Homenagem ao lendário herói ancestral dos ingleses que deu título a um dos considerados "Cem Maiores Livros do Mundo" e tido como o mais antigo escrito em "Old English".

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

PEQUIM OU BEIJING?

Durante as Olimpíadas na China (das quais participei, como telespectador, até muito discretamente), chamou-me à atenção o fato de alguns canais de televisão, pelo menos, utilizarem o logo “Beijing 2008”. Há muitos anos que conheço as palavras Pequim e Beijing e penso que também já soube, um dia, que ambas se referiam à mesma cidade. Entretanto, com o evento e pela forma como o logo foi apresentado, sem maiores explicações, minha curiosidade foi aguçada e resolvi fazer uma pequena busca para melhor entender a questão.
Para começo de conversa, é muito importante que se alerte para o fato de que estamos escrevendo em português e, portanto, a grafia usada para as duas palavras acima, argumento do nosso comentário, é a grafia portuguesa, visto que em outras línguas elas, naturalmente, serão escritas diferentemente.
As duas palavras, Beijing e Pequim, referem-se à mesma metrópole localizada ao norte da China e sua atual capital ou, se preferirem, da República Popular da China (RPC), anteriormente conhecida, em inglês, por Peking. Pequim (Beijing) é uma das quatro municipalidades da RPC, que são equivalentes a províncias na estrutura administrativa daquele país. Pequim (Beijing) é uma das Quatro Grandes Antigas Capitais da China e limita-se com a Municipalidade de Hebei ao norte, oeste, sul e leste, e com a Municipalidade de Tianjin a sudeste. É a segunda maior cidade da China, apenas perdendo para Shanghai, constituindo-se num importante centro de transportes, com dezenas de estradas de ferro e para automóveis que a atravessam; é também o ponto focal de muitos vôos internacionais para o país. Pequim (Beijing) é reconhecido como o centro político, educacional e cultural da China, ao passo que Shangai e Hong Kong predominam no campo econômico. Como todos devem saber, presentemente, a cidade hospedou os Jogos Olímpicos de 2008.
Pequim (Beijing) significa “a capital do norte”, seguindo a tradição comum da Ásia Oriental pela qual as cidades capitais são explicitamente assim nomeadas. Por exemplo, Nanjing, na própria China, significa “a capital do sul”, Tokio no Japão e Hanói no Vietnam significam “capital do leste”, ao passo que Kioto no Japão e Seul na Korea significam, simplesmente, “capital”.
A cidade mudou de nome várias vezes. Durante a Dinastia Jin, a cidade era conhecida como Zhongdu e mais tarde, sob a Dinastia Mongol Yuan, como Dadu em chinês e Khanbaliq em mongol (registrado como Cambuluc por Marco Polo). Duas vezes na história da cidade, o nome foi mudado de Pequim (Beijing) para Peiping (Beiping), literalmente significando “Paz do Norte”, primeiramente, sob o imperador Hongwu, da Dinastia Ming e, posteriormente, em 1928, com o governo Kuomintang (KMT) da República da China; em ambas as ocasiões o nome removeu o elemento que significa “capital” (jing ou king) para indicar que a capital nacional havia sido transferida para Nanjing. Além disso, duas outras vezes a cidade mudou de Peiping (Beiping) para Pequim (Beijing); a primeira vez ocorreu quando o Imperador Yongle, da Dinastia Ming, moveu a capital de volta para Pequim (Beijing) e, novamente, em 1949, quando o Partido Comunista da China restaurou Pequim como a capital da China, após a fundação da República Popular da China. Finalmente, Yanjing é e tem sido outro popular e informal nome para Pequim (Beijing), uma referência ao antigo Estado de Yan, que existiu durante a Dinastia Zhou.





Entretanto, essas várias alterações do nome da cidade nada têm a ver com o motivo principal do nosso artigo, que refere-se à dúvida “Pequim ou Beijing?”.
Neste caso, não houve uma troca de nome, ilustra o Professor Cláudio Moreno, como no caso de Sião para Tailândia, ou de São Petersburgo para Leningrado, e de Leningrado de novo para São Petersburgo - casos em que existe uma pressão natural que nos leva a adotar a nova denominação. O que houve, neste caso, foi apenas uma troca de sistema de transcrição, o que termina sendo pouca coisa além de uma troca na grafia (já que a pronúncia é variável nas diferentes regiões da vasta China continental).
Pequim (em inglês Peking) é o nome da cidade de acordo com o sistema de Romanização do Mapa Postal Chinês e o tradicional nome costumeiramente usado para a cidade, em inglês (os passaportes emitidos pela Embaixada Inglesa ainda são impressos como sendo emitidos pela “British Embassy, Peking”. O termo “Peking” teve origem com os missionários franceses há quatrocentos anos atrás e corresponde a uma pronúncia mais antiga que antecede uma subseqüente mudança de som no Mandarim e que ainda é usado em muitas línguas. O sistema acima mencionado, de romanização para nomes de locais chineses, entrou em uso ao final da Dinastia Qing e foi oficialmente sancionado pela “Imperial Postal Joint Session Conference”, que teve lugar em Shanghai, na primavera de 1906. Este sistema de romanização foi retido após a queda da Dinastia Qing, em 1912, e uma vez que ficou em uso no atlas postal oficial da República da China, ele permaneceu como a forma mais comum de dar nome a locais chineses no ocidente (para cartógrafos, por exemplo) por uma grande parte do século XX. Com o estabelecimento da República Popular da China, o sistema tem sido gradualmente substituído pelo Pinyin, que é agora quase que universalmente aceito.


Explica o Professor Cláudio Moreno que o governo da China, pretendendo uniformizar as transliterações que o Ocidente faz de seus nomes, desenvolveu e divulgou o sistema PINYIN, que regula a transcrição fonética da língua chinesa para o alfabeto romano. Basicamente, esse sistema transformou a palavra Peking (em inglês) ou Pequim (em português) em Beijing. Ainda, segundo o Professor Moreno, "é útil e necessária a honorável iniciativa das veneráveis autoridades chinesas; a adoção desse sistema trará, finalmente, a serenidade aos leitores que, como eu, se sobressaltam a cada nova grafia do célebre presidente Mao (Mao Tse-Tung, Mao Tsetung, agora Mao Zedong) ou do não menos famoso Chiang Kai-Shek (Chang Kai-Chek, Tchang Kai Chek, parece que agora Jiang Jieshi)".
Ao final de tudo, me parece importante transcrever as idéias do professor Cláudio Moreno, quanto aos aspectos práticos da medida governamental chinesa. Diz ele:

“Para nós, os chineses da capital vivem em Pequim, mesmo que eles gritem todos juntos que vivem em Beijing. Nossos antepassados lusitanos entraram na China no século XVI; como herança deles, falamos uma língua que conhece o nome Pequim há quase 500 anos. Aliás, no início havia também algumas divergências quanto à sua pronúncia, mas sob outro enfoque: Fernão Mendes Pinto, o extraordinário escritor-viajante, fala, no capítulo CV da Peregrinação, desta ‘cidade que nós chamamos Paquim, a quem os seus naturais chamam Pequim’. Portugal manteve intenso intercâmbio com a China, enviando embaixadores, missionários, aventureiros, comerciantes e militares (não necessariamente nessa ordem) ao império dos "chins", como diziam, acabando por estabelecer uma base em Macau, até recentemente sob domínio ocidental. Por tudo isso, nosso idioma se acostumou a nomes como Pequim, Cantão e Nanquim, além de suas derivações: falamos da cozinha cantonesa, da tinta nanquim, do cachorro pequinês (aquele pequeno cãozinho doméstico de focinho achatado). Assim vivemos felizes por meio milênio, e não vamos trocar tudo isso apenas por causa de uma lei chinesa. Isso não significa, porém, que vamos abandonar os nomes já enraizados em nosso léxico. Para entender por que afirmo isso, basta comparar, no quadro abaixo, o nome tradicional com a nova versão PINYIN:

Cantão – Guangzhou
Xangai - Shanghai
Pequim – Beijing
Nanquim – Nanjing
Hong-Kong – Xianggang

É sabido que as leis ortográficas de um país não costumam ter repercussão nas outras línguas. Quando nós oficializamos a grafia Brasil, os países de língua inglesa continuaram a usar Brazil, a forma consagrada durante nosso regime imperial, enquanto a França, alheia a tudo, sempre usou alegremente o seu Brésil. Por isso, mesmo que um bilhão de chineses não concordem, devemos manter o Pequim do Português, da mesma forma que se mantiveram Pékin (Fr.), Pechino (It.), Pekín (Esp.) e Peking (Al.). Só os jornais de língua inglesa se apressaram em aderir à novidade; talvez, em nome da globalização, nossa imprensa pudesse adotar o hábito educativo de incluir, entre parênteses, o nome reformulado: Pequim (Beijing).” Isso explicaria a difusão fácil do logo Beijing, pelas televisões, durante os últimos Jogos Olímpicos.

Gostaria de concluir registrando que comungo com a opinião do Professor Moreno e até acho que ele foi mesmo muito ponderado em suas opiniões (ponderação é uma característica das pessoas cultas e experientes). Fico imaginando quão complicado poderia ser para nós, brasileiros, sairmos pelo mundo a fora, a ensinar a pronúncia correta de palavras tão brasileiras que nem mesmo nós conseguimos às vezes pronunciar - o que fará escrever e explicar -, a estrangeiros que mal conhecem seus próprios problemas muitas vezes insolúveis. E, reciprocamente, ficar escutando (entre incontáveis outros exemplos) porque os “welsh” chamam sua nação de Wales quando nós a chamamos de País de Gales, quando temos dentro da nossa casa assuntos muito mais importantes para resolver e nem de perto o conseguimos.

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