I - INTRODUÇÃO
Custei, mas aprendi, por conta mesmo de muitas das postagens aqui colocadas, sobre a necessidade do conhecimento das civilizações que, segundo os grandes mestres da História, são consideradas como as primeiras da humanidade, aquelas a partir das quais todas as demais se desenvolveram ou profundamente sofreram a sua influência. Tais civilizações foram responsáveis por toda a sequência de acontecimentos mundiais que as sucederam e, por isso mesmo, são frequentemente citadas em todas as informações disponíveis. Por essa razão, frequentemente somos obrigados a realizar alguma incursão sobre uma ou mais delas, para que os nossos leitores – os que ainda não conhecem o assunto – fiquem também a par dessas informações.
Lembro aos leitores que, neste artigo, estaremos falando sobre as primeiras civilizações e não sobre os primeiros homens ou humanoides sobre a terra - questão ainda bem mais complexa de resolver, dados os vários aspectos religiosos e científicos envolvidos -, provavelmente surgidos na África, cerca de 250.000 AC. Todos possuímos alguma ideia sobre o significado da palavra “civilização”, um conceito relacionado a uma sociedade complexa e avançada, como a atual sobre a Terra, mas também a culturas antigas que floresceram há milênios atrás, nos deixando um fantástico legado. Will Durant, em sua “História da Civilização”, define tal conceito como: “Ordem Social na promoção da criação de cultura”; e junta os quatro elementos que constituem uma civilização: “disposição econômica, organização política, tradições morais e a busca do conhecimento e das artes”. Acrescenta um ponto importantíssimo ao dizer que “a civilização começa aonde o caos e a insegurança começam, pois quando o medo é dominado, a curiosidade e a construção são livres e o homem passa, pelo impulso natural em direção ao entendimento e ao embelezamento da vida”. Numa definição mais palpável, Xavier Bartlett, licenciado em História e Arqueologia pela Universidade de Barcelona, diz que “civilização, num amplo sentido, denota um conjunto de ideias, conhecimentos, valores, instituições e empreendimentos de uma sociedade em um dado instante”.
É nesse contexto que, tentando resolver a nossa situação, de uma vez por todas, decidimos tomar coragem, realizando a pesquisa e publicando a presente matéria, que tem como objetivo a descrição das três primeiras grandes civilizações da Terra: Mesopotâmia, Egito e Vale do Indo.
Lembro aos leitores, como reforço à importância do tema, a frequência com que certas cidades, personagens e fatos ocorridos nessas civilizações, são mencionados no livro mais importante do mundo, o Antigo Testamento da Bíblia. Certamente, de posse desses conhecimentos, poderemos entender bem melhor a leitura do Livro Sagrado.
Entretanto, antes de iniciar o desenvolvimento dos objetivos específicos a que nos propomos, vejo importante que façamos, pelo menos, uma introdução ao sistema arqueológica de idades, muito necessário ao perfeito entendimento do estudo das grandes civilizações primitivas, como segue.
II - SISTEMA ARQUEOLÓGICO DAS TRÊS IDADES
O sistema das três idades, em arqueologia e antropologia física, é a classificação da pré-história[1] humana em três períodos de tempo consecutivos, designados por suas respectivas tecnologias de confecções de ferramentas:
• Idade da Pedra (grosseiramente 3,4 milhões de anos atrás, até 6.000 a 2.000 AC)
• Idade do Bronze (3.300 A.C – 1.200 A.C)
• Idade do Ferro (1.200 AC – 200 D.C)
É temerário - e de pouco valor cronológico - querer definir com precisão inícios e finais das várias eras, pois está mais do que provado que elas não iniciaram ou acabaram simultaneamente em todo o mundo As datas e contextos variam muito, dependendo da região e tal sequência de eras não é necessariamente verdadeira para cada parte da superfície terrestre. Há áreas, como ilhas do Pacífico Sul, interior da África e partes da América do Norte e do Sul, onde os povos passaram diretamente do uso da pedra para o uso do ferro sem uma era intermediária do bronze. Muito próximo de nós, temos o caso do Brasil, que se encontrava, certamente, na Idade da Pedra quando os navegadores portugueses aqui chegaram, com todo o conhecimento da passagem da Idade Média para o Renascimento europeu, que incluía o uso das armas de fogo; nossos índios ficaram, portanto, muito longe de conhecerem toda a transição pelas várias eras.
O conceito da divisão das eras pré-históricas, em um sistema baseado nos metais, estende-se até a antiga história europeia, mas o presente sistema arqueológico das três eras principais – pedra, bronze e ferro – origina-se do arqueólogo dinamarquês Christian Jurgensen Thomsen (1788–1865), que colocou o sistema em bases mais científicas, por estudos tipológicos[2] e cronológicos, inicialmente de ferramentas e outros artefatos presentes no Museu das Antiguidades do Norte, em Copenhague (mais tarde Museu Nacional da Dinamarca). Posteriormente ele utilizou artefatos e relatórios de escavação publicados ou a ele enviados por arqueólogos que faziam escavações controladas. Sua posição como curador do museu deu-lhe visibilidade suficiente para tornar-se altamente influente na arqueologia dinamarquesa.
A partir do exame dos artefatos do Museu e relatórios das modernas escavações, Thomsen mostrou que o material poderia ser classificado em tipos e que esses tipos variavam no tempo de forma a correlaciona-los com a predominância de implementos e armas de pedra, bronze e ferro. Desta forma, ele transformou o Sistema de Três Eras, de um esquema evolucionário, baseado na intuição e no conhecimento geral, em um sistema de cronologia relativa apoiado por evidência arqueológica. Tal como desenvolvido por Thomsen e seus contemporâneos na Escandinávia, esse sistema foi inicialmente enxertado na cronologia bíblica. Mas, durante os anos de 1830 eles alcançaram independência das cronologias textuais e confiaram principalmente na tipologia e estratigrafia[3].
Arranjando o material da coleção cronologicamente, Thomsen mapeou as espécies de materiais que ocorriam simultaneamente nos depósitos e quais não, pois que tais arranjos lhe permitiriam discernir tendências exclusivas a certos períodos. Desta forma ele descobriu que ferramentas de pedra não apareciam junto com ferramentas de bronze e ferro nos depósitos mais antigos e que ferramentas de bronze não foram encontradas com ferramentas de ferro, de forma que três períodos podiam ser definidos pelos três materiais disponíveis, pedra, bronze e ferro.
Essa análise, que enfatizava a ocorrência simultânea e a atenção sistemática ao contexto arqueológico, permitiu a Thomsen construir uma estrutura cronológica dos materiais da coleção e classificar novos achados em relação à cronologia estabelecida, mesmo sem muito conhecimento da sua origem. Desta forma, o sistema de Thomsen era realmente um sistema cronológico e não um sistema evolucionário ou tecnológico.
Por 1831 Thomsen estava tão certo da utilidade do seu método que fez circular um panfleto “Artefatos Escandinavos e sua Preservação”, aconselhando arqueólogos a observar o maior cuidado em anotar o contexto de cada artefato; tal panfleto teve efeito imediato. Resultados reportados a ele confirmaram a universalidade do Sistema das Três Eras. Thomsen já tinha uma reputação internacional quando, em 1836, a Real Sociedade de Antiquários do Norte publicou a sua contribuição ilustrada no “Guia da Arqueologia Escandinava” em que ele expunha a sua cronologia com comentários sobre tipologia e estratigrafia.
Thomsen foi o primeiro a perceber tipologias de objetos de túmulos, tipos de túmulos, métodos de enterro, motivos cerâmicos e decorativos, bem como designar esses tipos a camadas encontradas em escavações. Seus aconselhamentos pessoais e publicados, relativos a métodos de escavação, a arqueólogos dinamarqueses, produziram resultados que comprovaram, empiricamente, o seu sistema, colocando a Dinamarca na vanguarda da arqueologia europeia por uma geração, pelo menos.
Desde 1836 o seu sistema tem sido expandido por subdivisões de cada era e refinado por achados arqueológicos e antropológicos adicionais, além do concurso de outros arqueólogos e antropólogos que vieram após ele. As alterações mais importantes referem-se à subdivisão da Idade da Pedra em três períodos – Paleolítico, Mesolítico e Neolítico – e à subdivisão da Idade do Bronze em dois períodos – Idades do Cobre e do Bronze propriamente dita.
* A formação de estados se inicia durante o início da
Idade do Bronze no Egito e Mesopotâmia; durante o final da Idade do Bronze são
fundados os primeiros impérios.
Na próxima postagem, PARTE 2
TABELA RESUMIDA DO
SISTEMA DAS TRÊS ERAS
Era
|
Período
|
Ferramentas
|
Economia
|
Locais
de Moradia
|
Sociedade
|
Religião
|
Idade
da Pedra
|
Paleolítico
|
Ferramentas
e objetos manufaturados encontrados na natureza – porrete, clava, pedra
afiada, cutelo, machado, lança, arpão, agulha.
|
Caça
e coleta
|
Estilo
de vida móvel - cavernas, cabanas, em geral a beira de rios ou lagos
|
Um grupo de
coletores de plantas comestíveis e caçadores (25 a 100 pessoas)
|
Evidência
de crença no após vida apenas no Paleolítico Superior, marcado pela aparência
de rituais de enterro e adoração de ancestrais. Sacerdotes e servos de
santuários aparecem na pré-história.
|
Mesolítico
|
Ferramentas
empregadas em dispositivos compostos – arpões, arco e flecha. Outros
dispositivos tais como cestas de pesca e barcos
|
Caça
e coleta intensa, presa de animais selvagens e sementes de plantas selvagens
para uso doméstico e cultivo
|
Vilas
temporárias em locais oportunos para atividades econômicas
|
Tribos e bandos
|
||
Neolítico
|
Ferramentas
de pedra polida, dispositivos úteis no cultivo de subsistência e defesa – formão, enxada, arado, canga, gancho de
ceifa, tear, cerâmica e armas
|
Revolução
Neolítica – domesticação de animais usados na agricultura
e pastoreio, caça e pesca. Ferramentas de guerra.
|
Instalações
permanentes variáveis em tamanho, de vilas a cidades muradas, obras públicas.
|
Tribos
e formação de supremacias em algumas
sociedades Neolíticas do final do período
|
Politeísmo presidido pela deusa mãe.
|
|
Idade do Bronze
|
Idade do
Cobre
|
Ferramentas de cobre, roda de oleiro
|
Civilização
incluindo ofício e comércio
|
Centros
urbanos circundados por comunidades politicamente ligadas
|
Cidades-estados*
|
Deuses
étnicos, religião do estado
|
Idade do
Bronze
|
Ferramentas
de bronze
|
|||||
Idade do
Ferro
|
Ferramentas
de ferro
|
Economia
nacional presidida pelo governo
|
Cidades
ligadas por estradas, capital de cidade
|
Países,
impérios
|
Uma
ou mais religiões sancionadas pelo estado
|
[1] Pré-história (antes da história, ou antes do conhecimento adquirido pela investigação) é o período de tempo antes da que a história fosse registrada ou antes da invenção dos sistemas de escrita. Ela se refere ao período da existência humana antes da disponibilidade daqueles registros escritos com os quais começa a história registrada. Mais amplamente, pode se referir a todo o tempo entre o início da existência humana e a invenção da escrita.
[2] Na arqueologia, a tipologia é um método científico que estuda os diversos utensílios e outros objetos (cerâmicas, peças de metal, indústrias lítica e óssea, etc.) encontrados nas escavações, e que os agrupa e classifica segundo as suas características quantitativas (medidas) e qualitativas (morfologia, matéria-prima, técnicas de fabrico, etc.), com vista à sua repartição em classes definidas por tipos modelo.
[3] Estratigrafia é um ramo da geologia que estuda as camadas de rochas e a formação em camadas (estratificação). Ela é primariamente utilizada no estudo de rochas sedimentares e rochas vulcânicas em camadas. A estratigrafia inclui dois campos relacionados: estratigrafia litológica (lito estratigrafia) e estratigrafia biológica (bio estratigrafia).
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