Como muitos já devem
saber, cheguei com a família, em Florianópolis, em dezembro de 1976, há quase
38 anos atrás. E, para não quebrar a regra, nunca tive a menor pressa em
conhecer a Ilha da Magia, justamente por saber que, não estando como turista,
teria a vida inteira para desbravar as suas belezas. E é bem aí que reside o
engano do habitante, pois acaba por ir postergando muitos dos passeios e,
quando se dá conta, passaram-se 38 anos e ele ainda não viu tudo o que havia
para ver.
Pois bem, no dia passado 21 de agosto deste ano da Graça, fui conhecer a
última das praias da ilha, que ninguém sabe ao certo dizer quantas são, visto
que algumas delas são subdivididas em duas e até três quando, fisicamente, é
fácil constatar que é somente uma e mesma praia. Sem querer aqui polemizar,
encontrei uma lista da Wikipédia que relaciona as 43 (quarenta e três) praias do Município de Florianópolis. A praia
a que me refiro é a Praia da Lagoinha e o título do meu texto nada tem a ver
com a sua posição geográfica na ilha, nem com a sua importância como balneário,
mas refere-se, tão somente, àquela que fui conhecer após ter conhecido todas as
demais.
A Praia da Lagoinha
é, realmente, a última da extremidade norte da Ilha, a 34 km do centro da
cidade e tem apenas 800 metros de extensão, uma faixa de areia que varia com a
maré, de 12 a 35 metros, com um mar ainda tranquilo – pois que se encontra numa
baía bastante fechada protegida por costões - de águas muito claras, já quase
faceando o “mar bravo”, como dizem os ilhéus. Localizada entre as Praias de
Ponta das Canas, a oeste, e Praia Brava, a leste, abriga uma tradicional
colônia de pescadores, mas tornou-se, com a chegada da “civilização”, quase que
uma praia particular dos condomínios e casas luxuosas que inibem em muito o
acesso ao mar. Na sua extremidade leste, um pequeno rio lança suas águas ao
mar; periodicamente, sua foz é assoreada pelas areias do mar, bloqueando o seu
escoamento e formando a pequena lagoa de água doce que dá nome à praia. A
primeira foto, acima, emprestada do Google Maps, mostra a Ilha de Santa
Catarina, com o Norte para a esquerda, onde pode-se ver a Praia da Lagoinha. Na
segunda foto (abaixo), da mesma fonte, já com o norte orientado para cima,
podemos ver a Praia da Lagoinha, entre as praias de Canasvieiras, Cachoeira do
Bom Jesus e Ponta das Canas, a oeste, e Praia Brava e início da Praia dos
Ingleses, a leste. A foto seguinte, mais abaixo, ainda da mesma fonte, ampliada,
mostra a Praia da Lagoinha em detalhe, que permite ver alguns dos seus
condomínios, as acessos e o pequeno rio que nela deságua, em sua extremidade
leste.
O povoamento da Praia
da Lagoinha teve início por colônias de pescadores, pois o mar, aberto para o
norte, propicia a entrada das tainhas; como o mar apresenta ondas suaves, não é
difícil para os barcos, quebrarem a arrebentação, tornando-a um ambiente
bastante favorável à pesca. Algumas atividades agrícolas também integravam o
modo de vida dos primeiros habitantes, tendo como exemplo o cultivo da
mandioca, milho e café. Até hoje a área permanece como núcleo pesqueiro, embora
a quantidade e qualidade dos frutos do mar tenha se reduzido drasticamente. Os
poucos peixes e crustáceos retirados do mar vão direta e rapidamente
transportados aos pouco restaurantes e hotéis dispostos à beira da praia, onde
pratos típico, com ingredientes frescos, podem ser degustados à moda típica da
cultura pesqueira açoriana, como a tainha frita, o peixe grelhado e o pirão.
Na oportunidade em
que fomos conhecer a praia da Lagoinha, tiramos algumas fotos que aproveito
para incluir nesta postagem. A primeira delas, abaixo, mostra uma montagem para reproduzir a
extremidade leste, já com a “civilização” invadindo os costões. A foto seguinte, mais abaixo, mostra a extremidade oeste da Praia da Lagoinha.
No retorno para casa,
testemunhamos e protagonizamos um evento “sui-generis”, que faço questão de
incluir na postagem, por ser demais ilustrativo da evolução da fauna marítima
da Ilha. Passando em frente a uma placa na beira da estrada, no caminho de
Praia da Lagoinha para Ponta das Canas, que oferecia “Camarões Frescos e
Vivos”, paramos para tentar comprar alguns camarões. O proprietário da casa, o
Sr. Francisco, muito atencioso e gentil, nos conduziu para mostrar um enorme
recipiente de isopor, repleto de camarões e gelo fundente. Os camarões eram
enormes, e seu aspecto e a total ausência de aroma, dispensavam totalmente a
pergunta sobre a qualidade dos camarões, mormente para quem viveu na ilha
durante 38 anos.
A curiosidade sobre o
tamanho dos camarões, entretanto, me levou a perguntar ao Sr. Francisco, sobre
a sua origem, ao que ele me respondeu, com uma inacreditável e simplista
honestidade: do Rio Grande do Norte, Natal! Eu não podia acreditar no que
estava escutando e coloquei mais algumas perguntas sobre os antigos camarões da
Lagoa da Conceição, Barra da Lagoa e outros pontos conhecidos da Ilha, e mesmo de
Laguna.
Não houve jeito de alterar a resposta do Sr. Francisco, que afirmou,
categoricamente, não haver mais camarão da Ilha ou mesmo de Laguna,
complementando que a Lagoa da Conceição ainda produzia uns poucos camarões, consumidos
pelos restaurantes à sua volta e que os de Laguna mal eram suficientes para o
abastecimento daquela região costeira do estado; porém, todos os demais vinham
do Rio Grande do Norte. E eu, tristemente, retornei ao passado, para mim ainda
tão vivo e recente de 1977, quando chegava a SC, em que um funcionário do
extinto DNOS, onde eu exercia as minhas funções, saía à noite, armado de sua
redinha (coca) e do liquinho (lampião a gás), em direção à Lagoa da Conceição,
como “hobby”, para retornar algumas horas depois com cerca de dez quilos de
maravilhosos camarões! Ou quando em nossas viagens a serviço, na região de
Tubarão, Laguna e Imbituba, ao retornar fazíamos uma breve parada na Caputera,
para comprar a baixos preços, quilos e mais quilos de pura carne de siri que
eram apanhados no complexo lagunar de Mirim, Imaruí e Santo Antônio, naquela
região. Quanta diferença faz a “civilização”, num curto espaço de menos de 40
anos! E imaginei a cena inusitada, de alguém observando, em Natal, no Rio
Grande do Norte, o embarque dos famosos camarões em caminhões frigoríficos, a
perguntar: “Para onde estão indo esses camarões?” E a resposta do encarregado:
“Para Florianópolis, SC” E o primeiro, incrédulo: “Para Florianópolis? Para
aquela ilha no sul do país, totalmente cercada por água do mar, a quase 6.000
km de distância?” Coisas desse nosso Brasil!
Para encerrar, um lindo entardecer na última praia da Ilha.
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