Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

VILA OLIVA

O estado do Rio Grande do Sul possui 496 municípios, sendo que um dos mais importantes, por destacar-se como a principal cidade do pólo metal-mecânico na região serrana, é o de Caxias do Sul. Este município possui 10 subprefeituras que envolvem as quatro regiões administrativas – Ana Rech, Desvio Rizzo, Forqueta e Galópolis – e os seis distritos - Criúva, Fazenda Souza, Santa Lúcia do Piai, Vila Cristina, Vila Seca e Vila Oliva. Este “post” é uma pequena homenagem a este último distrito de Caxias do Sul: Vila Oliva.
Localizado a cerca de 45 km de Caxias do Sul, o distrito de Vila Oliva é formado por campos, ótimos para a criação de gado e ovelhas, e por terras de cultura agrícola. A localidade pertencia, anteriormente, ao município de São Francisco de Paula, até que em 1954 a população requisitou sua anexação a Caxias do Sul através de um plebiscito que lhes deu ganho de causa, fazendo com que a localidade passasse então a ser um dos distritos de Caxias do Sul.
Em 1932 os irmãos Francisco e Luiz Oliva adquiriram 33.000 km² de terra, em sua maioria coberta de pinheiros e mata nativa, e começaram a explorar a madeira de pinho. Como a madeireira exigia mão de obra, diversos funcionários dos Irmãos Oliva adquiriram terrenos nas proximidades, dando origem à Vila que homenageou seus fundadores. Posteriormente as terras foram divididas e vendidas a colonos que se dedicavam à agricultura.
Os irmãos Oliva tiveram papel fundamental na construção da vila, pois construíram a atual estrada que a liga à área urbana do município. Além disso, indenizaram os donos de terrenos e construíram cercas laterais por conta própria com a intenção de transportar a madeira que exploravam até a capital do Estado.
Hoje o distrito possui uma população de aproximadamente 1300 habitantes. Sua principal atividade econômica é a fruticultura, tendo como principais produtos cultivados a maçã, o caqui e a ameixa. Ainda há, como produção representativa, os hortigranjeiros, a pecuária de corte e a extração vegetal.
E de onde vem o meu interesse pessoal em Vila Oliva?
Eu nunca havia ouvido falar nesse nome, em minha vida, até o dia em que fui estudar no Colégio Anchieta, de Porto Alegre. Quando menino, cumpri os quatro anos do ginásio daquela época, nesse Colégio, entre os anos de 1955 e 1958. Naquela época, os padres Jesuítas dirigiam e lecionavam no Colégio Anchieta, que então se localizava na Rua Duque de Caxias, muito próximo da Catedral Metropolitana e ao lado do Museu Júlio de Castilhos. Em minha opinião, os Jesuítas sempre foram professores extraordinários e sempre pretenderam proporcionar aos seus alunos uma educação muito saudável, nunca descurando de qualquer dos seus componentes, aí incluindo, obviamente, o aspecto religioso.
Paralelamente ao aspecto educacional, sempre se preocuparam com o fato de que os alunos tivessem seu tempo ocioso preenchido, tanto quanto possível, com atividades saudáveis e, preferencialmente, supervisionada. Para tanto, o complexo educacional anchietano contava com instalações exemplares tanto em Porto Alegre como fora da capital. Assim, eram muito conhecidos dos alunos do Anchieta e de seus pais, o Morro do Sabiá, em Ipanema, com a sua Casa da Juventude e as suas várias modalidades de atividades desportivas, a casa de Retiro Vila Manresa, num dos morros da Glória e a sua casa de férias de Vila Oliva, município de Caxias do Sul.
Sempre gostei muito e pratiquei esportes de vários tipos e, por essa razão, me dei muito bem no Anchieta. Freqüentava com assiduidade todas as suas instalações e atividades, sem esquecer as suas capelas no próprio Colégio ou fora dele, onde aprendi a ajudar às missas, tornando-me um “coroinha” ou sacristão, segundo a terminologia mais adequada. Mas era particularmente adepto das férias em Vila Oliva, sempre esperadas com muita ansiedade, tanto nos recessos de inverno, em julho, como nos de verão, quando poderiam acontecer em janeiro ou fevereiro.
Essas férias sempre foram uma experiência inesquecível, para nós, meninos entre os seus 11 e 15 anos de idade. Era a ocasião em que nos afastávamos dos pais por um período então nunca imaginado, que podia variar de 15 a 30 dias seguidos. Era uma verdadeira aventura! A começar pela própria viagem que, para se tornar menos cara, era realizada de trem, de Porto Alegre até Caxias e em ônibus, muito pouco confortável, de Caxias até Vila Oliva. Lembro que muitas vezes, os pais não conseguiam controlar a sua ansiedade e nos faziam pelo menos uma visita dentro do período de afastamento da casa – e como essa visita era bem vinda! – pois mesmo numa época de pura diversão e entretenimento, às vezes a saudade apertava e era sempre muito bom voltar a ver os pais. Sem contar que, quando iam, eles sempre lembravam de nos levar algumas guloseimas, raridade por lá e muito importante, tendo em vista que na Casa da Juventude, em Vila Oliva, embora pagássemos por essas férias, a alimentação era farta, mas jamais com supérfluos. Os padres não podiam dar-se ao luxo das guloseimas que sempre podíamos desfrutar quando em nossas casas. Essas viagens eram verdadeiras temeridades se fossem realizadas sem correntes colocadas sobre os pneus, dado o estado em que ficavam as estradas de terra, entre Ana Rech e Vila Oliva, na eventualidade de ocorrência de chuvas pesadas.
Considerando que os padres jesuítas tornavam-se, durante o período das férias, responsáveis por um número considerável de jovens alunos (que podia atingir a mais de 120 alunos), as atividades diárias tinham que ser muito bem planejadas e organizadas. Lembro, por exemplo, que todos os alunos eram separados em cerca de 10 Turmas, que sentavam-se sempre às mesmas mesas e tinham lugares pré-determinados nos dormitórios. Recordo, também, que eram poucos os padres que participavam das férias (não me lembro de que fossem mais de meia dúzia por período) e por isso, contavam eles sempre com ex-anchietanos, mais velhos e comprovadamente responsáveis, para ajudá-los, constituindo-se eles nos Chefes de Turmas. Além disso, a cada dia, um dos alunos era indicado, pelo padre mais graduado, para ser o “Fiscal do Dia”; este carregava consigo um apito e era, durante aquele dia, uma espécie de responsável pelo fiel cumprimento de todas as atividades diárias, nos seus respectivos horários, de acordo com uma agenda pré-estabelecida pela autoridade maior da casa. Essas atividades incluíam eventos desportivos, religiosos, sociais, trabalhos, além dos horários de refeições, banho e descanso, tudo perfeitamente organizado.
A Casa da Juventude de Vila Oliva incluía instalações adequadas para a realização de todas as atividades mencionadas. Entre elas, a própria casa, num laranja berrante, com os dormitórios, refeitórios, lavatórios, sempre limpíssimos, e as salas de jogos, que incluíam ping-pong, sinuca, fla-flu (pebolim ou totó) e jogos de carta e outros, de salão; a capela, da mesma cor da casa, para as missas diárias e outras atividades religiosas; a piscina, com trampolim, a quadra de futebol de salão e o mais esperado, o campo de futebol, de tamanho profissional. Ainda havia, no alto de uma colina junto à casa, uma cobertura com bancos formando um grande círculo, que servia como uma espécie de corte de justiça e teatro onde eram realizadas as chamadas Reuniões da Noite. Nessas reuniões, também diárias, aconteciam duas espécies de eventos, um imediatamente após o outro. Na primeira parte da noite era realizado o temível ajuste de contas das faltas diárias praticadas pelos alunos, com punições que variavam desde a perda da “mariola” de sobremesa até a proibição de participar de alguma evento especialmente agradável ao potencial punido. Na segunda parte da Reunião eram realizadas pequenas apresentações de teatro, de cantores ou instrumentistas e as famosas anedotas teatralizadas, tudo preparado pelos alunos e supervisionado pelos chefes de turma. Eventualmente, sempre aconteciam atividades especiais, como por exemplo um concurso de saltos ornamentais no trampolim da piscina e até mesmo um banho de piscina inesperado num dos padres, de batina e tudo, sempre façanha de responsabilidade dos alunos mais velhos.
Mas o grande evento das férias, sem qualquer dúvida, pelo menos para uma grande maioria dos alunos, era o Campeonato de Futebol, disputado durante todo o período das férias, no sistema de pontos corridos, entre pelo menos meia dúzia de times organizados de forma a tornar a competição o mais equilibrada possível, jogando todos contra todos. Nem mesmo os padres escapavam de presenciar, vez por outra, uma pancadaria generalizada entre jogadores de duas equipes que, certamente, haveriam de acertar as contas com a justiça na próxima reunião da noite.
Essa competição só era ultrapassada, em importância, pela sempre esperada disputa entre o time principal do Anchieta e o time da Vila Oliva. Essa era sempre levada muito a sério e não foram poucas as vezes em que o jogo encerrou-se com pancadaria. Já começa que o jogo era sempre apitado por residente da Vila e mais de uma vez, o bandeirinha que anulava os nossos ataques (sempre da Vila), trocava de lado, junto com o time, ao término do primeiro tempo. O time do Anchieta, pelas duras faltas praticadas pelo time da Vila, que não punha limite de idade aos seus atletas, era sempre formado pelos alunos mais velhos e mais fortes. Lembro perfeitamente de uma vez em que, por qualquer razão, faltou um jogador ao time do Anchieta e eu pedia, desesperado, aos padres que organizavam o evento, para que eles me deixassem jogar; eles bem conheciam as minhas habilidades futebolísticas, mas temerosos de me colocarem, com apenas 11 ou 12 anos de idade, para jogar contra adultos e sujeito a me machucar sem necessidade, se negavam a concordar com meus rogos. A solução foi encontrada quando, pela sugestão de um dos bons jogadores mais velhos, os padres concordaram com que eu jogasse, com a promessa de que eu não disputaria, de forma alguma, jogadas previsivelmente perigosas ou ríspidas. Foi uma promessa que nunca pude cumprir e me orgulho muito de ter desempenhado muito bem o meu papel, sem maiores conseqüências pessoais no plano físico, pelo que saí de campo muito festejado.
A Vila resumia-se, praticamente, a uma rua central, onde ficava o único Hotel existente, o único restaurante idem, e o único armazém de grande porte idem, idem. Mas como tudo parecia tão grande e maravilhoso! O hotel da vila servia como hospedagem aos pais dos alunos, quando realizavam as suas visitas; e no armazém comprávamos o presente que não poderia faltar para as nossas mães, quando do nosso retorno ao lar. Aos fins de semana, quando nossas folgas eram maiores, sempre achávamos um jeito de driblar a vigilância dos padres e dar uma fugida a uma das vinícolas locais para fazer a famosa “degustação” dos vinhos caseiros e da célebre “verdinha”, cachaça feita de menta e de um verde cristalina inesquecível.
E haveria ainda muitas outras coisas para contar, como as maravilhosas aventuras em nossos acampamentos, as fugidas para os passeios de barco no lago da represa ... Devo muito a essa Vila Oliva, de lembranças inesquecíveis do meu tempo maravilhoso do ginásio no Colégio Anchieta. Ainda volto lá, qualquer dia desses, para matar as saudades e rever as paisagens inesquecíveis de tempos tão alegres e sem arrependimentos...

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