Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 (Parte 1)

I - INTRODUÇÃO

Claro que todos já ouvimos falar muito sobre a revolução comunista na Rússia, sobre a “auto antropofagia” que lá ocorreu durante muitos anos da história daquele povo e já lemos alguns livros sobre os acontecimentos que se seguiram durante ou imediatamente após aquela revolução – entre eles o “Doutor Jivago”, de Boris Pasternak, “Um Dia Na Vida de Ivan Denisovich” e o “Arquipélago Gulag”, ambos de Alexandr Solzhenitsyn, prêmio Nobel de Literatura de 1970. Entretanto, eu nunca havia lido nada histórico, sobre a Revolução Comunista de 1917, seus antecedentes, suas dissidências, grupos antagônicos que dela participaram, a brutal ditadura de Stalin e as suas consequências para o povo russo e a humanidade, de uma forma geral. Por outro lado, me orgulho de dizer que li, para conhecer as duas faces da moeda e por isso não poder ser acusado de desconhecer, os livros que mais difundiram a doutrina comunista/socialista, tidos como bandeiras de glória por todos aqueles que a professam, tais como “O Capital” de Karl Marx, “O Manifesto Comunista” de Karl Marx e Friedrich Engels, “O Contrato Social” de Jean Jacques Rousseau, entre outros.
Por essa razão, resolvi realizar uma pesquisa sobre o assunto e fazer uma postagem, apenas baseado em alguns dos documentos existentes, já que a documentação completa é praticamente inexaurível e o assunto extremamente controvertido. É preciso entender que a Revolução Russa de 1917 foi um acontecimento capital na História do Século XX e, apesar de o mundo socialista por ela criado haver desmoronado ao final do período, aquele evento exerceu, sem dúvida, uma extraordinária influência na vida de centenas de milhões de seres humanos. A revolução, em si, terminou em 1917, mas foram tantos os seus desdobramento e consequências dramáticas que a sucederam, que vamos prolongar a nossa pesquisa até o final da Era Stalin, último revolucionário a exercer o poder na então União Soviética. Com isso consideraremos cumprida a árdua tarefa.
Entretanto, é impossível analisar tal assunto, sem antes apresentar uma breve história da Rússia pré-revolução, para que os leitores possam melhor entender as razões que conduziram a tão sangrento e injusto evento, embora possam nunca entender a injustificável matança ocorrida durante os primeiros 40 anos do governo socialista na Rússia pós revolução.

II - ORIGENS DA RÚSSIA

Mapa político da Rússia atual, ou Federação Russa
A Rússia atual, oficialmente Federação Russa ou Federação da Rússia, após a desintegração da União Soviética, em 1991, é um país localizado no norte da Eurásia (conjunto formado pela Europa e Ásia). Faz fronteira com os seguintes países (de noroeste para sudeste): Noruega, Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia (através da província de Kaliningrado), Bielorrússia, Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão, China, Mongólia e Coreia do Norte. Faz também fronteiras marítimas com o Japão (pelo Mar de Okhotsk) e com os Estados Unidos (pelo Estreito de Bering). Com 17.075.400 quilômetros quadrados, a Rússia é o país com maior área do planeta, cobrindo mais de um nono da área terrestre. A Rússia também é o nono país mais populoso, com 142 milhões de habitantes.
A história do país começou com os eslavos do Leste, que surgiram como um grupo étnico reconhecido na Europa entre os séculos III e VIII da era Cristã. Fundado e dirigido por uma classe nobre de guerreiros vikings e pelos seus descendentes, o primeiro Estado Eslavo do Leste, o Principado de Kiev, surgiu no século IX e adotou o cristianismo ortodoxo, do Império Bizantino, em 988, dando início à síntese das culturas bizantina e eslava que definiram a cultura russa. O Principado de Kiev finalmente se desintegrou e suas terras foram divididas em muitos pequenos estados feudais. O estado sucessor do Principado de Kiev foi Moscóvia (Moscou), que serviu como a principal força no processo de reunificação da Rússia e na luta de independência contra a Horda de Ouro (o mais duradouro reino do Império Mongol). Moscóvia gradualmente reunificou os principados russos e passou a dominar o legado cultural e político do Principado de Kiev. Sob a liderança de Ivan III, o Grande, Moscou venceu os tártaros em 1480, na Batalha do Rio Ugra, livrando-se enfim de 240 anos do jugo tártaro-mongol e, praticamente fundando o Império Russo, maior império e maior estado nacional de todos os tempos, em área.
Sob o reinado de Ivan IV, o Terrível, oficialmente coroado o primeiro czar[1] da Rússia, em 1547, vários territórios e os canatos[2] de Astrakhan e Kazan foram reconquistados aos tártaros e anexados ao nascente Império Russo. Ivan IV criou uma Rússia multicultural e multireligiosa, mas foi sempre lembrado pelas atrocidades cometidas durante sua época. 
Czar Pedro I da Rússia, início Dinastia Romanov
É com a Dinastia Romanov (iniciada em 1613) que se inicia o grande processo de "imperialização" da Rússia. Pedro, o Grande, ou Pedro I da Rússia, derrotou a Suécia na Grande Guerra do Norte forçando o inimigo a ceder partes do seu território. E é na Íngria[3] que se forma uma nova capital: São Petersburgo (em homenagem a São Pedro).
Com as ideias do Oeste Europeu, Pedro I faz evoluir a Rússia que antes se encontrara numa situação de pobreza extrema e prepara o caminho para o auge do país. O território do império aumenta e, em 1648, o líder cossaco Semyon Dezhnyov descobre o estreito que separa a América da Ásia: o atual Estreito de Bering. Nasce assim o maior império da história da Rússia. O Império Russo, termo geralmente utilizado para se referir ao período de tempo que começa com a expansão iniciada por Pedro I, até o reinado de Nicolau II, deposto pelas revoluções de 1917, expandiu-se até o Oceano Pacífico entre os séculos XVII e XIX.
A czarina Catarina, a Grande, continuou o trabalho de Pedro, derrotando a Polônia e anexando a Bielorrússia e a Ucrânia - outrora o principado de Kiev. Catarina assina um acordo com o reino da Geórgia de modo a evitar invasões do império turco – a Geórgia passa a ser protegida militarmente pela Rússia.
Durante o século XVIII, o país teve grande expansão através da conquista, anexação e exploração de territórios, tornando-se o Império Russo, que foi o terceiro maior império da história e se estendia da Polônia, na Europa, até o Alasca, na América do Norte.
Em 1812, quando a Rússia se achava sob o governo de Alexandre I, o exército de Napoleão entra em Moscou, mas vê-se forçado a abandoná-la, pois a encontra vazia e sem mantimentos com a retirada do exército russo. O frio e a falta de recursos foram responsáveis pela morte de 95% das tropas francesas. Durante o regresso de Napoleão à França, os russos perseguiram-no até Paris, trazendo para o império as ideias liberais que estavam em marcha na França e na Europa Ocidental. Ainda durante a perseguição de Napoleão, a Rússia conquista a Finlândia e a Polônia. O golpe final sobre Napoleão foi dado em 1813 quando o império e os seus aliados – austríacos e prussianos - venceram as forças de Napoleão na batalha de Leipzig. 
Alexandre II, o czar modernizador da Rússia
A ascensão de Nicolau I (1825-1855) que travara o desenvolvimento da Rússia em meados do século XIX, principalmente devido à lei da servidão, obrigando os camponeses a lavrar as terras sem possui-las, é compensada por seu sucessor, Alexandre II (1855-1881), que cria reformas que vão fazer com que a Rússia consiga um maior desenvolvimento.
Alexandre II tinha consciência da necessidade de promover reformas modernizadoras no país, para aliviar as tensões sociais internas e transformar a Rússia num Estado mais respeitado internacionalmente. Com sua política reformista, Alexandre II realizou a abolição da servidão agrária, beneficiando cerca de 40 milhões de camponeses que ainda permaneciam submetidos ao mais cruel sistema de exploração; desenvolveu o ensino elementar e a concessão de autonomia acadêmica às universidades; concedeu maior autonomia administrativa aos diferentes governos das províncias.
Mesmo sem provocar alterações significativas na estrutura social existente na Rússia, a política reformista do czar encontrou forte oposição das classes conservadoras da aristocracia, extremamente sensíveis a quaisquer perdas de privilégios sociais em favor de concessões ao povo. Por isso, apesar das medidas reformistas, o clima de tensão social aumentava entre os setores populares. A terra distribuída aos camponeses era insuficiente, fortemente concentrada nas mãos de uma aristocracia latifundiária, a quem faltavam recursos técnicos e financeiros para modernização da agricultura. O resultado era a baixa produtividade agrícola, que provocava frequentes crises de abastecimentos alimentares, afetando tanto os camponeses como a população urbana. Em 1881, Alexandre II foi assassinado por um dos grupos de oposição política (os Pervomartovtsky) que lutavam pelo fim da monarquia vigente, responsabilizada pela situação de injustiça social existente.
Ao final do século XIX o tamanho do Império era cerca de 22.400.000 km2, abrangendo vastas áreas da Europa Oriental e do norte e centro da Ásia. Seus limites eram o Oceano Ártico, ao norte, o Cáucaso e as fronteiras com a Pérsia e o Afeganistão, ao sul, o Oceano Pacífico e as fronteiras com a China, Coreia e Japão, a leste, e os Montes Cárpatos, onde fazia fronteira com a Alemanha e a Áustria -Hungria, a oeste. O Império Russo ainda chegou a contar com um território na América, o Alasca, que foi vendido aos Estados Unidos, em 1867. Em seu apogeu, o Império Russo incluía, além do território russo atual, os estados bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia), a Finlândia, o Cáucaso, Ucrânia, Bielorrússia, boa parte da Polônia (antigo reino da Polônia), Moldávia (Bessarábia) e quase toda a Ásia Central. Também contava com zonas de influência no Irã, Mongólia e norte da China. Em 1914, o Império Russo estava dividido em 81 províncias (guberniyas) e 20 regiões (oblasts). Vassalos e protetorados do Império incluíam os canatos de Khiva e Bukhara e, após 1914, Tuva.
Com o assassinato de Alexandre II, as forças conservadoras russas uniram-se em torno do novo czar, Alexandre III, que retomou o antigo vigor do regime monárquico absolutista. Concedeu grandes poderes à polícia política do governo (Okhrana), que exercia severo controle sobre os setores educacionais, imprensa e tribunais, além dos dois importantes partidos políticos, Narodnik e o Partido Operário Social Democrata Russo, de ideologia marxista, que queriam acabar com a autocracia e passaram a atuar na clandestinidade. Embora desarticulado dentro da Rússia em 1898, voltou a organizar-se no exterior, tendo como líderes principais Gueorgui Plekhanov, Vladimir Ilyich Ulyanov (de codinome Lenin) e Lev Bronstein (conhecido como Trotsky).
Impedidos de protestar contra a exploração de que eram vítimas, camponeses e trabalhadores urbanos continuaram sob a opressão da aristocracia agrária e dos empresários industriais, celeiro dos futuros oficiais do exército russo e membros da Igreja Ortodoxa Russa. Estes, associando-se a capitais franceses, impulsionavam o processo de industrialização do país. Apesar da repressão política comandada pela Okhrana, as ideias socialistas eram introduzidas no país por intelectuais preocupados em organizar a classe trabalhadora.
Alexandre III faleceu em 1894 e foi sucedido por Nicolau II, que procurou facilitar a entrada de capitais estrangeiros para promover a industrialização do país, principalmente da França, da Alemanha, da Inglaterra e da Bélgica, que ocorreu posteriormente à maioria dos países da Europa Ocidental. O desenvolvimento capitalista russo foi ativado por medidas como o início da exportação do petróleo, a implantação de estradas de ferro e da indústria siderúrgica.
Os investimentos industriais foram concentrados em centros urbanos populosos, como Moscou, São Petersburgo, Odessa e Kiev. Nessas cidades, formou-se um operariado de aproximadamente 3 milhões de pessoas, que recebiam salários miseráveis e eram submetidas a jornadas de 12 a 16 horas diárias de trabalho, não recebiam alimentação e trabalhavam em locais imundos, sujeitos a doenças. Nessa dramática situação de exploração do operariado, as ideias socialistas encontraram um campo fértil para o seu florescimento. E Nicolau II viria a ser o Czar da Revolução Comunista, sendo deposto e morto, com o seu advento.

[1] Czar, tsar ou tzar foi o título usado pelos monarcas do Império Russo entre 1546 e 1917. Foi adotado por Ivan IV da Rússia como um símbolo da natureza da monarquia russa. O termo "tsar" ou "czar", tal como o alemão kaiser, tem a sua origem na palavra latina Caesar, título adotado pelos imperadores romanos.
[2] Canato, Canado ou Khanato era um ente político governado por um Khan, que em mongol e em turco, significa "líder tribal" ou senhor de um território; ou seja um principado, reino ou mesmo um império.
[3] A Íngria é uma região histórica, cuja maior parte encontra-se, atualmente, localizada na Rússia, compreendendo a área ao longo da bacia do rio Neva, entre o Golfo da Finlândia, o rio Narva, o lago Peipsi no Oeste, e o lago Ladoga e a planície pantanosa ao sul deste, no leste. Historicamente a Íngria foi povoada pelos povos fínicos (da Finlândia) dos izorianos, vótios (os povos nativos da Íngria) e mais tarde também pelos finlandeses da Íngria e estonianos. Foi russificada na década de 1930.

Prossegue com a Parte 2.

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