Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

HISTÓRIA DOS REIS DA INGLATERRA A PARTIR DE 1066 (PARTE 3)

IDADE MÉDIA NA INGLATERRA (1154 – 1485)

A Bretanha de Henry II e de seus filhos Richard I, o Coração de Leão e John, experimentava um rápido crescimento de população, desmatamento de florestas para campos, estabelecimento de novas cidades e um zelo de aparência externa para as Cruzadas. O país também testemunhava o deleite do “renascimento do século XII” nas artes, exemplificado pela Bíblia de Winchester(1)
Os legados da invasão normanda permaneceram, com a aristocracia falando francês até após 1350, de forma que o saxão “ox” (boi) e “swine” (suíno), por exemplo, transformaram-se, na mesa, no francês “boeuf” e “porc” (até hoje “beef” e “pork”, em inglês). Ao norte da Inglaterra saxônica, a Escócia “normanizada” das terras baixas (the Lowlands), que compartilhou um dialeto vernacular comum com a Inglaterra ao norte do rio Humber, permaneceu diversa das terras altas (the Highlands), onde floresceu o galês. As famílias de Balliol e Wallace, dominantes na história medieval escocesa, derivaram todas de raízes francesas – uma minoria superpondo-se à população de escoceses. A Irlanda foi menos dominada por normandos e, em todos os lugares, muito da cultura regional nativa sobreviveu, a despeito da monarquia e aristocracia normandas. Sir Walter Scott descreve esses detalhes com maestria em sua obra prima “Ivanhoe”, de 1819, com personagens do século XII.

O REINADO DE HENRY II (1154-1189
Em laranja e amarelo, as terras de
Henry II, na França, em seu auge

Pela leitura atenta dos principais eventos do reinado de Henry II, pode-se ver que ele foi um oportunista consumado e com sucesso na exploração das chances que lhe foram concedidas para consolidar o seu poder. O domínio de que foi lorde, incluía a Inglaterra, Normandia, Maine(2) , Anjou(3) , Brittany(4)  e País de Gales (Wales). Da forma como via, ele tomou a Inglaterra por indisputável direito de sangue; pelo mesmo direito tomou a Normandia e Anjou, mas como um vassalo do rei francês Louis VII. Brittany, Wales e Maine a ele vieram por direito de conquista, cedido em parte por seus predecessores, mas necessitando que o selo final, assim como a benção do rei francês, fossem colocados para as terras da França. Todas essas terras tinham uma vez pertencido a Henry I, por conquista, casamento ou herança sendo, portanto, sua por direito inalienável. A esses territórios foi adicionada a Aquitaine(5) , através do seu casamento com Eleanor, em 1152, após sua separação do rei da França, por não lhe ter dado um filho homem; enquanto casados, Louis VII controlava três quartos do seu país, mas imediatamente após o casamento de Henry com Eleanor, o controle de mais da metade do país caiu nas mãos do Duque da Normandia. Um grande golpe, mas daí para a frente, a relação entre o Rei da França e seu vassalo Henry nunca mais seria a mesma, além de perseguir os reis da Inglaterra pelos séculos que se seguiriam.
Louis VII da França
Durante o seu reinado, Henry II tentou manter uma autoridade feudal, dispondo os termos pelos quais os reis da Inglaterra deveriam interagir com seus vizinhos da França, Escócia, País de Gales e Irlanda por muito do resto de sua história.
Um dos capítulos mais proeminentes do reinado de Henry II, foi o assassinato e subsequente martírio do arcebispo Thomas Becket, que tanto obscureceu o seu reinado. Quando Henry II subiu ao trono, o arcebispo de Canterbury(6)  era Theobald, que mantinha com a Coroa uma estável relação do tipo “toma cá, dá lá”. Quando Theobald morreu em 1161, Henry II conseguiu que Becket, seu amigo e confidente, assumisse seu posto, esperando que ele se tornasse um seu seguidor sem restrições. Entretanto, Becket pretendia levar muito seriamente a sua missão, e deu mostras disso ao renunciar imediatamente ao cargo de chanceler que então ocupava. A questão entre ambos começou quando Henry II tentou trazer a si o julgamento de “clérigos criminosos”, enquanto Becket sustentava que o assunto era questão da Igreja. Após meses de contenda, os dois lados se encontraram no Concílio de Clarendon, em janeiro de 1164, onde Henry II apresentou aos Bispos a infame Constituição de Clarendon, estabelecendo a relação entra a lei secular e a canônica, explicitamente contrariando um prévio acordo com os Bispos.
Santo Thomas Becket, mártir das
Igrejas Católica e Anglicana
Para evitar consequências sobre os seus Bispos, Becket assinou a Constituição para, imediatamente após, publicamente arrepender-se do seu juramento, promovendo a ira do rei que considerou o ato como traição e ao qual prometeu vingança. As desavenças entre ambos prosseguiram até que Becket fugiu para o exílio na França, sem que Henry II pudesse resolver a disputa a seu favor. Em 24 de maio de 1170, Henry II fez coroar seu filho Henry, o Jovem, em Canterbury, pelo Arcebispo de York, o que não foi tolerado por Becket, Arcebispo de Canterbury; chegaram a um compromisso em que o rei ignorou a origem da disputa, permitindo que Becket retornasse ao lar para recoroar seu filho numa segunda cerimônia. Becket necessitava recuperar seu prestígio na Inglaterra sem tornar-se submisso ao Rei e para isso, assim que chegado à Inglaterra, excomungou seus antigos inimigos eclesiásticos, que incluíam o Arcebispo de York. Quando essas notícias chegaram à corte natal de Henry, na Normandia, ele explodiu e teria proferido as palavras: 'Ninguém me livrará desse incômodo padre? Sem qualquer dúvida, foi algo dito quando em ira, mas quatro cavaleiros, chefiados por Reginald Fitz Urse, o tomaram pela palavra e, atravessando o Canal, assassinaram Becket na catedral onde rezava a missa matinal, em 29 de dezembro de 1170.
Dois anos após a sua morte, Becket foi canonizado pelo Papa Alexandre III, sendo venerado como santo e mártir pelas igrejas católica e anglicana. Cronistas contemporâneos rotularam Henry II como criminoso, seus inimigos clamaram pela excomunhão do rei e o ultraje do assassinato quase precipitou uma guerra. Com tudo isso, o Papa Alexandre III negociou uma trilha muito cuidadosa, excomungando os quatro cavalheiros envolvidos e proibindo Henry II de assistir missa até reparado o seu pecado e, para negociar tais reparações, enviou à Inglaterra dois legados papais. Num movimento inteligente, acordaram uma fórmula que permitiu a Henry II renunciar à Constituição de Clarendon, sem dar mostras de que o fazia. Em 21 de maio de 1172, Henry realizou uma cerimônia de penitência pública na Catedral de Avranches, em que jurou:
Fornecer recursos financeiros para 200 cavalheiros participarem de Cruzada à Terra Santa;
Restituir toda a propriedade da igreja de Canterbury;
Não obstruir quaisquer apelos do clero a Roma;
Abolir todos os costumes prejudiciais à Igreja.
Praticamente, Henry perdeu pouco por este compromisso, mas como a própria Constituição, as implicações do acordo foram enormes.

O CARÁTER E O LEGADO DE HENRY II

Eleanor da Aquitaine gerou, para Henry II, seis filhos que sobreviveram, entre eles quatro homens: Henry, the Younger (o Mais Jovem), Richard (o futuro “Coração de Leão”), Geoffrey e John (futuro perseguidor de Robin Hood). Mulher de forte personalidade, Eleanor protegeu ferozmente sua herança, que avaliou acima da lealdade a seu marido, criando enorme atrito com Henry II quando apoiou seus filhos contra ele na defesa da Aquitaine(7).
Eleanor da Aquitaine
Henry parece ter visto seu reino como uma espécie de corporação familiar a ser dividida entre seus filhos. Essa posição, explicitada em seu testamento de 1182, já funcionava dez anos antes. Em seu grande plano, o patrimônio central da Inglaterra, Normandia e Anjou iriam para seu filho mais velho, Henry; a Aquitaine foi colocada sob a responsabilidade de Richard; Geoffrey ficaria com a Britânia; e a John seria alocada a Irlanda. Pouco explícito em suas ideias, secreto e maquinador, por natureza, o grande erro de Henry II foi deixar seus filhos tentando adivinhar o futuro, até que, como verdadeiros Plantagenets, eles simplesmente perderam a paciência e tentaram tomar o que, por direito, era deles.
A primeira grande briga familiar ocorreu em 1173 quando Henry, the Younger, molestado por sua falta de poder e instigado pelos inimigos de Henry II, rebelou-se contra ele, conseguindo o apoio de seus dois irmãos Richard e Geoffrey, além de vários barões ingleses poderosos, dos reis da França e Escócia; até a rainha Eleanor tentou juntar-se a seu filho mais velho sem, entretanto, conseguir. Com sua posição mais precária do que em qualquer época anterior, na iminência de perder o apoio da maioria dos nobres ingleses, Henry II lutou uma hábil campanha defensiva, humilhando os franceses e os bretões e esmagando qualquer oposição na Inglaterra, enquanto seus agentes derrotavam e capturavam William da Escócia em 1174. Henry, the Younger, rendeu-se e seu pai, abalado pela experiência, reconheceu as queixas de seus filhos, dedicando rendas a todos eles.
Henry, the Younger, filho
mais velho de Henry II
Em 1183, quando Henry II recusou-se a dar-lhe controle da Normandia ou qualquer outra terra que pudesse ajuda-lo a pagar suas dívidas, Henry, the Younger, tentou novamente, investindo sobre os barões da Aquitaine. Richard queixou-se e iniciou a fortificação de seus castelos. Durante as negociações que se seguiram, Henry, the Younger, tentou emboscar seu pai em Limoges. Henry reuniu tropas para cercar a cidade enquanto seu filho teve o apoio do irmão Geoffrey e do novo rei da França, Philip, filho de Louis VII. Forçado a fugir de Limoge após saquear o templo local para pagar suas tropas, Henry, the Younger, fugiu sem rumo, pela Aquitaine, foi acometido por disenteria e morreu; com ele, a revolta.
Henry II tentou reestruturar seu reino solicitando a Richard que desistisse da Aquitaine em favor de John, prometendo-lhe a herança antes pertencente a Henry, the Younger. Richard, além de não confiar no pai e manipulado pelo rei Philip da França, cuja ambição era destruir o comando Angevin no seu reino, rompeu em 1189 quando, com Philip, emboscou Henry II após uma conferência de paz em La Ferté. Sentindo-se doente, Henry fugiu para Anjou, onde levou o golpe final ao descobrir que os rebeldes haviam recebido o apoio de seu filho mais jovem, John. Caiu em delírio durante uma conferência de paz, próximo de Tours, e morreu em 6 de julho de 1189, com 56 anos de idade.
Sem a decisão de Henry II sobre a sua sucessão, totalmente alterada em função da morte do seu primogênito Henry, the Younger, e do complô montado por seus filhos contra si, sempre com o apoio de sua esposa Eleanor, que por tais ações esteve presa durante 16 anos, Richard tomou as rédeas do poder em suas mãos, como Richard I da Inglaterra.

REINADO DE RICHARD I, O CORAÇÃO DE LEÃO (1189 – 1199)

Rei Richard I, o Coração de Leão
Richard I passou muito da sua juventude na corte de sua mãe em Poitiers, importando-se muito mais com ela e suas possessões continentais do que com seu pai e a Inglaterra. As relações familiares influenciaram muito a sua vida: lutou junto com seus irmãos em sua rebelião de 1173-1174; lutou com seu pai contra seus irmãos quando eles apoiaram uma revolta na Aquitaine em 1183; e lutou ao lado de Philip II da França contra seu pai, em 1188, derrotando-o em 1189.
Richard foi coroado em 3 de setembro de 1189 e tornou John conde de Mortain, garantindo-lhe extensas propriedades na Inglaterra, que incluíram Nottingham. Sabendo das tendências de John para criar casos, baniu-o da Inglaterra por três anos enquanto participava de uma cruzada; por influência de sua mãe, permitiu o retorno de John a Inglaterra, cometendo um enorme engano.
Do seu reinado de dez anos, Richard permaneceu apenas seis na Inglaterra. Para cumprir promessa a seu pai, juntou-se à Terceira Cruzada, partindo para a Terra Santa em 1190, acompanhado de seu companheiro/rival, Philip II da França. Em 1191 ele conquistou Chipre, a caminho de Jerusalém, e lutou admiravelmente contra Saladino, quase tomando a cidade santa em duas oportunidades. Enquanto isso, Philip II retornava à França e urdia com o príncipe John. A Cruzada falhou em seu objetivo primário, a libertação da Terra Santa dos turcos muçulmanos, mas obteve um resultado positivo: um acesso mais simples à região, para os peregrinos cristãos, através de uma trégua com Saladino.
Na Inglaterra, John conspirou contra William Longchamp, chanceler de Richard, conseguindo o seu banimento e tornando-se, não no nome, rei. Sua mãe antecipou-se a um complô entre John e o rei francês Philip II, para dividir entre si o império Angevin, informando da traição a Richard, que decidiu retornar para casa. Ao mesmo tempo, buscou apoio entre os barões ingleses e sitiou os castelos de John. No caminho de volta Richard foi capturado por Leopoldo V da Áustria e feito prisioneiro por Henry VI, Imperador do Sacro Império Romano, até o seu retorno à Inglaterra em 1194. Ao seu retorno, esmagou uma tentativa de golpe de John e recuperou as terras perdidas para Philip II. Suas escaramuças com Philip se repetiram esporadicamente até que os franceses foram finalmente derrotados em 1198. Foi nesse clima de desafio à lei que a lenda de Robin Hood surgiu.
Com a libertação de Richard, John fugiu para a França, mas foi rapidamente perdoado por seu irmão que, em seguida, retornou à França onde morreu em 6 de abril do ano seguinte, em consequência de um ferimento recebido em escaramuça no castelo de Chalus, no Limousin.. Em seu leito de morte Richard perdoou e nomeou John como seu herdeiro, embora pela lei de primogenitura, Arthur, o filho de seu irmão mais velho Geoffrey, o devesse substituir. Encontra-se enterrado na catedral de Rouen, capital da Normandia.
Em seu célebre romance “Ivanhoe”, Sir Walter Scot faz uma breve, mas precisa referência ao reino de Richard I, dizendo, entre outras coisas que, embora a sua fama e coragem, ele teria produzido muito pouco para a Inglaterra, quando comparado às suas façanhas nas Cruzadas.
Assim, a despeito da sua rivalidade, Richard e John conspiraram para manter a coroa na família e a coroação de John ocorreu na abadia de Westminster, em 27 de maio do ano de 1199.



(1) A Bíblia de Winchester é um manuscrito iluminado do Romanesco (ano 1000 até o advento do estilo gótico, no século XIII ou posterior, dependendo da região), produzido em Winchester, entre 1160 e 1175. Com 468 folhas de couro de bezerro, medindo 583 mm por 396 mm, é a maior Bíblia inglesa sobrevivente do século XII e pode ainda ser vista na Biblioteca da Catedral de Winchester, seu lar por mais de oitocentos anos. Seu primeiro registro descreve o manuscrito em dois volumes; com o passar dos anos ela foi reencadernada, primeiro em 1820, dividida em três volumes e, novamente, em 1948, em quatro volumes, encadernada em couro com incrustações a ouro.
(2) O Maine foi outro dos condados da França, pertencentes ao ducado da Normandia e existente desde o século VIII, localizado entre a Normandie, a Bretagne e Anjou. Com a morte de seu pai, Geoffrey, em 1151, pela primeira vez desde que Henry II se tornara Duque da Normandia, todos esses condados ficaram sob o mesmo governante.
(3) Anjou foi um condado a partir de 880, um ducado, a partir de 1360 e uma província, com sede em Angers, no baixo vale do Loire, oeste da França. Anjou foi unido à Coroa Inglesa entre 1151 e 1199, quando Henry II, e mais tarde seu terceiro filho, Ricardo, Coração de Leão, herdou o condado, tornando-se Conde de Anjou.
(4) Brittany (em português Britânia, em francês Bretagne) é hoje uma região administrativa do oeste da França, com uma grande costa entre o Canal da Mancha e o Oceano Atlântico. Sua capital é Rennes e seus habitantes chamam-se bretões. Cerca de 500 DC, os Bretões da então ilha da Bretanha (atual Inglaterra), atacados pelos anglo-saxões, para aí emigraram, trazendo os seus costumes e língua, denominando-a Pequena Bretanha, por oposição ao lugar de onde haviam emigrado.
(5) Aquitaine é hoje uma das 27 regiões da França, a sudoeste, ao longo do Oceano Atlântico e dos Pirineus, na fronteira com a Espanha. Na Idade Média a Aquitaine foi um reino e um ducado, cujos limites flutuaram consideravelmente.

(6) Canterbury, ao tempo dos romanos “Durovernum Cantiacorum” e ao tempo dos Jutes, Cantwaraburh, foi para onde foi enviado Santo Agostinho, pelo Papa Gregório o Grande, para converter o rei Ethelberht of Kent à cristandade, em 595. Após a sua conversão, Canterbury foi escolhida por Santo Agostinho como o centro de uma diocese episcopal em Kent e uma abadia e uma catedral foram aí construídas, sendo o seu primeiro Arcebispo. Em 672, o Sínodo de Hertford deu a Cantebury autoridade sobre toda a igreja inglesa, daí surgindo a importância do relacionamento entre o Rei e os futuros arcebispos. Ele é considerado o "Apóstolo dos ingleses" e o fundador da Igreja da Inglaterra. Não confundir este Santo Agostinho, da Cantuária, com o Santo Agostinho de Hipona, doutor da Igreja, que morreu em 430.
(7) Esses temas foram muito bem abordados no maravilhoso filme britânico de 1968, “The Lion in Winter” (O Leão no Inverno), dirigido por Anthony Harvey, baseado na peça homônima de James Goldman, estrelado por Peter O’Toole, Katharine Hepburn e o “novato” Anthony Hopkins, agraciado com três “Oscars” além de outros prêmios.


Prossegue na Parte 4

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