Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

domingo, 23 de novembro de 2014

AS TRÊS PRIMEIRAS GRANDES CIVILIZAÇÕES MUNDIAIS: MESOPOTÂMIA (PARTE 03)

IV – MESOPOTÂMIA

A palavra Mesopotâmia, etimologicamente, origina-se do grego, com o significado de “(terra) entre rios”. Geograficamente é o nome da área do sistema fluvial dos rios Tigre e Eufrates, correspondente ao atual Iraque, a região nordeste da Síria, uma parte menor ao sudeste da Turquia e partes menores do sudoeste do Irã e do Kuwait. As duas figuras que seguem (Figuras 1 e 2) mostram a localização da Mesopotâmia; na primeira, a região da Mesopotâmia é mostrada em verde escuro, iniciando um pouco ao sul da Turquia e terminando no Golfo Pérsico; na segunda, de forma mais esquemática, em amarelo (dentro do rosa), pode-se ver a sua localização em relação aos países atuais da região.
Figura 1
Mesopotâmia é o nome de uma área - e não de um país -, que possuiu, durante diversas épocas, fantásticas cidades e mesmo regiões que, a seu tempo, foram sedes de importantes impérios ou ricas culturas que floresceram no Iraque antigo, tais como: Suméria, Akkadiana, Assíria, Babilônia e muitas outras cuja influência estendeu-se a países vizinhos, a partir de 5.000 AC. Ela tem sido chamada de “o berço da civilização” porque a agricultura (irrigada ou não), criação e domesticação de animais se desenvolveram lá, muito antes do que em qualquer outro lugar.
Figura 2
A região da Mesopotâmia costuma ser dividida em duas partes: a Mesopotâmia Superior ou Norte, também conhecida como Al-Jezirah (a ilha), é a área entre o Eufrates e o Tigre, desde suas nascentes até Bagdá; a Mesopotâmia Inferior ou Sul consiste do sul do Iraque, Kuwait e partes do Irã Ocidental. Até as conquistas muçulmanas, a área era designada por Mesopotâmia; após aquela data, palavras como Síria, Jezirah e Iraque passaram a ser utilizadas para designar a área.
Há pelo menos duas formas de estudar a civilização mesopotâmica: (1) apreciá-la no conjunto de toda a região; e (2) analisar individualmente os vários impérios que a dominaram ao longo da antiguidade e que, mesmo dominantes no todo, sempre tiveram ascensões e quedas. Nós vamos tentar um misto das duas coisas; faremos, inicialmente, uma exposição sobre os aspectos gerais da Mesopotâmia, não influenciados pelo governo da época, sempre que isso for possível; posteriormente, faremos uma breve descrição dos maiores impérios que dominaram a região, no que se refere às suas mais importantes especificidades, considerando que os aspectos gerais da região já terão sido descritos.

IV.1 - GEOGRAFIA

A Mesopotâmia abarca a área entre os rios Tigre e Eufrates, ambos com as nascentes nas montanhas da Armênia, na Turquia moderna, alimentados por numerosos tributários e drenando uma vasta região montanhosa. As rotas terrestres na Mesopotâmia usualmente seguem o Eufrates, já que as margens do Tigre são frequentemente íngremes e difíceis. O clima da região é semiárido, com uma vasta extensão desértica ao norte que cede lugar a uma região de pântanos, lagoas, alagadiços e margens de juncos, com 15.000 km2, ao sul. No extremo sul, o Tigre e o Eufrates se unem para despejar suas águas no Golfo Pérsico. Trata-se de um ambiente árido, com terras ao norte onde a agricultura é mantida apenas com água da chuva, até a área ao sul onde apenas a agricultura irrigada subsiste, a partir do lençol freático alto e das águas nivais dos altos picos das Montanhas Zagros (noroeste do atual Irã) e da Cordilheira Armênia. A utilidade da irrigação depende da habilidade em mobilizar mão de obra suficiente para a construção e manutenção de canais, o que, nos tempos primitivos, foi fator fundamental para os assentamentos urbanos e sistemas centralizados de autoridade política.
Por toda a região, a agricultura foi complementada pelo pastoreio nômade que criava ovelhas e cabras (e mais tarde camelos) com as pastagens marginais, nos meses secos de verão e nas terras de pastagens das orlas desérticas dos invernos úmidos. A área sempre foi muito carente em pedras de construção, madeira e metais preciosos e, historicamente, foi obrigada a fiar-se a um comércio de produtos agrícolas de longa distância para garantir tais itens de áreas externas. Nas áreas pantanosas do sul, uma complexa cultura de pesca sempre existiu desde tempos pré-históricos, adicionada ao caldo cultural.
Interrupções periódicas no sistema cultural ocorreram por várias razões. A demanda por trabalho, de tempos em tempos, conduziam a aumentos de população que beiravam os limites da capacidade ecológica; se um período de instabilidade climática seguisse, sobreviria o colapso do governo central e a ocorrência do declínio da população. Por outro lado, a vulnerabilidade a invasões militares por tribos das colinas marginais ou pastores nômades, conduziu a períodos de colapso no comércio e ao abandono dos sistemas de irrigação. Da mesma forma, as tendências centrípetas entre as cidades estados sempre significou que a autoridade central sobre toda a região, quando imposta, tendia a ser efêmera e o localismo fragmentava o poder em unidades regionais tribais ou ainda menores, tendências que persistem até hoje no Iraque.

IV.2 - HISTÓRIA

A pré-história do Antigo Oriente Próximo[1]  inicia no período do Baixo Paleolítico, mas a escrita iniciou com a pictografia no período Uruk IV (quarto milênio AC) e o registro documentado de eventos históricos reais – e a história antiga da Mesopotâmia inferior – começou no meio do terceiro milênio AC, com registros cuneiformes dos primeiros reis dinásticos, terminando ou com a chegada do Império Aquemênida[2]  no final do século VI AC, ou com a conquista árabe islâmica da Mesopotâmia e o estabelecimento do Califado ao final do século VII DC, a partir da qual a região passou a ser conhecida como Iraque. Durante este período a Mesopotâmia abrigou alguns dos mais altamente desenvolvidos e socialmente complexos estados do mundo. A região foi uma das quatro civilizações ribeirinhas onde a escrita foi inventada, junto com o vale do Nilo, no Egito, o Vale do Indo, no subcontinente indiano, e o vale do rio Amarelo, na China. A Mesopotâmia abrigou cidades historicamente importantes (Figura 3), tais como Uruk, Nippur, Níneve, Assur e Babilônia, bem como grandes estados territoriais, como a cidade de Eridu, o reino Akkadiano, a Terceira Dinastia de Ur e os vários impérios assírios.
Figura 3
Alguns dos importantes líderes da Mesopotâmia foram Ur-Nammu (rei de Ur), Sargão (que estabeleceu o império Akkadiano), Hammurabi (que estabeleceu o estado da Velha Babilônia), Ashur-Uballit II e Tiglath-Pileser I (que estabeleceram os impérios Assírios).



CRONOLOGIA (essa cronologia ficará bem clara quando chegarmos aos impérios da Mesopotâmia)

Pré e proto-história[3]
•             Neolítico A Pré-Cerâmico (10.000–8.700 AC)
•             Neolítico B Pré-Cerâmico (8.700–6.800 AC)
•            Culturas Hassuna (~6.000 AC–? AC), Samarra (~5.700 AC–4.900 AC) e Halaf (~6.000 AC–5.300 AC)
•            Período Ubaid (~5.900–4.400 AC)
     Período Uruk (~4.400–3.100 AC)
     Período Jemdet Nasr (~3.100–2.900 AC)
Início da Idade do Bronze
     Início do período Dinástico[4] (~2.900–2.350 AC)
     Império Akkadiano (~2.350–2.100 AC)
     Período Ur III (.2112–2.004 AC)
     Início do Reino Assírio (Séculos XXIV a XVIII AC)
Idade do Bronze Médio
     Babilônia Inicial (Séculos XIX a XVIII AC)
    Colapso da Primeira Dinastia Babilônica (Séculos XVIII a XVII AC): erupção Minóica[5].
    Erupção Minóica(cerca de 1.620 AC)
Final da Idade do Bronze
    Período Médio Assírio (Séculos XVI a XI AC)
    Império Assírio (cerca de 1.365 AC a 1.076 AC)
    Colapso da Dinastia Kassita na Babilônia (cerca de 1.595 AC a 1.155 AC)
    Colapso da Idade do Bronze (Séculos XII a XI AC)
Idade do Ferro 
    Estados regionais Novo-Hitita ou Siro-Hitita (Séculos XI a VII AC)
    Império Novo-Assírio (Séculos X a VII AC)
    Império Novo-Babilônio (Séculos VII a VI AC)
•      Antiguidade Clássica
    Babilônia Persa, Assíria Aquemênida (Séculos VI a IV AC)
    Mesopotâmia Selêucida (Séculos IV a III AC)
    Babilônia Antiga Pérsia (Séculos III A.C a III DC)
    Osroene (Séculos II AC a III DC)
    Adiabene (Séculos I a II DC)
    Hatra (Séculos I a II DC)
    Mesopotâmia Romana, Assíria Romana (Século II DC)
Final da Antiguidade
    Mesopotâmia Persa, Assíria Persa (Séculos III a VII DC)
    Conquista Árabe Muçulmana da Mesopotâmia (a partir do meio do Século VII DC)

IV.3 - LINGUA E ESCRITA

A primeira língua escrita na Mesopotâmia, foi sumeriana, embora dialetos semíticos[6]  também fossem falados originalmente. Subartuan, a linguagem dos Zagros, talvez relacionada à família de linguagem hurro-urartuana, aparece em nomes de pessoas, rios e montanhas e em vários ofícios. O akkadiano tornou-se a língua dominante durante os Impérios Akkadiano e Assírio, mas o sumeriano foi preservado para finalidades administrativas, religiosas, literárias e científicas. O aramaico, que já havia sido comum na Mesopotâmia, tornou-se então a língua da administração provincial do primeiro Império Novo Assírio e então do Império Aquemênida Persa. O akkadiano caiu em desuso, mas ele e o sumeriano ainda foram usados em templos durante alguns séculos. Os últimos textos akkadianos datam do final do século I DC.
No início da história da Mesopotâmia (pelo milênio IV AC), a escrita cuneiforme foi inventada para a língua suméria. Literalmente, “cuneiforme” significa em forma de cunha, devido à ponta triangular do buril usado para imprimir sinais na argila úmida. A forma padronizada de cada sinal cuneiforme parece ter sido desenvolvida de pictogramas. Os primeiros textos (sete placas arcaicas) vêm do templo E (palavra ou símbolo sumério para casa ou templo), dedicado à deusa Inanna (deusa do amor, fertilidade e da guerra), em Uruk (cidade da Mesopotâmia), de um prédio designado por Templo C por seus descobridores.
O primeiro sistema logográfico[7]  de escrita cuneiforme levou vários anos para dominar. Assim, somente um número limitado de indivíduos foi contratado como escribas para serem treinados no seu uso. Apenas após a disseminação da escrita silábica ter sido adotada, sob o governo de Sargão, porções significativas da população da Mesopotâmia se tornaram literatas. Arquivos maciços de textos foram recuperados dos contextos arqueológicos das escolas escribas da antiga Babilônia, pelas quais a arte da escrita foi disseminada.
Bibliotecas e templos do império babilônico proliferavam nas cidades; mulheres, como os homens, aprendiam a ler e escrever e para os babilônios semitas, isso envolvia o conhecimento da extinta linguagem suméria, além de um complicado e extensivo silabário. Um velho provérbio sumério afirmava que “aquele que quiser sobressair na escola dos escribas, deve levantar com a madrugada”.
Uma quantidade considerável de literatura babilônica foi traduzida de originais sumérios e a língua da religião e da lei, por muito tempo continuou a ser a velha linguagem da Suméria. Vocabulários, gramáticas e traduções foram compilados para o uso dos estudantes, bem como comentários sobre os textos antigos e explicações de palavras e frases obscuras. Os caracteres do silabário foram arranjados e nomeados e listas foram redigidas.
Muitos trabalhos literários babilônicos ainda são estudados hoje. Um dos mais famosos deles é o “Épico de Gilgamesh”, em doze volumes, traduzido do original sumério por Sin-liqe-unninni. Cada divisão contém a história de uma única aventura na carreira de Gilgamesh (de quem ainda falaremos). A história completa é um produto composto, embora provável que algumas das histórias sejam artificialmente conectadas à figura central.

IV.4 - RELIGIÃO E FILOSOFIA

A religião da Mesopotâmia foi a primeira a ser registrada. Os mesopotâmios acreditavam que a Terra era um disco plano, circundado por um imenso espaço vazio, com o céu acima. Acreditavam também que a água encontrava-se em todos os lugares e que o universo havia nascido desse enorme mar. Sua religião era politeísta e embora a crença geral, havia variações regionais. A palavra suméria para universo é an-ki, que se refere ao deus Na e à deusa Ki. Seu filho era Enlil, o deus do ar que acreditavam ser o deus mais poderoso, chefe do Panteon, equivalente aos posteriores Zeus grego e Júpiter romano. Os sumérios colocaram questões filosóficas, como: “Quem somos?”, “Como chegamos aqui?”. E deram respostas a essas questões como explicações fornecidas por seus deuses.
As origens da filosofia podem ser rastreadas à sabedoria da Mesopotâmia primitiva, que incorporava certas filosofias de vida, particularmente ética, nas formas de dialética, diálogos, poesia épica, folclore, hinos, letras, prosa e provérbios. O raciocínio e racionalidade babilônicos avançaram além da observação empírica. As primeiras formas de lógica foram desenvolvidas pelos babilônios, cujo pensamento era axiomático e comparável à “lógica ordinária” descrita por John Maynard Keynes. Tal lógica foi empregada, em alguma medida, à astronomia e à medicina babilônica.
O pensamento babilônico teve uma considerável influência na filosofia inicial grega e helenística, mormente no pensamento dos sofistas e na dialética e diálogos de Platão, bem como um precursor aos métodos de Sócrates; o filósofo jônico Tales, de Mileto, foi influenciado pelas ideias cosmológicas babilônicas.


[1] O termo “Antigo Oriente Próximo” usa uma distinção do século XIX entre “Oriente Próximo” e “Extremo Oriente” como regiões globais de interesse do Império Britânico, iniciada durante a Guerra da Crimeia. A última partição importante do oriente entre esses dois termos era corrente em diplomacia ao final do século XIX com os Massacres Hamidianos dos Armênios e Assírios pelo Império Otomano em 1894 – 1896 e a Guerra Sino-Japonesa de 1894-1895. Esses dois teatros de guerra eram descritos pelos estadistas e conselheiros do Império Britânico como “o Oriente Próximo” e o “Extremo Oriente”. Logo eles passaram a repartir o palco com o “Oriente Médio”, que prevaleceu no século XX e prossegue nos tempos modernos.

[2] Também chamado “Primeiro Império Persa, foi um império centrado na Ásia Ocidental, Irã, fundado no século VI AC, por Ciro, o Grande. O nome vem do rei Aquemenes, que governou a Pérsia entre 705 e 675 AC. Falaremos dele quando chegarmos ao final do Império Babilônico.
[3] A “Pré História” designa o período anterior à história escrita. A Proto-História refere-se ao period entre a pré-história e a história, durante o qual uma cultura ou civilização ainda não desenvolveu a escrita, mas outras culturas já havias notado a sua existência em seus próprios registros. Por exemplo, na Europa, as tribos Celtas e Germânicas podem ser consideradas terem sido proto-históricas quando começaram a aparecer nos textos gregos e romanos. Proto-histórico pode também se referir ao período de transição entre o advento da literatura numa sociedade e os escritos dos primeiros historiadores. Sítios coloniais envolvendo um grupo literato e outro iliterato, são também estudados como situações proto-históricas.
[4] A Dinastia implica numa sequência de governantes da mesma família, raça ou grupo, de que tivemos exemplos e ainda temos em algumas partes do mundo. Nesse caso, um período dinástico, significa dizer que, naquele período, começou a imperar uma dinastia. O governo de uma tal sequência chama-se também uma dinastia, da mesma forma, que uma série de membros de uma família que se distingue por seu sucesso, poder, riqueza etc ....
[5] A Erupção Minoica, também conhecida como erupção de Thera ou de Santorini, foi uma catastrófica erupção vulcânica que atingiu a escala 6 ou 7 da escala “Indicador de Explosão Vulcânica (IEV)”, ocorrida no meio do segundo milênio AC Um dos maiores eventos vulcânicos de que se tem registro, devastou a ilha de Thera (também chamada de Santorini), localizada no arquipélago grego entre Grécia e Turquia, e incluiu o assentamento minoico de Akrotiri, bem como as comunidades e áreas agrícolas das ilhas próximas e a costa de Creta. A civilização minoica foi uma civilização da idade do Bronze, no mar Egeu, que surgiu na ilha de Creta, florescendo de 2.700 a 1.450 AC; foi redescoberta no início do século XX
[6] Um Semita é um membro de qualquer dos vários povos antigos e modernos de língua semita, originários do Oriente Médio, incluídos os Akkadianos (Assírios/Siríacos e Babilônios), Amonitas, Amoritas, Arameus, Caldeus, Canaanitas (incluindo Hebreus/Israelitas/Judeus e Fenícios/Cartagineses), Eblaitas, Dilmunitas, Edomitas, Semitas Etiópios, Hicsos, Árabes, Nabateanos, Malteses, Mandeanos, Malamitas, Moabitas, Sabanitas e Ugaritas. A palavra “semítico” é derivada de “Sem”, um dos três filhos de Noé, da Gênesis. O conceito de povo “semítico” é derivado dos relatos bíblicos das origens das culturas conhecidas aos antigos hebreus. Em um esforço para categorizar os povos conhecidos deles, aqueles que lhes eram mais próximos em cultura e língua, foram geralmente considerados como descendentes de seu antepassado Sem.
[7] Um logograma é um grafema (a menor unidade semanticamente distinguível numa linguagem escrita, da mesma forma que um fonema na linguagem falada) que representa uma palavra ou morfema (a menor unidade com significado em uma língua). Logogramas são também conhecidos como “ideogramas”, embora os últimos representem mais ideias diretamente que palavras e morfemas. Sistemas logográficos, ou logografias, incluem os primeiros sistemas reais de escrita.


Continua com a PARTE 4.

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