canto sudeste das antigas muralhas romanas, local da futura Torre de Londres. Essas defesas anteriores foram substituídas por uma grande torre de pedra, “The White Tower” (a Torre Branca) que proclamava a força e a façanha física do novo monarca Normando.
Não se sabe exatamente quando começou a construção da Torre Branca ou quando foi concluída, mas a primeira parte dos trabalhos de construção estava, certamente, a caminho, na década de 1070, sob a supervisão de Gundulf, o Bispo de Rochester. Pedreiros normandos foram empregados, algumas das pedras da construção foram trazidas da Normandia, mas o trabalho foi realizado por ingleses. A “Anglo-Saxon Chronicle” (Crônica Anglo-Saxã) comenta, em 1097, que ‘muitos condados cujo trabalho era devido a Londres foram duramente pressionados por causa da muralha que seria construída em torno da Torre’. Cerca de 1100 a Torre Branca estava pronta!
Localização da Torre na Londres Central (círculo negro) |
Nada com aquilo havia antes sido visto na Inglaterra. O prédio era enorme, um retângulo de 36,0 m por 32,5 m, com uma altura de 27,5 m no lado sul, onde o terreno é mais baixo. A Torre dominava o horizonte por milhas em todas as direções.
A Torre era protegida por muralhas romanas em dois lados, fossos ao norte e oeste, com 7,5 m de largura e 3,4 m de profundidade, além de um aterro encimado por uma paliçada de madeira.
Embora muitos reis e rainhas posteriores tenham ficado na Torre, ela nunca foi construída como a principal residência real, visto que palácios como Westminster, possuíam quartos mais opulentos. Além disso, a Torre não era a primeira linha de defesa contra exércitos invasores, embora pudesse enfrentar tal desafio. A primeira função da Torre era de um baluarte-fortaleza, um papel que permaneceu imutável até o final do século XIX.
Planta moderna da Torre de Londres (orientação norte) |
Como uma base de poder em tempo de paz e um refúgio em tempo de crise, as fortificações da Torre foram modernizadas e ampliadas pelos reis medievais. Uma série de campanhas de construção garantiu que, cerca de 1350, a Torre estivesse transformada na formidável fortaleza que vemos hoje.
Tais trabalhos de edificação foram iniciados no reinado de Richard, o Coração de Leão, que partindo às Cruzadas, deixou a Torre nas mãos do seu chanceler William Longchamp, bispo de Ely, que dobrou a fortaleza em tamanho, com novas defesas. Essas alterações vieram a tempo, pois na ausência do rei, seu irmão John usou a oportunidade para desafiar a autoridade do Chanceler, preparando o ataque. Sitiou a Torre e suas novas defesas resistiram até que a falta de abastecimentos obrigou Longchamp a render-se. Como sabemos, ao retornar em 1194, Richard recuperou o controle, John implorou por seu perdão e foi, mais tarde, indicado por Richard como seu sucessor. Como rei, John ficava frequentemente na Torre e foi, provavelmente, o primeiro rei a manter leões e outros animais exóticos lá.
Interior do pátio mais central, com a Torre Branca |
Aos nove anos, Henry III, filho de John, assumiu um reino em crise, mas em meses os franceses foram derrotados na Batalha de Lincoln e a atenção primeira voltou-se para o reforço dos castelos reais. Os regentes do rei menino começaram uma extensão importante das acomodações reais na Torre, que incluíram a construção de duas novas torres, na frente que dava para o rio: a Wakefield, como alojamento do rei, e a Lanthorn, provavelmente pretendida para a rainha.
Quando os barões revoltosos obrigaram Henry a refugiar-se na Torre, em 1238, o nervoso rei percebeu a vulnerabilidade das defesas do castelo. No mesmo ano ele envolveu-se na construção de uma maciça muralha aos lados norte, leste e oeste, reforçada por nove novas torres e circundada por um fosso inundado, construído pelo engenheiro flamengo John Le Fossur (o cavador de valas).
Essa pública demonstração do poder real começou a preocupar os londrinos, cuja alegria foi registrada pelo escritor da época, Mathew Paris, quando uma seção de uma muralha recém construída, próximo da torre Beauchamp, ruiu.
Muralha externa da Torre de Londres e a Legges Mount ao centro |
Edward I era um líder mais agressivo e confiante, que conseguiu manejar bem os rebeldes do seu país, mas ele estava determinado a completar os trabalhos defensivos que seu pai havia começado na Torre. Entre 1275 e 1285 ele gastou mais de £21.000 (aproximadamente R$76.500,00, hoje) na transformação da Torre, no maior e mais forte castelo concêntrico (um anel de defesa dentro do outro) da Inglaterra. Ele encheu o fosso e criou outra muralha envolvendo a existente, construída por seu pai, e também criou um novo fosso. Apesar de todo esse trabalho e da construção de novos alojamentos reais confortáveis, raramente ele permaneceu na Torre.
Entretanto, o reino de Edward viu a Torre ser utilizada com outros fins além de militar e residencial. Além de ser usada regularmente como prisão, o rei passou a usar a Torre como local seguro para guardar papéis valiosos e preciosidades. Um ramo principal da Casa da Moeda real foi estabelecido, uma instituição que representaria um papel importante na história do castelo, até o século XIX.
Torre de Londres à noite, despontando a Torre Branca |
Edward II o filho pouco guerreiro de Edward I, carente de destreza militar e diplomacia, logo colocou em teste a eficiência das novas defesas da Torre. O descontentamento dos barões atingiu um nível comparável ao atingido durante o reinado de seu avô Henry III, e Edward II foi frequentemente forçado a nela buscar refúgio. Ele montou residência na área em torno da presente Torre Lanthorn. Os alojamentos reais anteriores nas torres Wakefield e Saint Thomas passaram a ser usadas por cortesãos e para o guarda-roupa (um departamento que armazenava preciosidades e tratava com abastecimentos reais).
Ao contrário do seu pai, Edward III foi um guerreiro de sucesso e os reis da França e Escócia, capturados, foram mantidos na torre. Ele também realizou trabalhos menos importantes na fortaleza e ampliou o cais.
Em 1399, Richard II, acusado de tirania por seu primo Henry Bolingbroke (Henry IV), foi forçado a renunciar à coroa e mantido prisioneiro na Torre.
Nossa história dos “Reis da Inglaterra” foi interrompida neste ponto, mas a história da Torre continua por reis que ainda serão considerados naquela publicação.
Durante a Guerra das Rosas, a Torre assumiu importância chave e para os vitoriosos tornou-se o local das celebrações.
Henry VI realizou torneios na Torre; Edward IV foi coroado lá, por duas vezes; Henry VII realizou festas de vitória na Torre e entreteve seus apoiadores em grande estilo. Em contrapartida, para os derrotados, a Torre foi o local de assassinatos e execuções que incluíram o próprio Henry VI, em 1471 e o jovem Edward V e seu irmão em 1483.
Capela de Saint John, dentro da Torre Branca |
Henry VIII começou a trabalhar nos prédios da residência real, iniciados por seu pai Henry VII, mas em escala muito maior. Ele autorizou a realização de amplos aposentos com estruturas de madeira, principalmente para o conforto e prazer de sua segunda esposa Anne Boleyn, para a sua coroação em 1533. Entretanto, a partir daí, foram raramente usados, cessando o papel da Torre como residência real.
A decisão de Henry VIII de romper com Roma, inflou a população da Torre com prisioneiros religiosos e políticos a partir de 1530, enquanto o país se ajustava ao novo papel do seu rei como chefe supremo da nova Igreja Protestante da Inglaterra. Os prisioneiros incluíram Sir Thomas More, o bispo Fisher of Rochester e duas das esposas de Henry. Os quatro foram executados. Antes de sua morte prematura, Edward VI prosseguiu a política de execuções de seu pai.
Mary I trouxe de volta ao país o catolicismo e seu curto reinado viu muitos rivais e figuras chaves do protestantismo serem aprisionados na Torre. Lady Jane Grey foi executada na Torre sob as ordens da rainha e sua meia-irmã, Elizabeth, futura rainha, foi nela mantida prisioneira.
Elizabeth I manteve a de gula da Torre até o ponto de repleção, com prisioneiros célebres, mas como seu sucessor James I, fez poucos melhoramentos nas defesas da Torre.
O reinado de Charles I anunciou uma longa e sangrenta guerra civil entre o rei e o parlamento. Mais uma vez, a Torre foi um dos mais importantes ativos do rei. Os londrinos temiam que ele a usaria para dominá-los, mas ao final, a Torre foi vencida pelos parlamentaristas, permanecendo em suas mãos pelo resto da guerra civil. A perda da Torre e de Londres foi um golpe fatal às forças do rei e um fator crucial para a sua derrota.
Face sul da Waterloo Barracks (Quartel Waterloo) |
Após a execução de Charles I, o Parlamento organizou uma grande venda das posses do rei, através da fundição do ouro e prata das ‘Joias da Coroa’ e venda das joias para o bem da riqueza da Nação. Cromwell, então ‘Lorde Protetor’, instalou a primeira guarnição permanente da Torre, que os futuros monarcas usaram para subjugar problemas na cidade.
Com a restauração da monarquia em 1660, Charles II planejou ambiciosas defesas para a Torre, que nunca foram construídas. O seu uso como prisão declinou e tornou-se o quartel-general do arsenal da Inglaterra; a maior parte do castelo foi tomada por munições e escritórios. As novas ‘Joias da Coroa’ foram expostas e, em 1671, por pouco escaparam de ser roubadas.
O Duque de Wellington foi o guardião da Torre de 1826 á 1852 e sob a sua rígida liderança o fosso, cada vez mais fétido e lodoso, foi drenado e convertido em vala seca. O grande depósito foi destruído pelo fogo em 1841 e o Duque providenciou a limpeza do entulho e iniciou os trabalhos de imensas barracas para acomodar cerca de mil homens. Em junho de 1845 o Duque deitou a pedra de fundação do Waterloo Barracks (Quartel Waterloo) nomeado da Batalha de Waterloo, sua maior vitória.
Mais defesas foram construídas, incluindo um enorme bastião de tijolo e pedra que acabou sucumbindo a uma bomba da Segunda Grande Guerra. Foi também no início do século XIX que muitas das instituições históricas da Torre a deixaram. A Casa da Moeda foi a primeira a sair do Castelo, em 1812, seguida do mini zoo em 1830, que cresceu para dar origem ao Zoo de Londres. O Arsenal deixou a Torre em 1855 e, finalmente, o Arquivo foi relocado em 1858.
Um interesse crescente, na história e arqueologia da Torre, conduziu a um processo de recondução à era medieval, numa tentativa de remover escritórios, despensas, tavernas e quarteis de má aparência, bem como restaurar as fortalezas à sua aparência original.
Na década de 1850, o arquiteto Anthony Salvin, figura de proa na restauração gótica, foi encarregado da restauração da fortaleza para um estilo mais medieval, tornando-a mais agradável ao olho – e à imaginação – Victoriana. Primeiro ele transformou a Torre Beauchamp para torna-la adequada à exposição pública dos grafites dos prisioneiros, refazendo as paredes exteriores e substituindo janelas, caixilhos e ameias. Encomendas adicionais incluíram a restauração da Torre Salgada (completada em 1858) e alterações na Capela Saint John na Torre Branca, em 1864. Salvin restaurou a Torre Wakewfield de forma a poder abrigar as ‘Joias da Coroa’, que lá permaneceram até 1967, construindo também a ponte que a ligou à Torre Saint Thomas, para que o ‘Guarda da Casa das Joias’ pudesse morar lá.
Torre Branca (século XI), peça central da Torre de Londres |
Na busca do perfeito castelo medieval, seu sucessor, John Taylor, controversamente destruiu importantes prédios originais para criar uma vista desimpedida da Torre Branca e para construir uma nova muralha sul interna ao lado do velho palácio medieval.
O número de visitantes cresceu dramaticamente no século XIX. Turistas privilegiados, que pagavam por um passeio com guia, desde 1590, ou apenas gente comum que deseja passar um dia na Torre, pode visita-la. Em 1838, três das velhas gaiolas de animais do mini zoo foram usadas para fazer uma bilheteria na entrada leste, onde os visitantes podiam comprar refrescos e um guia da Torre. Ao final do reinado da rainha Victória, em 1901, mais de meio milhão de pessoas visitavam a Torre em cada ano.
A partir do século XVIII, praticamente, só foram realizados trabalhos de manutenção na Torre; grandes esforços foram despendidos para evitar o assoreamento do fosso, com pouco sucesso. Apenas um portão de acesso e uma ponte levadiça foram construídos na extremidade leste da muralha externa sul, em 1774, dando acesso do pátio externo para o cais
Na Primeira Grande Guerra, entre 1914 e 1916 vários espiões foram presos e posteriormente executados na Torre de Londres. A última execução na Torre foi a do espião nazista Josef Jakobs, em 1941, preso quando saltava de paraquedas para penetrar território inglês, munido de libras e documentos falsos. No mesmo ano, Rudolf Hess, o vice de Hitler, esteve preso na Torre por curto período de tempo, após saltar de paraquedas na Escócia, numa tentativa de obter um tratado de paz. Durante a Segunda Grande Guerra os danos de bombardeios foram consideráveis e várias instalações foram destruídas, inclusive o Bastião Norte, do meio do século XIX, diretamente atingido em outubro de 1940. Durante esse período o fosso foi usado para cultura de vegetais e distribuição de alimentos; as Joias da Coroa haviam então sido transferidas para um local seguro.
Um 'Yeoman Warder' no seu uniforme diário |
Hoje a Torre é uma das maiores atrações turísticas do mundo e um “Local de Herança Mundial”, atraindo mais de dois milhões de visitantes de todo o mundo. Uma equipe de conservadores de prédios mantêm a estrutura da Torre. Entre 2008 e 2011, eles desenvolveram obras importantes na Torre Branca, limpando o exterior e removendo a poluição que estragava o prédio.
Os antigamente tão famosos “Vigias do Rei” (The Yeomen Warders), guardas cerimoniais da Torre de Londres, responsáveis pela guarda dos prisioneiros e salvaguarda das “Joias da Coroa”, atuam hoje, na prática, como guias turísticos e são uma atração turística a parte, sendo comum e popularmente conhecidos como “Beefeaters” (Comedores de Carne). Quando na Inglaterra, em 1972-1973, realizando estágio técnico na minha área de especialização, fiquei muito curioso sobre tal designação e fui buscar uma explicação para ela. Na verdade, o nome “Beefeater” é de origem incerta, com várias propostas. A mais provável proposta vem do direito que possuíam “The Yeomen of the Guards” de comer tanta carne quanto quisessem, da mesa do rei. Conde Cosimo, Grande Duque da Toscana, frequentou a corte em 1699 e ao referir-se aos “The Yeomen of the Guards”, ele disse: “Uma enorme ração de carne é diariamente dada a eles na corte ... de forma que eles podem ser chamados beef-eaters.”
Após tantos anos de existência e ter assistido a tantas aventuras e desventuras, hoje a Torre de Londres apresenta a fascinação de séculos passados, com a história turbulenta, e algumas vezes chocante, da Inglaterra e de seus Monarcas.
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